Halloween Ends está atualmente em cartaz nos cinemas brasileiros e pelo mundo. O mais recente exemplar da franquia do maníaco de máscara branca Michael Myers marca o final da nova trilogia que, traz de volta Jamie Lee Curtis (a musa da série) como a protagonista Laurie Strode, e já arrecadou mundialmente mais de US$85 milhões num orçamento de US$20 milhões.
No entanto, como muitos fãs devem saber, Halloween Kills não é a primeira sequência direta da franquia, ou sequer a primeira continuação direta a marcar o retorno da veterana Jamie Lee Curtis. Ao voltarmos quatro décadas no passado, para 1981, nos depararemos com Halloween II – O Pesadelo Continua, a “primeiraça” continuação que essa série de filmes recebeu, dando sequência ao clássico atemporal e verdadeira obra-prima da sétima arte, Halloween – A Noite do Terror (1978). O filme, assim como o original, fazem parte do atual acervo da Netflix e são pedidas certas para esse dia das bruxas.
É interessante perceber que mesmo os críticos mais céticos e contrários ao que definimos hoje como o subgênero dos slasher, guardavam com afeto e elogios múltiplos o longa do mestre John Carpenter. Um exemplo disso são os famosos críticos norte-americanos Roger Ebert e Gene Siskel, “pais” do formato dos críticos em vídeo (ainda na década de 1970), a dupla repelia toda produção de terror considerada de mau gosto; com Halloween (1978) o exato oposto aconteceu, com ambos tecendo elogios para suas inúmeras qualidades artísticas, como contraste de luz e sombras, uma crescente atmosfera de suspense, onde nossa imaginação era desafiada a completar a lacuna do que víamos em tela, sem respostas fáceis.
A história do raio não cair no mesmo lugar duas vezes é quase certa em se tratando de obras e artistas, afinal um trabalho jamais sairá exatamente igual ao outro. E quando criou Halloween (1978) ao lado da parceria Debra Hill, o cineasta John Carpenter conseguiu capturar um relâmpago na garrafa; um filme de história simples, mas tão artesanalmente perfeita que se tornou irresistível não apenas para os aficionados pelo terror. Ao lado das críticas bem elogiosas chegava também o prêmio de se tornar a produção independente mais rentável àquela altura, título que manteve por doze anos. Mas toda conquista e boa ação gera uma consequência.
Halloween (1978) fez tanto sucesso que gerou uma penca de imitadores, com todo produtor “oportunista” de Hollywood desejando uma parcela de tal lucro. Um dos primeiros a entrar neste filão foi Sean S. Cunnighan que, endividado e precisando sustentar a família, liberou seu lado mais marketeiro e vendeu a ideia para Sexta-Feira 13 (1980) para a Paramount – que nada mais era do que uma produção criada nos moldes de Halloween, visando unicamente o lucro financeiro. Deu muito certo e arrecadou ainda mais bilheteria. Com agora dois acertos colossais, começou-se a “corrida do ouro” dos filmes slasher, com todo estúdio de Hollywood se mexendo para tirar da cartola filmes semelhantes – assim dando início a uma verdadeira enxurrada nos cinemas. Isso sem falar nas sequências dos filmes que haviam dado muito certo.
Logo no ano seguinte, em 1981, Sexta-Feira: Parte 2 era programado para a estreia. Assim, o produtor sírio Moustapha Akkad não desejava se manter fora desse jogo, afinal foi o seu produto que começou tudo. Mesmo não sendo uma atitude “artística”, num aspecto financeiro era a decisão certa a se ter. Então o produtor foi diretamente falar com “o homem” para que a continuação de Halloween tomasse forma. John Carpenter, por outro lado, já havia contado essa história e para ele, o longa tinha começo, meio e fim, sem qualquer vontade de sua parte a retornar a tal universo. Um tempinho depois, aconselhado por amigos e gente de confiança, Carpenter foi convencido a permanecer por perto da franquia e tirar dela uma boa grana. Assim, o cineasta aceitou as funções de roteirista e produtor, mas deixava a direção de lado (lançava nos cinemas no mesmo ano, a ficção científica de ação Fuga de Nova York – cult instantâneo).
Novamente ao lado de Debra Hill, Carpenter precisava tirar uma segunda parte da cartola, mesmo à contragosto. Pensando no polpudo cheque que receberia, o diretor sentou em sua máquina de escrever e abastecido com uma quantidade respeitável de sua marca de cerveja preferida, deu asas à sua imaginação. Desta “viagem” embriagada nascia a trama de Halloween II (1981), contada na mesma noite, de forma mais que direta e servindo de “complemento” para o original – como se fossem um longo único filme de 3 horas de duração. Como vemos no primeiro Halloween, Michael Myers é baleado pelo Dr. Loomis ao tentar matar Laurie Strode, mas basta uma segunda olhada para notarmos que o psicopata se levantou do gramado e não pode mais ser visto. A questão brilhante do original é: onde estará ele? Com os últimos takes sendo todos os lugares por onde andou no filme, dentro e fora das casas do subúrbio da fictícia Haddonfield, em Chicago, a sensação era a que de ele poderia estar em qualquer lugar, inclusive perto de nós, que assistíamos a tudo. Toque de gênio. Revertendo essa ótima jogada, o segundo filme realmente respondia e nos mostrava onde Michael andava.
Bem, e ele continuava sua onda de matança pelos arredores da vizinhança. Entrando e saindo de casas de moradores idosos e jovens do bairro, no caminho matando toda e qualquer pessoa que via pela frente. Um dos principais atrativos do primeiro Halloween é realmente o suspense, a sensação do inesperado, a imprevisibilidade de ser ter um louco fugido de um hospital psiquiátrico rondando e espreitando na vizinhança – com a maioria alheio a ele. O fato de ter invadido uma loja e roubado uma máscara, a qual usa em seu rosto no dia das bruxas, demonstra ainda mais que ele não está “puro” e pode ser perigoso. Carpenter constrói o suspense com Michael sendo muito mais um “stalker”, alguém que persegue; é só mais para o desfecho que ele realmente começa a matar os jovens e atacar a protagonista. Em Halloween II, já começamos o filme sabendo do que ele é capaz, e isso faz desaparecer o elemento da surpresa. Foi nisso que Carpenter apostou.
De começo, a ideia do diretor Rick Rosenthal – escalado para substituir Carpenter na cadeira de comando – era seguir à risca o que o filme original havia apresentado, ou seja, apostar bem mais no clima intimista, na construção minuciosa do suspense e na imprevisibilidade de onde a história poderia caminhar. Contrariando o que havia confeccionado no anterior, Carpenter acreditava que as surpresas já haviam sido declaradas e que agora cabia apenas partir para a ação, elevando tudo a outro nível narrativo. Além, é claro, de saber que o público apreciava cada vez mais filmes movimentados e que enfrentavam a concorrência de outras produções criadas nestes moldes. Assim, os problemas na produção se iniciavam, com a colisão de produtor/ roteirista e diretor. Ironicamente, ao deixar vaga a cadeira de direção, a intenção de Carpenter era dar oportunidade a novos diretores e suas visões para a história. E esse era o debute de Rick Rosenthal no cargo.
Com mais mortes e sustos (muitos dos quais Carpenter reescreveu para dar mais energia à sequência), Halloween II também contava com mais cenas de ação e até mesmo uma explosão – como na cena em que um infeliz usando uma máscara igual a de Michael Myers, é confundido com o psicopata, atropelado pela polícia e esmagado entre uma van, ao que o carro explode e incinera o rapaz. O jovem em questão era Ben Trammer, paixão platônica da protagonista Laurie mencionado por ela no filme original. Sua aparição e subsequente morte no segundo serve para, além de levantar suspeita sobre o destino de Michael (adicionando um pouco daquela imprevisibilidade que faltava), criar um elo ainda mais forte com o antecessor (ao apresentar em tela personagens apenas mencionados previamente) e enfatizar a descida em espiral de Laurie em seu inferno pessoal, tendo retirado dela até mesmo um possível amor.
Halloween II – O Pesadelo Continua (1981) é muito lembrado pelos fãs como o “filme do hospital” da franquia. Inicialmente planejado para ter como cenário um grande prédio de apartamentos, ficou decidido finalmente que a maior parte da trama se passaria dentro do Haddonfield Memorial Hospital (tão fictício quanto a cidade em si – tendo a maioria de suas cenas sido gravadas no muito real Morningside Hospital, em Los Angeles), onde Laurie foi levada para tratar de seus ferimentos adquiridos no desfecho do primeiro Halloween. Para a continuação, é claro, grande parte dos atores originais retornaram, alguns como Nancy Loomis, que interpretou a melhor amiga Annie, apenas para atuarem como mortos, sendo levada por uma maca. Os retornos mais esperados, no entanto, eram os de Jamie Lee Curtis e Donald Pleasence – o incansável Dr. Loomis.
A introdução de Halloween II, que ainda utiliza novos ângulos e cenas para reproduzir os eventos do original, recapitulando para o público (afinal haviam se passado três anos entre os longas), ocorre nas cercanias dos quarteirões residenciais dos subúrbios da pacata cidade. Grande parte da narrativa, como mencionado, se concentra no hospital, onde Michael segue Laurie e encontrará todo um novo lote de vítimas – em sua maioria funcionários do local, entre médicos, enfermeiras, motoristas de ambulância e seguranças. O que muitos observam e criticam é o fato de, apesar de ser o plantão noturno, o hospital se encontrar demasiadamente vazio – a não ser pela chegada de Laurie e de um menino que comeu doces demais e encontreu uma lâmina de barbear dentro de um deles, prendendo o objeto cortante na língua (uma famosa lenda urbana americana).
No fim das contas, Halloween II (1981) é mais lembrado por introduzir na mitologia da série o fato de Laurie e Michael serem irmãos, solução encontrada por Carpenter em seu roteiro para justificar a obsessão do assassino pela protagonista. Afinal, ao ser levada para o hospital, enquanto o maníaco foge da polícia, suas histórias se separariam aí. Essa linha narrativa foi mantida em todas as sequências, inclusive nos remakes de Rob Zombie, sendo eliminada somente nos recentes filmes da Blumhouse – que usam como cânone apenas o original. Halloween II, embora não tão bem sucedido financeiramente ou de críticas quanto o original, é uma das continuações mais queridas da franquia. Com um orçamento de US$2.5 milhões, rendeu o retorno de US$25.5 milhões. E no que diz respeito a John Carpenter, este foi o fim da história de Michael Myers, Laurie Strode e do Doutor Loomis. Ou seja, o fim de uma era. Isto é, até retornar como produtor executivo e compositor da trilha da nova trilogia da Blumhouse – seu único envolvimento desde então com o “bicho papão” que criou.