Tem sido cada vez mais comum encontrar séries em que um determinado ator é protagonista, roteirista e produtor da história – como é o caso de Girls, com Lena Dunham; Master of None, com Aziz Ansari; Atlanta, com Donald Glover; e Please Like Me, com Josh Thomas. Além de contarem com um artista como “faz tudo”, essas produções têm em comum o fato de unirem drama e comédia para criar situações que geram grande identificação com o público, cada uma a seu modo – umas com uma pegada mais política/problematizadora, e outras com plots mais descompromissados, mas sempre funcionando como um espelho da vida como ela é.
Insecure, da HBO, também segue esse estilo. Trazendo a ótima Issa Rae como criadora, roteirista e protagonista, a história já está em sua terceira temporada sem perder a qualidade dos primeiros episódios. Seu único defeito é não ser tão conhecida pelo público – porque, com o roteiro que tem, merecia mesmo estar entre as dramédias mais comentadas.
Considerada por muitos como uma versão negra e mais madura de Girls, outra produção da casa, Insecure é aquele tipo de série que você termina de assistir se perguntando por que não fez isso antes. Bem escrita, ela toca em temas atuais – como empoderamento feminino e racismo, por exemplo – ao mesmo tempo que conta com ótimas sacadas para arrancar risadas, tudo do jeito que uma dramédia deve ser. É, a HBO acertou ao ver o potencial do programa… Muitos não sabem, mas Insecure começou como uma websérie de Issa Rae, postada no youtube com baixo orçamento e intitulada inicialmente de Ankward Black Girl; até que o canal se interessou pela premissa e negociou com a atriz para transformá-la no que é hoje. Sorte a nossa.
Série acerta com duas temporadas de qualidade
A crise no longo relacionamento de Issa (sim, a personagem tem, propositalmente, o mesmo nome da atriz) e Lawrence é o foco da primeira temporada da série – e, de cara, esse plot gera identificação com quem já passou ou está passando por tempos difíceis no namoro. Desgaste, falta de admiração e vontade de conhecer novas pessoas são os principais problemas que assombram a protagonista de 29 anos, ao mesmo tempo que ela tem medo de deixar tudo para trás por estar há muito tempo com o namorado Lawrence (Jay Ellis) e por reconhecer que, apesar do jeito descompromissado com que leva a vida, ele é atencioso e tenta fazer o possível para vê-la feliz. No entanto, a dúvida fica ainda maior quando reencontra um velho amor do passado, Daniel (Y’lan Noel), que também parece estar interessado em uma reaproximação.
Para lidar com esses e outros dilemas – como as confusões no seu trabalho de assistente social, onde é a única negra -, Issa tem o apoio da melhor amiga Molly (Yvonne Orji), uma advogada bem-sucedida que não tem tanta sorte assim no amor. Molly tenta encontrar sua alma gêmea em aplicativos; mas, diferentemente de Issa, que preserva um relacionamento de anos, tudo que ela consegue são os esquecíveis “amores líquidos”. Mais atual impossível!
Já na segunda temporada, que é ainda melhor que a primeira, entramos mais a fundo em tudo o que se desencadeou a partir desses problemas da season 1. Aqui, os personagens se desenvolvem ainda melhor e a parte dramática acaba ganhando mais destaque – mas as boas sacadas de humor que conquistam desde o início não ficam de lado. Não dá para ir muito a fundo para não entregar demais; porém, vale dizer que o episódio da season finale é um dos melhores – se não o melhor – da série. Do tipo que você assiste e reassiste para conseguir absorver todas as emoções que vêm junto com ele.
Mulheres negras empoderadas, independentes e que erram – por que não?
Por mais que o foco de Insecure seja o cotidiano da vida adulta e seus relacionamentos, ela também toca em questões relevantes – assim como acontece com Atlanta, de Donald Glover. Só pelo elenco majoritariamente negro já é um exemplo de representatividade na televisão; mas, além disso, também traz plots para abordar racismo, lugar de fala e feminismo – e tudo sem limitar personagens negros a questões de problematização e sem forçar militância, do jeito que deve ser.
Issa e Molly são as principais responsáveis por tudo isso. Negras empoderadas, independentes e livres sexualmente, elas são o retrato da mulher moderna e bem resolvida – que, apesar de um problema aqui ou outro ali, se aceita como é, trabalha para ir atrás do que quer e não reprime seus desejos por medo do que a sociedade vai pensar. O roteiro bem escrito também ganha pontos ao torná-las realistas, bem longe do maniqueísmo de produções clichês, já que erram e acertam como qualquer pessoa na vida real.
(SPOILER!!) Para você ter uma ideia de como as personagens da série são humanas e passíveis de erro: na primeira temporada, no auge do desgaste de seu relacionamento, Issa acaba traindo Lawrence com Daniel. Arrependida e certa de que no fundo ainda tem sentimentos pelo namorado, ela tenta colocar uma pedra no ocorrido para não estragar a história dos dois. Mas, como era esperado, o rapaz acaba descobrindo a traição e o término que já se anunciava há tempos acontece no final da temporada.
Assim, sem colocar panos quentes ou demonizar a ação da protagonista, a série deixa o público livre para fazer seu próprio julgamento. O que faz é colocar as questões em jogo para que cada um tire suas próprias conclusões: de um lado, está a vontade de uma mulher reviver um amor mal resolvido no meio de um namoro que está caminhando para o fim; de outro, a quebra da fidelidade, uma das promessas mais importantes em um relacionamento monogâmico. Mas precisa ter vilão ou mocinho para questões desse tipo ou é apenas a vida? Pois é, a graça de Insecure está justamente no fato de nos fazer pensar em tudo isso – enquanto soltamos algumas risadas, mesmo em situações tensas como esta, ao ver as ciladas em que Issa se envolve.
Retrato realista dos relacionamentos atuais é um dos pontos fortes
Além de trazer personagens cheias de camadas, outro ponto forte de Insecure é a maneira realista com que aborda os relacionamentos – como você certamente já percebeu a essa altura do texto. Seja com a crise no namoro de Issa ou com a incessante busca de Molly pelo cara da sua vida, vemos que a harmonia perfeita das típicas comédias românticas não existe, e que o jeito é tentar ser feliz no amor procurando o equilíbrio entre as diferenças e sem idealizar.
As cenas de sexo – que, quando aparecem, são bem intensas – também fogem de qualquer roteiro perfeito. Em vez de serem devidamente coreografadas, são mais próximas da realidade; e, em algumas situações, até incluem possíveis erros que podem acontecer quando duas pessoas dormem juntas pela primeira vez.
O amor livre dos relacionamentos abertos, muito discutido hoje em dia, também entra em pauta na série. Quem comanda esse plot é Molly, que acaba em um triângulo amoroso inesperado e fica presa no dilema de abrir sua cabeça para viver esse caso sem culpas ou pular fora dele para não se machucar.
E a terceira temporada?
Depois de duas temporadas com oito episódios, com duração de 20 e poucos minutos cada, Insecure está no ar em seu terceiro ano. Com seis programas já exibidos, faltam apenas dois para a series finale – que está prevista para o dia 30 de setembro.
Então, se gostou da premissa da história e está procurando uma série rápida, engraçada, inteligente e cheia de representatividade para assistir, dá tempo de fazer a maratona e ainda acompanhar o desfecho dessa temporada na HBO. Em breve a crítica sai aqui no CinePOP!
Ah, e um recado importante para os fãs e para quem já se simpatizou com a série: a HBO já divulgou que Insecure está renovadíssima para a 4ª temporada! Então, ainda vai ter muito mais de Issa e Molly por aí. Agradecemos!