Em meados do século XIX, o lendário romancista Alexandre Dumas, um dos expoentes do Romantismo francês, escrevia ‘O Visconde de Bragelonne’. Funcionando como a terceira e última parte da saga de D’Artagnan e dos três mosqueteiros, Athos, Porthos e Aramis, a narrativa se estende por mais ou menos dez volumes – mas a parte mais conhecida do romance histórico é ‘Prisioneiro da Máscara de Ferro’, cujo enredo nos leva para a França do século XVII e é centrado em um detento da Bastilha, chamado Eustache Dager, que foi obrigado a cumprir sua pena utilizando uma máscara de ferro. Em 1929, a história ganhou sua primeira versão para os cinemas – mas foi apenas em 1998 que o diretor Randall Wallace consagraria a adaptação mais famosa da trama.
Agora, vinte e cinco anos depois da estreia do longa-metragem, somos convidados a revisitar a complexa artimanha assinada por Dumas com o musical ‘Iron: O Homem da Máscara de Ferro’, que faz sua estreia oficial nesta próxima sexta-feira, 04 de agosto, no 033 Rooftop, em São Paulo (acima do Teatro Santander). A produção inédita e completamente original conta a direção geral de Ulysses Cruz, discípulo do icônico e saudoso Antunes Filho, e foi idealizada ao lado de Caio Paduan e Marcos Daud. A produção traz elementos novos para o circuito teatral brasileiro ao se configurar como uma experiência imersiva através da qual o público auxilia na montagem do cenário e participa, ativamente, do desenrolar da narrativa.
Recentemente, o CinePOP teve a oportunidade de conferir algumas cenas do musical e participar de uma coletiva de imprensa, em que o elenco, o diretor e o incrível time criativo pôde contar segredos de bastidores e como a estrutura da peça veio a ganhar vida.
Ambientada na França monárquica e absolutista do século XVII, assim como as adaptações anteriores e o romance de Dumas, acompanhamos Philipp (Tiago Barbosa, conhecido por seu aclamado trabalho em ‘O Rei Leão’), um prisioneiro que está destinado a mudar a história da França. Encarcerado e fadado a utilizar uma máscara de ferro em seu tempo na Bastilha – levando muitos a acreditar que era irmão gêmeo do tirânico monarca Luís XIV-, ele se torna alvo de um plano arquitetado por Athos (Luiz Nicolau), Porthos (Rafael de Castro) e Aramis (Dagoberto Feliz), cuja missão é retirá-lo da prisão, depor o rei e coroar Phillip como o novo regente do território francês.
“Do livro original, Marcos Daud fez um libreto de noventa páginas, porque, originalmente, nós iríamos fazer uma peça de teatro. Esse libreto foi o que [o liricista e músico] Elton [Towersey] pegou e transformou [no musical]”, disse Cruz, durante a coletiva.
Towersey, por sua vez, tomou o microfone para comentar sobre como entrou na produção, afirmando que “chegou tarde” e que a equipe criativa e o elenco já havia feito experimentos com o libreto escrito por Daud: “eu cheguei bem tarde no processo, faltando acho que um mês para o primeiro dia de ensaio e eles já tinham experimentado muito com o libreto inicial. De início, eu não sabia o que fazer. Eu sabia como achar as músicas, ia para a casa do Ulysses e dizia: ‘deixa eu ligar o gravador e você me fala tudo o que você quer’”.
“Mas eu ficava completamente intimidado pela situação e toda hora eu perguntava: ‘OK, mas isso aqui você quer como?’”, ele continua. “Isso é muito raro no processo criativo, mas ele me disse: ‘faz o que você quiser. É o seu show’. Eu tive muita liberdade, porém, ao mesmo tempo, quanto mais liberdade nós temos, mais lugares podemos ir. E, então, conseguimos priorizar a contação de história, através de muita música. […] E eu não sabia se daria certo; chorava toda noite pedindo ajuda para os nossos arranjadores fazerem as partituras. Não sabia quem era o elenco, fui conhecê-lo já no primeiro dia de ensaio. Mas fiquei muito grato. Acho que essa nova geração de artistas e de criativos, nós temos que estimulá-la. Temos que abraças essas oportunidades – que já são raras e intimidadoras, e temos que nos arriscar”.
Antes do início da coletiva, pudemos conferir quatro breves números do musical, cujo tempo de duração é de apenas noventa minutos (contando com um breve intervalo em que o palco se transforma em uma balada). Os números apresentados foram “O Que é Arte?”, em que Saulo Vasconcelos encarna seu mestre de cerimônias para nos convidar a pensar sobre a produção artística – além de apresentar o icônico Thobias da Vai-Vai, presidente honorário da Escola de Samba da Vai-Vai, como Alexandre Dumas, e nos presentear com uma interpolação de “Vogue”, clássica canção de Madonna.
“Bastilha”, por sua vez, nos mostra o momento em que Phillip está preso, clamando por explicação e sendo infundido pelas pulsões de um electro-rock espetacular; pouco depois, Leticia Soares, que também trabalhou em ‘O Rei Leão’ com Barbosa, dominou a estrutura improvisada com os módulos como Ana D’Áustria, Rainha Consorte da França e Navarra e Rainha Regente antes da ascensão de Luís XIV ao trono – trazendo referências a Jennifer Hudson para seu solo, “Ana de Áustria”; e, por vim, fomos convidados a dançar um pungente swing de “É Hora de Virar um Rei”, em que os três mosqueteiros ensinam a Phillip, recém-libertado da prisão, como se portar como um monarca.
“Foi um processo muito intenso. Nós trabalhamos juntos, eu e Elton, eu e Rafael Marão [diretor musical associado e regente]”, disse Jorge de Godoy, diretor musical do espetáculo, sobre o arranjo das músicas. “O Elton nos dava as coisas, nós conversávamos, levantávamos e pensávamos que às vezes não era aquilo, voltávamos, às vezes acertávamos de cara… É um processo criativo do zero. Não é uma peça que existe, não é um musical que existe e que vamos deixar do nosso jeito. Isso foi, para mim, muito difícil, porque estou acostumado a lidar com o musical pronto e só executar. Foi um trabalho difícil, mas, ao mesmo tempo, prazeroso”.
Godoy continua: “cada dia que passou, nós elevamos mais as coisas que foram chegando. Sempre fomos melhorando para trazer uma sonoridade moderna, eletrônica, com sintetizadores, com a balada… Tentamos trazer muito disso dentro das músicas propostas pelo Elton”.
Um dos elementos mais notáveis do musical é a pontualidade das coreografias, que foram arquitetadas de modo a permitir a interação com o público sem quaisquer problemas, além de garantir dinâmica à condução da narrativa.
“Foi desafiador criar a movimentação e as coreografias, até porque o nosso elenco é pequeno e, como vocês puderam ver, existem movimentações muito grandes dos praticáveis – e aí não tem como o elenco estar dançando e se movimentando muito”, disse a diretora de movimento e coreógrafa Bárbara Guerra, uma colaboradora de longa data de Ulysses. “Não é um musical com muitas coreografias, mas com coreografias convidativas que são para convidar [o público], e não intimidar. As partes pontuadas coreograficamente estão em números que realmente necessitam; o restante delas [foram feitas] para que todo mundo possa executar, para que todos possam estar juntos e dentro desse show de forma participativa”.
Lembrando que ‘O Homem da Máscara de Ferro’ estreia amanhã, 04 de agosto, no 033 Rooftop (localizado no Complexo JK, em São Paulo, acima do Teatro Santander).
O espetáculo fica em cartaz até o dia 08 de outubro, com apresentações às sextas-feiras, às 20h30min; e aos sábados e domingos, às 16h30min e às 20h30min.
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