Série foi impactante mas teve timing complicado durante período que foi ao ar
A década de 2010, como um todo, é bastante especial para o canal a cabo HBO. Foi o período em que a emissora revisitou o mundo da máfia com Boardwalk Empire, trazendo não só um elenco grandioso liderado por Steve Buscemi mas sendo capaz de recrutar Martin Scorsese como um de seus idealizadores; mais do que isso tendo seu episódio piloto historicamente sendo dirigido pelo cineasta.
É nesse espaço de tempo que a HBO lançou seu mais famoso produto de toda a história: Game of Thrones. A guerra de poder entre as grandes casas de Westeros apresentou um casamento perfeito de roteiro bem estruturado, atuações inesquecíveis e apresentação técnica impecável. Não dificilmente, é consenso entre os fãs que o auge da série se deu durante suas quatro primeiras temporadas.
No entanto, foi durante o reinado incontestável de Game of Thrones que outra produção original da emissora foi lançada; sua ambição era muito menor que sua vitoriosa irmã e seu enredo seguia um caminho muito diferente das tramas políticas de Westeros. The Leftovers é baseado no romance de mesmo nome escrito por Tom Perrotta, que também serviu como produtor e consultor.
Sua trama segue o questionamento de como a humanidade reagiria se um terço da população mundial desaparecesse instantaneamente. Até que ponto as pessoas seriam afetadas emocionalmente, se buscariam respostas nas religiões, se ficariam próximas umas das outras, como os governos reagiriam a isso. O sentimento que fica claro de imediato no piloto é o de “cegueira”, como se a humanidade estivesse tateando no escuro mesmo após cinco anos do acontecido.
O espectador acompanha a trama pelos olhos do chefe de polícia Kevin Garvey (Justin Theroux), que também foi afetado profundamente a nível pessoal pelo acontecido, enquanto ele tenta conduzir sua vida diária com o máximo de naturalidade possível na devida situação. Ainda na véspera do lançamento da primeira temporada, em 2014, o produtor Damon Lindelof era constantemente questionado sobre como ele iria conduzir o mistério da trama.
O questionamento era válido, pois ele, junto com J.J. Abrams, foram os responsáveis pela série Lost; esta que reinou como sucesso de audiência e avaliações por muitos anos, mas que em seus momentos finais entregou aquele que é considerado uma das piores conclusões já propostas para um programa de TV. Após mais de dez anos do polêmico final a culpa é geralmente posta na conta do excesso de mistérios que sustentaram a trama ao longo das temporadas.
O que foi entregue, na primeira temporada, foi uma condução bem sólida da história. Havia o fator de mistério naturalmente advindo do desaparecimento de parte da população porém The Leftovers não se apoia completamente nisso, utilizando esse elemento apenas como construção de mundo. É nos personagens, suas relações e em suas mencionadas reações ao acontecido que o enredo avança. Sendo a única temporada que contou com um material base, bem como a presença do autor, não ocorrem brechas para invenções profundas.
Em 2014, durante o Critics Choice Television Awards, a série venceu na categoria de novas séries mais excitantes. Com o reconhecimento veio a confirmação de uma nova temporada, agora precisando ser um enredo completamente original. Em seu segundo ano, a série mudou o cenário para uma nova localidade onde, supostamente, não ocorreram desaparecimentos e isso a tornou um local de peregrinação.
Ainda que o elenco tenha permanecido inalterado, além de contar com adições como da atriz Regina King, o foco passou a ser muito mais a construção de mundo além dos limites da pequena cidade da primeira temporada. A expansão do mistério acerca do possível arrebatamento também é perceptível, com novas revelações sobre a aleatoriedade do evento surgindo.
Então é lançada a terceira temporada com a promessa de ser o final (uma evidente tentativa de Lindelof em evitar que a trama e as perguntas se estiquem por um longo tempo como ocorreu com Lost) e o que é entregue ao espectador é, de fato, um final; ainda que interpretativo. De um certo ponto de vista ele conclui a história pessoal do protagonista Kevin, que passa por situações literalmente diversas na terceira temporada, mas quanto ao desaparecimento da população jamais é dada uma explicação.
Novamente tentando evitar o caminho percorrido pela antiga série da ilha, The Leftovers não se esforça para entregar uma explicação encaixada à força no que havia sido apresentado até então. Ao invés disso o seriado evita a pergunta “do que?” para dissecar outra menos considerada que é “para onde?”. Dessa maneira, o máximo de explicação que o espectador recebe é sobre um possível destino dos desaparecidos, mesmo que sendo uma resposta muito mais interpretativa de um dos personagens.
Após seu fim em 2017, The Leftovers ainda se mantém interessante e engajadora na forma como conduz o drama. Seu timing realmente foi sua maior fraqueza, uma vez que os três anos da série tiveram que competir com Game of Thrones em uma disputa, na época, injusta para qualquer seriado. Ainda assim, a jornada de Kevin e companhia para se adaptarem a uma nova realidade e aos poucos se concertarem internamente ainda tem força.