Há mais de três décadas, o cenário televisivo mainstream mudava para sempre com a estreia de uma pequena comédia chamada ‘Friends’.
Estreando em meados dos anos 1990, a trama acompanhou o cotidiano, as atribulações e os problemas de seis melhores amigos que vivem na cidade de Nova York e que, ao longo de nada menos que dez anos, encantaram espectadores ao redor do mundo – e firmaram um legado que permanece até os dias de hoje, mesmo depois de anos desde seu término. Com a estreia do primeiro episódio, lá em 22 de setembro de 1994, o público foi convidado a se apaixonar por personagens carismáticos que são revisitados e redescobertos constantemente, redefinindo o modo de se contar histórias mesmo na atualidade.
Para aqueles que não conhecem, a série foi criada por David Crane e Marta Kauffman e foi centrado em seis personagens principais: Rachel Green (Jennifer Aniston), uma mimada garota que escapou de seu casamento com um dentista e tornou-se uma garçonete de um café; Monica Geller (Courteney Cox), uma habilidosa cozinheira que deseja ser a chef de seu próprio restaurante; Ross Geller (David Schwimmer), irmão de Monica e um renomado paleontólogo que vê sua vida virar de cabeça para baixo quando descobre que a esposa é lésbica; Chandler Bing (Matthew Perry), um analista de sistemas que usa o humor como forma de se proteger; Phoebe Buffay (Lisa Kudrow), uma engenhosa cantora, compositora e massagista que sempre tenta ver o lado positivo da vida; e Joey Tribbiani (Matt LeBlanc), um charmoso ator com descendência italiana que pode não ser muito esperto, mas tem o coração no lugar certo.
Juntos, esse grupo variado de pessoas se une em virtude das circunstâncias do destino e, tendo uns aos outros como companhia e como âncora, singram pelo amor, pela amizade, pelas decepções e pelas frustrações da vida adulta de maneira bastante espirituosa e cômica – não apenas emergindo como uma ótima e memorável peça audiovisual, mas um evento que continua a ser celebrado e que merece nossa atenção, ainda que as histórias dos nossos protagonistas não sejam do seu apreço.
A princípio, é preciso comentar sobre como a série alavancou a carreira dos atores envolvidos – e dos nomes por trás das câmeras. Mesmo já tendo participado de certas produções (Aniston, por exemplo, já havia feito sua estreia oficial com o terror ‘O Duende’, um ano antes da estreia de ‘Friends’), o elenco principal foi escolhido a dedo de forma a manter seu “anonimato”, justamente para garantir uma maior relacionabilidade para que o público se visse espelhado em meio aos eventos narrados. É claro que, considerando a ambientação em questão e levando em conta que a globalização não era tão forte quanto hoje, certos jargões, piadas e situações quebram essa universalidade, mas permitiram o encontro entre culturas diferentes que, agora, mesclam-se em uma quase homogeneidade – e reiteraram um reconhecimento generalizado para os performers.
Um outro aspecto de forte notoriedade da série foi a conexão que construiu com os fãs com o passar dos anos – e o emblemático status parassocial que arquitetou. Ao apostar fichas em histórias cômicas e cotidianas, Kauffman e Crane permitiram que os espectadores se enxergassem nas múltiplas personalidades que dominavam as telinhas, fosse no carisma de Joey ou nas sagazes tiradas de Chandler. Dessa maneira, a audiência conseguiu construir laços impalpáveis que a aproximou dos personagens como se eles fizessem parte da realidade, estando lá em momentos fáceis e difíceis, felizes e tristes. Não é surpresa que a série tenha ajudado várias pessoas e compreenderem que elas não estavam sozinhas – com testemunhos reais sendo colocados no especial ‘Friends: A Reunião’.
A série ajudou a popularizar um estilo de narrativa televisiva que também não era comum à época e que seria emulada por inúmeras obras consecutivas. É claro, ‘Friends’ não inventou o conceito de sitcoms (comédias de situação), mas de fato popularizou a ideia de enredos centrados não em acontecimentos contínuos, e sim em narrativas sem conflitos cataclísmicos ou de forte mudança estrutural – em que o objetivo é mostrar o dia a dia de pessoas de uma maneira não convencional. Como se não bastasse, as mensagens defendidas ofereceram uma perspectiva interessante e original sobre o funcionamento social, defendendo a ideia de uma “família escolhida” em vez dos costumeiros laços sanguíneos que vemos em títulos como ‘That ‘70s Show’, ‘Três É Demais’ e ‘Anos Incríveis’.
Utilizar como base esse desprendimento de estruturas já existentes para transferir atenção a algo a priori banal foi uma jogada de gênio por parte dos criadores da série – e asseverando uma popularidade exponencial que a transformou em uma das produções mais consumidas da história, com recordes aparentemente inquebráveis. Não é surpresa que a obra tenha conquistado 62 indicações ao Emmy Awards, levando para casa o prêmio de Melhor Série de Comédia pela oitava temporada, e influenciado atrações como ‘How I Met Your Mother’ (cujas similaridades são gritantes e inegáveis), ‘New Girl’ e ‘The Big Bang Theory’.
Enquanto algumas pessoas afirmem a falsa representatividade de ‘Friends’, é preciso mencionar que a época de gestação da série era outra – e que, mesmo com as restrições impostas pelas próprias emissoras e pela ideologia dos anos 1990 e 2000, momentos de importância significativa. Por exemplo, tivemos o primeiro casamento lésbico da televisão aberta norte-americana com o show, realizado entre Carol Willick (Jane Sibbett) e Susan Bunch (Jessica Hecht), marcando algo inédito no circuito mainstream; ou a breve exposição do relacionamento entre Molly (Melissa George), babá da filha de Rachel e Ross, e sua namorada. E, ainda que repletos de estereótipos incabíveis na contemporaneidade, não podemos ser anacrônicos quanto ao que existia décadas atrás.
Trinta anos depois de sua grandiosa estreia, ‘Friends’ permanece como uma das produções de maior impacto no circuito seriado dos Estados Unidos e, agora, pertencente à cultura pop mundial com revisitações constantes. É claro que a série encontra resistência por parte da mentalidade da nova geração, porém, nada disso apaga sua crescente e sucessiva importância.