Quando começamos com a coluna ‘Lembra dele?’, a ideia era relembrar alguns filmes que fizeram sucesso no passado e marcaram época, trazendo aquela sensação gostosa de nostalgia, mas confesso que perceber que o mês de agosto marca o aniversário de 15 anos de Se Beber, Não Case! rendeu uma sensação terrível de velhice.
Lançado em agosto de 2009, esse filme foi um fenômeno fora de série na época da estreia, não à toa acabou virando uma trilogia. Ao sintetizar com perfeição o espírito da quinta série, a comédia de Todd Phillips marcou uma geração ao trazer a história de um grupo de amigos que vão para Las Vegas em uma despedida de solteiro e acabam passando da linha. No dia seguinte, eles descobrem que perderam o noivo e que fizeram os maiores absurdos possíveis durante a noite. Sem lembrarem do que aconteceu, eles começam a reconstruir os passos em busca do amigo, antes que tenha início o casamento.
Há uma série de fatores pelos quais esse filme fez sucesso, mas o maior deles é o apelo ao absurdo por meio do humor de identificação. A história parte de um princípio extremamente comum que é uma ressaca história. Que atire a primeira pedra quem nunca acordou no dia seguinte a uma noitada tendo feito alguma burrada colossal. Partindo dessa premissa, Phillips deixou a criatividade aflorar para pensar nos maiores absurdos possíveis, mas de uma forma que ficasse crível.
E o mais divertido disso tudo é ver como ele trabalha a comédia por meio de dois extremos, representados pelo Alan (Zach Galifianakis) e pelo Stu (Ed Helms). Ao lado de Phil (Bradley Cooper), eles integram esse trio inusitado que é extremamente comum por aí. Phil é o amigo quarentão que ainda acha ser um adolescente, Stu é o amigo sério que deu certo na vida profissional, mas perdeu o brilho de viver, já Alan é o ‘agregado’ esquisito, geralmente representado pelo amigo ou parente da namorada de alguém do grupo, mas que conquista seu espaço com seu jeito peculiar. E a construção desse trio é fantástica, porque entende perfeitamente seu público-alvo.
Phil é o ponto de identificação para o público (sim, galera. A autoestima masculina é assim mesmo), por isso que ele é o personagem mais ‘normal’ da trama. Seu jeitão genérico de incentivar as burradas sem exagerar é o ponto de equilíbrio, porque permite que Alan e Stu percam completamente a linha. Enquanto vemos o dentista arrancar o próprio dente ou casar com uma garota de programa, ou o irmão da noiva se envolver com a máfia e urinar na frente do tigre do Mike Tyson, é Phil, o professor do ensino médio, quem traz a galera de volta para a realidade.
Ao mesmo tempo, ele assume um tom de ‘responsável’ pelo grupo, enquanto realiza algumas das fantasias mais comuns da meia-idade masculina, como dirigir uma viatura de polícia, flertar o tempo inteiro, pagar por uma cobertura caríssima no hotel mais famoso da cidade, ter uma noitada digna dos ‘velhos tempos’ com os amigos, tirar a sorte grande em um cassino e conhecer seu ídolo de infância. Sem o Phil, Alan e Stu não brilhariam tanto. Um exemplo disso é Se Beber, Não Case! 3 (2013), que é mais focado em Alan e coloca o Phil para embarcar mais nas loucuras da história, o que não funciona tão bem.
Mais do que isso, Se Beber, Não Case! se destaca não apenas por ser uma comédia muito boa, mas por ser um filme muito bom. A direção de Todd Phillips é muito boa para a época, e a ousadia do roteiro foi muito grande. Na época, o politicamente correto começava a crescer no cinema. Um debate necessário estava sendo criado e os frutos estão começando a ser vistos hoje. Nesse cenário, o diretor decidiu realizar sua fantasia adolescente e deixar qualquer debate de lado em prol da diversão e do humor politicamente incorreto. O resultado foi tão positivo que acabou influenciado uma série de comédias mais babacas lançadas pela Warner nos anos seguintes, como Quero Matar Meu Chefe (2011), mas nenhuma foi tão precisa em acertar o ‘politicamente incorreto aceitável’ quanto esse filme.
Mais do que isso, a direção dele foi muito inventiva. Há momentos que remetem a filmes de crime, outros a comédias clássicas, só que tudo isso condensado de forma original. O visual estético do longa, inclusive, praticamente definiu o padrão das comédias que viriam a partir dali. Foi algo tão bem feito que nem mesmo os capítulos seguintes da franquia conseguiram replicar.
Além do trio principal, o longa eternizou um personagem completamente excêntrico, que arrancou risadas inesperadas por seu jeito sem noção: o Sr. Chow.
Interpretado pelo humorista Ken Jeong, o chefão do tráfico internacional virou ícone dos cinemas com sua vozinha fina, calça apertada, sapatos de criança, vício em jogo e traços claros de psicopatia. A existência de um personagem como o dele, repleto de estereótipos, é algo que não acontecerá mais nas telonas, só que o trabalho do humorista é tão fora da curva que fica impossível não rir das atrocidades que ele faz e fala.
No fim, quando todas as trapalhadas – e crimes – do trio dão certo, e eles chegam ao casamento como se nada tivesse acontecido, o filme consolida nessa grande aventura adolescente em um dos melhores filmes ‘quinta série’ já feitos.
Quinze anos depois de fazer os cinemas do mundo gargalharem, Se Beber, Não Case! é um filme que aparentemente não tem mais espaço na atualidade, mas segue como uma das melhores comédias feitas no século XXI. Afinal, fazer o público rir das próprias fantasias e ver o quanto elas são bobas na vida real é algo muito difícil e extremamente divertido quando bem executado.