Falar de Pixar é pensar imediatamente em criatividade. Por quase 20 anos, o estúdio de animações 3D brindou o mundo com algumas das histórias mais espetaculares já concebidas pela mente humana e sempre utilizando o que havia de mais moderno na tecnologia da época. E se o estúdio construiu essa reputação, pode ter certeza que Up: Altas Aventuras foi um dos pilares que ajudou a Pixar a ser esse fenômeno, mesmo depois de alguns projetos menos inspirados lançados recentemente.
E por mais que doa falar isso, visto que assisti esse filme no cinema no auge dos meus 12 anos, Up completou 15 anos no último dia 4. Mas o que faz dessa aventura tão fascinante a ponto de encantar – e explodir em lágrimas – crianças e adultos quase duas décadas depois?
Bom, acho que é desnecessário aprofundar muito sobre o que acontece nos primeiros 15 minutos de filme, né? Histórias de amor têm a capacidade de prender e arrancar suspiros nos quatro cantos do mundo, mas quando uma animação já começa com um curta mostrando o início, os percalços e o fim do amor de toda uma vida, você entende que o projeto é realmente diferenciado. No mundo do humor, dizem que você nunca pode começar a piada com seu ápice. Afinal, é preciso deixar o melhor para o final. Pois bem, Pete Docter e Bob Peterson simplesmente ignoraram esse consenso e construíram um relacionamento tão bonito, tão maduro em tela, trazendo esse envolvimento com o público de maneira tão autêntica, tornando impossível para o público conter as lágrimas a cada desafio enfrentado até a morte de Ellie.
São 15 minutos que te levam do céu ao inferno em um piscar de olhos. E é somente depois disso que a aventura começa. Up é um dos filmes mais maduros já feitos pela Pixar, porque aborda de forma genial conceitos como luto, expectativas e autoconhecimento. Nesse ponto, o ranzinza Carl Fredricksen é um personagem fabuloso. Não existem adjetivos o suficiente para descrevê-lo de forma que faça justiça ao que ele realmente é.
Tímido desde sempre, Carl viu sua vida tomar forma e ganhar cor ao lado de Ellie. Houve pouquíssimos momentos de sua existência em que ele esteve realmente sem ela. Nas horas boas e ruins, um estava ao lado do outro e, juntos, parecia não haver desafio capaz de pará-los. E a despedida de Ellie se dá justamente em um dos poucos momentos de ousadia da vida de Carl, que foi quando ele comprou as passagens para que eles realizassem o sonho de conhecer o Paraíso das Cachoeiras. Imagine juntar uma vida inteira para realizar um sonho e quando isso se torna possível, sua vida acaba?
Carl se perde em uma maré de solidão e frustração. Perdido, sua única conexão com o mundo parece ser a casa, construída com Ellie. Aquele simpático amontoado de madeira colorida não é apenas uma lembrança dos bons tempos ou um memorial a sua esposa. É a sintetização da felicidade que o idoso um dia sentiu, mas que não se acha mais digno de sentir. Ellie se foi, assim como a vontade de Carl sentir. A vida não faz mais sentido.
E quando a gente pensa que eles não poderiam jogar mais baixo com nosso querido velhinho irritado, descobrimos que o grande vilão do filme é justamente uma das poucas coisas boas que ainda habitavam o coração de Carl: Charles Muntz, seu herói de infância e uma das grandes razões pelas quais ele conheceu a Ellie. De uma hora para outra, o que representava o pontapé inicial de sua felicidade, de sua vida, estava armado, diante de seus olhos, tentando matá-lo para concluir seu ciclo e recuperar o prestígio na comunidade científica.
Carl é forçado a enfrentar – e perder – tudo o que um dia o fez feliz. E aí que vem outro toque da mais pura genialidade: ao se despir dos antigos conceitos e felicidades, o velhinho recupera a vontade de viver e descobre que há muito mais a se ver, a se fazer, do que se apegar ao passado. Como diz a Ellie antes de mostrar ao marido as páginas em branco da vida: “Obrigado pela aventura! Agora vá viver uma nova!”. Após anos de amargura, Carl enfim compreendeu o que era viver e como ele tinha sorte de ainda estar ali. Porque, como disse Charles Muntz um dia… A aventura está lá fora.
Em meio a essa construção absurda de personagem, vemos o jovem Russell adentrar a história. O escoteiro também é muito bem construído, sendo o extremo oposto de Carl e relembrando a ele o que a vida um dia já foi. O pequeno é como um espelho do jovem Carl, que olha para seu passado com amargura e decepção. Talvez seja por isso que ele seja tão negativo com o garoto. Ele quer preveni-lo da frustração que sonhar com aventuras trouxe para si.
Porém, Russell tem seu próprio passado. Seu otimismo e desejo por aventura são ferramentas as quais ele se apega para tentar conseguir o amor e a aprovação de um pai ausente, que se preocupa mais com negócios do que com o próprio filho. Ao longo da trama, o garoto ajuda Carl a compreender que ainda tem valor e que a vida vale a pena ser vivida, mas também aprende com ele que merece atenção e afeto, e que a aventura por si só já é um prêmio inestimável. Ao fim do filme, quando premia o garoto com a Medalha Ellie, Carl ‘passa o bastão’ de uma vida de amor e aventuras para Russell.
Tudo isso com a interpretação genial do saudoso Chico Anysio na versão brasileira, e com uma trilha sonora inspiradíssima de Michael Giacchino. Inclusive, foi por esse trabalho que ele ganhou seu único Oscar, mas ainda assim, pela grandiosidade dessa trilha, nem mesmo a honraria máxima do cinema parece fazer justiça.
Ao fim do filme, para ser ainda mais cruel com o público, o filme indica que Carl conseguiu concluir todos os ciclos possíveis, literalmente. Dizem que uma promessa não se quebra, e quis o destino que a simples iniciativa de realizar o sonho da esposa falecida fosse terminar com o pagamento da promessa que faltava, feita a Ellie ainda na infância: levar sua casa para o Paraíso das Cachoeiras. Então, se permitindo sonhar e viver novamente, Carl vai experimentar o doce da vida outra vez, agora acompanhado de uma matilha de cachorros viciados em sorvete e cachorro quente. Aproveitando carinho, afeto e diversão como há anos não experimentava.
Já se passaram 15 anos, mas Up segue mais fascinante e encantador a cada dia que passa. Uma obra atemporal e, sinceramente, perfeita.