Um dos filmes mais aguardados para este fim de 2021é definitivamente Homem-Aranha: Sem Volta para Casa, superprodução da Marvel que marca o terceiro filme solo do herói escalador de paredes, protagonizado pelo ator Tom Holland. Enquanto o filme não estreia estremecendo as coisas na semana que vem, resolvemos dar uma olhada mais aprofundada no passado do personagem de trajes vermelhos e azuis, que é o símbolo da editora Marvel – comparável ao Mickey para a Disney.
E não, não estou me referindo ao filme de 2002, dirigido por Sam Raimi e estrelado por Tobey Maguire – ou suas duas continuações. E nem sequer falando sobre os filmes estrelados por Andrew Garfield em 2012 e 2014. Aqui a nostalgia é bem mais profunda. O que muitos fãs do personagem podem não saber é que o herói Homem-Aranha ganhou sua primeira versão de carne e osso não nos cinemas, mas sim na TV, em um seriado datando da década de 1970 – mas não confundir com a série japonesa lançada em 1978, no estilo de heróis como Changeman (1985) e Jaspion (1985).
The Amazing Spider-Man (no título original) é uma produção cem por cento americana, e estreava no dia 14 de setembro de 1977 no canal CBS. Como era de costume em muitos programas televisivos da época, o episódio piloto possuía a duração de um longa-metragem, exibido como um filme para a TV. E este foi o caso também com Homem-Aranha (título que o programa recebia no Brasil). Tal episódio piloto fez tanto sucesso em sua exibição nos EUA, que ganhou direito de distribuição nas telas de cinema em alguns países pelo mundo, como a Europa (França, Alemanha, Espanha) e o México.
No papel do protagonista Peter Parker, o ator Nicholas Hammond foi contratado após os produtores o assistirem numa peça. Hammond é conhecido pelo papel do jovem Friedrich no musical clássico A Noviça Rebelde (1965). O ator aceitou o papel, mas decidiu interpretá-lo de uma forma séria e um pouco mais dramática. Sua opção era se distanciar de “uma série de quadrinhos”, indo totalmente contra interpretações como a que Adam West havia criado para o Batman, na série da década de 1960. Como Hammond já havia passado dos 25 anos de idade durante as gravações do programa, embora ainda exibisse a aparência jovial, a opção narrativa foi colocar Peter Parker já na faculdade, como alguns quadrinhos, ao invés de ser um colegial.
Outros personagens bastante conhecidos do universo do herói marcavam presença nesta adaptação. O curioso é que alguns deles mudaram de intérprete na transição do piloto (telefilme) para os episódios regulares, e outros chegaram inclusive a ser eliminados da narrativa. A figura materna do protagonista, a incansável tia May, ganhou as formas da atriz Jeff Donnell, mas apareceu somente no piloto e depois foi “esquecida” da série. Outro eliminado nesta transição foi o repórter Robbie Robertson, colega do protagonista no Clarim Diário, interpretado nos filmes de Raimi pelo saudoso Bill Nunn. No episódio piloto vivido por Hilly Hicks, o personagem desaparece quando o programa tem início de fato, sendo substituído por outra personagem negra, Rita Conway (papel de Chip Fields), uma personagem original criada para o programa, que muitos acreditam ter sido baseada na secretária Betty Brant. Já o editor do jornal, o linha dura J.J. Jameson, ganhava as formas de David White no piloto, sendo substituído na série por Robert F. Simon.
A origem do personagem é mantida bem fiel, com a infame picada de uma aranha radioativa. Os vilões clássicos de sua galeria, bem, isso é outra história. Não espere ver nenhum dos antagonistas mais memoráveis aqui, como o Dr. Octopus, o Duende Verde ou o Abutre. Nesta série, o Homem-Aranha combate empresários inescrupulosos, corruptos, capangas e mafiosos. Todos vilões genéricos. Mas em um quesito o programa realmente se sobressai, nas cenas de ação envolvendo as habilidades do herói aracnídeo. Como se tratava dos anos 70, até tínhamos efeitos visuais, todos bem mambembes replicando o “estilo Chaves”, com telas verde muito perceptíveis. Porém, o verdadeiro destaque fica com as façanhas realizadas por dublês reais, que escalavam prédios na cara e na coragem, ficavam pendurados em helicópteros e se balançavam de um arranha-céu para o outro. Tudo feito na marra, sem qualquer trucagem. Isso que é realismo. Em um episódio, o herói (ou seu dublê) realmente escala o Empire State Building, um dos prédios mais altos da cidade de Nova York.
Apesar destas façanhas espetaculares por parte da equipe de dublês, que ainda incluem câmeras instaladas em capacetes para uma percepção de primeira pessoa em momentos que o personagem caminha nas beiradas de altos prédios – criando um angustiante efeito de vertigem -, outros elementos de composição para o personagem não são lembrados com bons olhos pelos fãs. Em especial uma espécie de “cinto de utilidades” para o herói, e a forma como as teias são disparadas de seus lançadores nos punhos. Aliás, claramente as teias são cordas, sem que os realizadores tenham conseguido sequer disfarçar o tipo de material usado. Seja como for, o programa fez sucesso e durou duas temporadas até 1979 – com alguns de seus episódios duplos sendo transformados em filmes com exibições nos cinemas internacionalmente. Um dos mais marcantes é o episódio duplo final em que o herói viaja até o Japão. E você achando que Homem-Aranha: Longe de Casa (2019) havia sido o primeiro filme a tirar o herói dos EUA.
Um dos episódios mais interessantes na opinião dos fãs é The Deadly Dust, em que estudantes usam plutônio para construir uma bomba. O episódio é um dos que foi exibido de forma dupla em duas partes – e em certos países foi transformado em um filme de cinema. O verdadeiro atrativo desta história é a presença da atriz JoAnna Cameron, infelizmente falecida em outubro deste ano aos 73 anos. No episódio duplo, a atriz interpreta Gale Hoffman, uma repórter de Miami enviada para fazer parceria com Peter Parker na investigação sobre o caso e sobre o Homem-Aranha. Cameron, que era uma atriz belíssima, ficou famosa ao interpretar outra personagem numa adaptação em live-action de super-heróis para a TV. Mas esta, da rival DC Comics. JoAnna Cameron foi a estrela do seriado A Poderosa Isis (1975), onde vivia uma arqueóloga que em posse de um amuleto recebia poderes de uma Deusa. A heroína faz parte da mitologia do herói Shazam! e antes de ganhar seu próprio programa, aparecia no seriado de tal herói também da década de 1970. Seria legal vê-la nas telonas nos filmes atuais de tal universo. O fato de Cameron estar na série do Homem-Aranha fez os fãs tratarem o episódio como um crossover não oficial entre o escalador de paredes e a Deusa Isis.
A dinâmica entre os dois foi tão boa, que na segunda temporada os produtores resolveram repetir a química. Mas ao invés de trazerem JoAnna Cameron de volta, uma nova personagem foi adicionada na série, igualmente uma repórter. Trata-se de Julie Masters, personagem feminina criada para ser o interesse amoroso do protagonista – tomando assim o lugar de figuras dos quadrinhos como Mary Jane e Gwen Stacy. A personagem foi vivida pela atriz Ellen Bry em 8 episódios.
Mas não foi apenas “Isis” que realizou um crossover com o Homem-Aranha na série. Bem, ela de fato não o fez, e um que chegou muito perto de acontecer também não saiu do papel. Acontece que na época ia ao ar no mesmo canal a série do Incrível Hulk, outro produto muito famoso da Marvel. A série icônica com o grandalhão Lou Ferrigno no papel do monstro verde, e Bill Bixby como o cientista que é sua versão humana, estreava no mesmo ano de 1977 e fazia igual sucesso com o público. Bixby logo se tornou amigo de Nicholas Hammond e os dois começaram a planejar o encontra nas telinhas entre os dois grandes personagens da Marvel. Infelizmente o projeto nunca saiu do papel – muitos afirmam que o motivo para isso foi a barreira criada pela Universal Pictures, dona dos direitos do Hulk, por motivo de um acordo financeiro. Seja como for, nesse encontro, o Homem-Aranha exibiria seu famoso uniforme negro.
Alguns fatores foram decisivos para o cancelamento da série após apenas duas temporadas, apesar de seu sucesso com os fãs e inclusive alcance internacional. Um deles foi o próprio criador do personagem. Acredite se quiser, mas o saudoso Stan Lee, o homem mais entusiasmado do mundo, que falava bem de todas as produções da casa – até as que se mostraram “mais ou menos” – não gostou nada do programa. Lee veio a público repudiar o tom “juvenil” do seriado, o que no fim das contas acabou sendo uma propaganda negativa para os fãs de quadrinhos. O segundo foi o próprio estúdio de TV. A rede CBS trocava constantemente o horário de exibição da série, visando coloca-la depois de um programa de sucesso da casa para que seguisse no rastro dele. O problema é que com a falta de propaganda anunciando a série, ninguém ficava sabendo da mudança e que o programa seria exibido naquela data e horário. Por fim, o canal terminou optando por cancelar o seriado, em especial por não querer ficar conhecido como o canal dos “heróis”, já que na mesma época exibia também em sua rede o citado Incrível Hulk, Shazam!, A Poderosa Isis e Mulher-Maravilha, além de filmes para a TV do Capitão América e Doutor Estranho.
O pedido que todo fã saudosista (e os que tem interesse por verdadeiros clássicos) faz é para que esta série seja adicionada ao catálogo de algum serviço de streaming – de preferência que todos os produtos da Marvel fiquem num único endereço.