Imaginação sempre foi a palavra primordial quando pensamos em cinema. A criação desta arte tão amada tem tudo a ver com sonhos tornados realidade através de pura magia. Cinema é onde o impossível se torna possível. E assim foi durante os seus mais de cem anos de história. No entanto, com o peso de tal bagagem se torna cada vez mais difícil contar histórias originais ou até mesmo abordá-las de forma inédita. O que temos hoje no cinema mirado ao grande público é uma onda de reciclagens de temas e gêneros.
Justamente por isso, ideias inovadoras são tão bem-vindas no cinema comercial. O problema é quando elas não dão certo, afinal nem sempre criatividade caminha lado a lado com qualidade, e aceitação do espectador ou crítica. Um conceito diferente pode não ser traduzido da melhor maneira das páginas para a tela, e muitas vezes o que o fã quer ver é a familiaridade de seu objeto de afeto. Para tanto, não adianta querer reinventar a roda.
Pensando nisso, resolvemos resgatar algumas boas ideias do cinema, confeccionadas tendo a melhor das intenções para agradar o público, mas que acabaram por ser canceladas logo de partida, sem muita chance para vingar. Vem conhecer.
O ‘Dark Universe’
Tendo o conceito de ordem em Hollywood na atualidade, “o universo compartilhado”, em mente, todo e qualquer grande estúdio vê a tendência como o caminho do futuro. Para que ficar focado somente em uma franquia, quando se pode mesclá-la a outras, costurando universos cinematográficos interligados. Os filmes da Marvel mostraram a possibilidade e as bocas dos executivos aguaram. Assim, os estúdios começaram a viabilizar dentro de suas propriedades estes verdadeiros encontros de titãs. E um dos anúncios recentes mais chamativos foi feito pela Universal em seu Dark Universe. O que seria isso? Uma revitalização em algumas de suas propriedades mais antigas – seus monstros clássicos: Drácula, Lobisomem, Frankenstein, etc..
O feito não seria novidade, já que as criaturas transitaram juntas por produções da casa ainda na década de 1940. Toma essa Marvel! Ou seja, o que foi criado no passado, pode ser replicado atualmente – numa época em que o público anseia pelo conceito. Os olhinhos dos produtores brilhavam com cifrões. Sem perder tempo, os envolvidos anunciaram Javier Bardem como o monstro de Frankenstein, Angelina Jolie era visada para sua Noiva e Johnny Depp como o Homem Invisível. O pontapé inicial seria provido pelo mega astro Tom Cruise e sua versão da Múmia – desta vez uma mulher, personificada pela exótica Sofia Boutella. Sim, é o caso de querer correr antes de andar, mas qual projeto ambicioso não é? No cinema, essa estrutura termina dependendo muito do sucesso de uma única produção para se erguer, e ela pode pôr tudo a perder. Com A Múmia (2017), fracasso de crítica e dono de uma bilheteria abaixo do esperado, o destino foi justamente este. A obra causou o desmoronamento do Dark Universe, fazendo da proposta um projeto inconcebível.
A salvação, em partes, da ideia se deu pelo nome de Leigh Whannell, roteirista e diretor que resgatou do limbo o projeto para um filme do Homem Invisível. Whannell, ao lado da Blumhouse, redesenhou o conceito para a Universal, que deixava de ser uma produção megalômana para se tornar uma obra bem mais intimista – seguindo a cartilha do “terror social”. O foco agora era o abuso doméstico, a libertação e empoderamento feminino. Para estrelar, uma atriz escolada no tema: Elisabeth Moss (The Handmaid’s Tale). E o mesmo time já trabalha para fazer o mesmo com a história do Lobisomem – que agora terá as formas de Ryan Gosling.
The Night Chronicles
Muitos talvez não lembrem, mas tão ambicioso e interessante quanto o Dark Universe era um projeto do diretor indiano M. Night Shyamalan intitulado The Night Chronicles. Na época de sua concepção, Shyamalan já havia visto altos e baixos em sua carreira. Na verdade, no segundo item era onde se encontrava o cineasta após fracassos consecutivos de obras como A Dama na Água e, principalmente, Fim dos Tempos. Grande incentivador e entusiasta do terror, Shyamalan tratou de confeccionar o selo Night Chronicles, que seria uma produtora utilizada por ele para dar voz a novos cineastas em trabalhos no gênero.
Assim, o planejado por Shyamalan, que iria produzir todos os filmes do selo (e quem sabe dirigir algum se a coisa funcionasse), era lançar primeiramente uma trilogia tendo como tema mitos urbanos mesclados com o sobrenatural. O primeiro exemplar a ser lançado foi Demônio, que em 2020 completou dez anos de lançamento. E ele foi também o último com o selo. A premissa de Shyamalan (que desenvolveu a história) era interessante, com um grupo de estranhos num elevador, entre eles o diabo em pessoa. Porém, o resultado do filme junto aos críticos e os fãs não foi dos melhores, o que acabou pondo um fim ao projeto logo na largada. No mesmo ano, Shyamalan adaptaria sem sucesso o desenho querido pelos fãs Avatar, em O Último Mestre do Ar, e só viria a fazer as pazes com o sucesso seis anos depois com Fragmentado.
Antologia Halloween
Se engana quem acha que ideias para franquias e universos compartilhados que dão com os burros n’água é coisa de agora. Voltando para a adorada década de 1980 temos um dos casos mais notórios na indústria de Hollywood sobre boas ideias que não vingaram. O tópico aqui é a série slasher de sucesso Halloween, criada em 1978 por John Carpenter. Nesta época o filme era apenas uma produção independente que viveu para se tornar um fenômeno estrondoso e imortalizar no coração dos fãs o maníaco Michael Myers. Halloween se tornou um dos filmes mais influentes do gênero, gerando inúmeros imitadores, sendo o mais famoso Sexta-Feira 13, lançado dois anos depois. Foi inclusive a fama deste filme que sacudiu o produtor Moustapha Akkad, mostrando o que o gênero poderia se tornar – e o apelo que possuía junto ao público jovem (traduzido em boas bilheterias).
Assim foi exigido que John Carpenter e Debra Hill confeccionassem uma continuação – mesmo que meio a contragosto da parte deles. Sexta-Feira 13 havia feito muito dinheiro em 1980, e já engatilhava sua continuação logo no ano seguinte. No mesmo 1981, Carpenter e Hill tiravam da cartola Halloween 2 – O Pesadelo Continua, com uma trama que seguia o original exatamente da mesma noite em que havia parado, deslocando a ação agora para um hospital. No desfecho, os criadores se certificaram de que a história de Michael Myers, do Doutor Loomis e de Laurie havia chegado ao fim. O sucesso do filme, no entanto, instigou os envolvidos a retornarem para este lucrativo “dia das bruxas”, mas aqui era dado o pulo do gato.
Carpenter, o produtor e roteirista também do terceiro filme, teve a inusitada ideia de engavetar os personagens que todos haviam aprendido a gostar, e contar a cada novo filme de Halloween uma história completamente nova. A franquia iria se tornar uma antologia, a cada ano tratando de um conto assustador de temática do dia das bruxas. A ideia parecia boa o suficiente e a produção ganhou sinal verde, resultando em Halloween 3 – A Noite das Bruxas (1982), o ponto fora da curva na franquia e hoje objeto de culto por parte dos fãs. Imagine um filme de Sexta-Feira 13 sem Jason (isso é, sem contar o primeiro e o quinto) ou A Hora do Pesadelo sem Freddy Krueger. Foi exatamente o que ganhamos em Halloween 3, que inclusive deixava suas raízes slasher de lado para se tornar um terror fantástico, sobre uma companhia demoníaca com planos macabros envolvendo tecnologia e magia negra. Ninguém comprou a ideia na época, o filme amargou fracasso e levaria seis anos até a Halloween voltar a ser o que era com os retornos de Myers e Doutor Loomis em Halloween 4 (1988). Podia ser pior. Pelo menos não foi O Halloween do Hubie.
Grindhouse
Em 2007 dois grandes nomes do cinema decidiram homenagear os anos 1970 em grande estilo. Quentin Tarantino e Robert Rodriguez são amigos de longa data – começaram na mesma época e explodiram com suas famas chutando a porta logo de cara. A colaboração entre os dois no cinema também foi instantânea, com Tarantino fazendo ponta em A Balada do Pistoleiro (1995), os dois dirigindo segmentos da coletânea Grande Hotel (1995) e Rodriguez dirigindo um roteiro de terror do colega em Um Drink no Inferno (1996). Ou seja, química fora e dentro das telas.
Durante uma noite de muito cinema e entorpecentes na casa de Quentin – o diretor costuma convidar os amigos para sessões em seu cinema particular – a dupla decidiu concretizar um projeto surgido em tal ocasião. A conversa que deu forma a tudo era sobre os grindhouse, cinemas pequenos que exibiam sessões duplas de produções B do cinema, geralmente de temas de exploitation, como filmes de artes marciais ou terror. No meio destas sessões duplas da década de 1970, o público era “presenteado” com trailers das próximas atrações. Assim nascia o próprio Gridnhouse de Tarantino e Rodriguez.
O que ficou combinado entre eles era que cada um iria dirigir um média metragem, de algo em torno de 1 hora de projeção, e no meio dividindo os filmes seriam inseridos trailers falsos de produções que nunca viriam, dirigidas por colegas. Desta forma, Rodriguez criou sua história de zumbis com Planeta Terror, Tarantino entregou a sua sobre um maníaco que usava seu carrão potente como arma para matar jovens incautas intitulada À Prova de Morte, e no meio gente como Rob Zombie, Eli Roth e Edgar Wright se divertiam com seus trailers falsos. Mas Grindhouse não fez o barulho planejado pela dupla e os fãs não entraram na brincadeira. O mau desempenho do projeto fez inclusive com que os médias de Rodriguez e Tarantino fossem separados e vendidos como longas próprios (adicionando cenas que haviam ficado de fora para completar o tempo de duração que precisavam) em mercados fora dos EUA, como no Brasil onde Planeta Terror e À Prova de Morte são, cada um, filmes únicos. Nestes casos a ideia acabou de perdendo, se transformando em outra proposta.
Caso tivesse vingado, Grindhouse certamente encorajaria a dupla a realizar novas brincadeiras neste formado, e os fãs sairiam ganhando. Uma curiosidade é que dois trailers “falsos” de fato se tornaram filmes, mostrando o forte apelo que tiveram. O primeiro foi Machete, dirigido pelo próprio Rodriguez, que fez mais sucesso do que Grindhouse em si e gerou dois filmes – lançados em 2010 e 2013. O outro foi Hobo With a Shotgun, cujo trailer falso em Grindhouse foi exibido somente no Canadá, se tornando um longa em 2011 protagonizado pelo saudoso Rutger Hauer. Infelizmente, Wright, Zombie e Roth não se animaram, até hoje, a transformar suas zoações em filmes completos.