Por anos, a introdução do Homem-Aranha no Universo Cinematográfico Marvel foi um grande sonho dos fãs de super-heróis. A possibilidade parecia mínima, já que os direitos sobre o personagem foram vendidos pela Marvel para a Sony durante a grave crise financeira nos anos 90. Por conta disso, o mundo pôde se apaixonar pela trilogia de Sam Raimi, estrelada por Tobey Maguire, e se divertir com os filmes polêmicos estrelados por Andrew Garfield, que passaram por um revisionismo recente e voltou a ter uma quantidade considerável de fãs defendendo os longas por aí. Inclusive, o sonho do Aranha no MCU quase aconteceu com o próprio Garfield, já que Kevin Feige abriu conversas com a Sony para tentar uma parceria e ofereceram a ele a integração de O Espetacular Homem-Aranha (2012 e 2014) com os heróis mais poderosos da Terra. Isso acabou não acontecendo por conta das péssimas críticas que A Ameaça de Electro (2014) recebeu, fazendo com que esse universo fosse encerrado.
Então, em 2015, em meio aos vazamentos de e-mails da Sony, que gerou uma crise interna muito grande, o acordo com a Marvel pelo Homem-Aranha acabou acontecendo com a condição de um novo ator assumir o manto aracnídeo. Asa Butterfield (Sex Education) estava praticamente confirmado no papel e chegou até a responder perguntas sobre isso no Reddit. No entanto, a Marvel não havia confirmado a informação oficialmente, e a atitude de Asa caiu mal com a empresa, que desistiu do garoto e optou pelo quase desconhecido Tom Holland.
A ideia da Marvel era ter um ator jovem, que pudesse acompanhar a fase adolescente de Peter Parker e crescesse junto com o público. Assim, Tom surgiu como a escolha perfeita e acabou roubando completamente a cena em Capitão América: Guerra Civil (2016). Com seu jeito de menino e um deslumbramento genuíno de estar estreando em meio aos seus heróis, o garoto conquistou o coração do público e a ansiedade pelo filme solo, que seria lançado no ano seguinte, foi a mil. O único problema era o traje do herói. Mesmo visualmente fiel aos quadrinhos, ele era praticamente todo feito com um CGI apressado e mal acabado, que deixava o Cabeça de Teia parecendo um bonecão animado.
Prometendo uma abordagem ao estilo John Hughes, ícone do cinema adolescente dos anos 80, o primeiro trailer foi muito bem recebido. E vinha também a expectativa para que o traje do filme tivesse uma computação melhor.
Conforme surgiam imagens de bastidores, o fato de ter um uniforme de verdade já foi uma grande vitória. Para melhorar, confirmaram o lendário Michael Keaton (que vive uma fase espetacular na carreira desde 2014) para dar vida ao vilão Abutre, o que teoricamente indicaria uma aventura mais “caseira”, com o herói combatendo um vilão urbano, ao melhor jeitão de Amigo da Vizinhança. Parecida tudo perfeito, porém… No meio do caminho tinha um Jon Watts.
O diretor não tinha lá tanto prestígio ou relevância em Hollywood para bancar suas ideias e visões para o longa, então o resultado acabou sendo um dos filmes mais sem personalidade de todo o MCU. A promessa de uma temática oitentista adolescente virou um ‘copia e cola’ de algumas situações dos filmes da época, mas sem conseguir transmitir aquele clima legal desse tipo de filme. Ao mesmo tempo, percebe-se nítidas interferências do estúdio para encaixar o personagem no universo compartilhado, o que limitou bastante o crescimento próprio do protagonista, que terminou sendo submisso ao seu mentor no MCU, o Homem de Ferro (Robert Downey Jr.).
A ideia de dar um herói já estabelecido nesse universo para servir como mentor ao herói iniciante nem era tão ruim assim. Na verdade, dado o contexto do MCU, fazia muito sentido.
Só que faltou tato da equipe criativa para distinguir mentoria de submissão. E isso fica nítido pelos próprios enquadramentos da dupla. Em todas as cenas que o Homem de Ferro e o Homem-Aranha estão juntos, a câmera enquadra o bilionário de modo que ele apareça sempre acima do Cabeça de Teia, monstrando superioridade sobre o novato. E até mesmo nos momentos em que Peter tenta buscar seu caminho solo, a direção dá um jeito de inserir uma menção a Tony Stark. Para complicar ainda mais, essa chegada de Stark afasta o garoto da trama urbana, desligando ele desses momentos e relembrando o garoto de que existem ameaças maiores do que os trombadinhas de Nova York.
E sabe o que é pior? Os momentos de adolescência e aqueles que traziam mais essa pegada urbana funcionaram bem demais. A interação entre Peter e o Abutre é perfeita, sem contar a sequência em que o vilão descobre a identidade secreta do herói, que é muito bem construída com uma tensão maravilhosa, fazendo dela um dos melhores momentos do MCU. O filme poderia e deveria ter seguido por esse caminho em vez de optar por momentos grandiosamente vazios apenas para tentar estreitar uma relação com Stark e o resto do universo.
Tem aquele ditado batido de que “menos é mais”, mas é verdade. Com as interferências do estúdio e a falta de peso de Jon Watts para bancar ou brecar certas escolhas, Homem-Aranha: De Volta ao Lar tenta tanto ser tão grandiosamente espetacular que acaba indo justamente no caminho inverso e criando um filme que, apesar de passar longe de ser ruim, é tão carente de conteúdo quanto é de CGI. É genérico, “sem sal”.
No final, eles até tentam trazer uma “volta às origens”, com o Peter usando o uniforme improvisado, mas é apenas outra embalagem espalhafatosa para um presente vazio.
Enfim, o filme tem bons atores, grandes atuações, mas carece tanto no roteiro quanto na direção, que seguem um caminho tão genérico que irrita. O lado bom é que com o avanço da franquia, o Homem-Aranha de Tom Holland conseguiu crescer e conquistar os fãs com filmes que entenderam melhor o personagem e agora, ao que tudo indica, trará mais consistência a ele, que deve estrelar mais uma trilogia nesta década.
Homem-Aranha: De Volta ao Lar está disponível no Disney+.