quarta-feira , 20 novembro , 2024

Lembra dele? | ‘Watchmen’, polêmica adaptação de Zack Snyder, completa 15 anos

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Nos últimos anos, Zack Snyder andou se queimando em Hollywood muito por conta das controvérsias envolvendo a bagunça do extinto Universo Estendido DC, do qual ele foi contratado para ser o grande mentor. Porém, quando surgiu para o cinema, Zack era considerado um nome promissor para o futuro, não à toa recebeu o ‘título’ de “Visionário”. Sempre prezando por trabalhar os filmes com sua estética própria, Snyder teve seu primeiro “deslize” justamente em uma adaptação de quadrinhos.

Ame ou odeie, o Zack Snyder pode ser chamado de muitas coisas, menos de covarde. Isso porque ele brigou e assumiu Watchmen, uma adaptação que era considerada impossível de ser feita em Hollywood, não só pela complexidade da trama, mas principalmente porque seu autor, Alan Moore, é reconhecidamente uma das figuras mais fortes do meio das graphic novels. E agora, essa obra cinematográfica que dividiu opiniões completa 15 anos de existência. E você? Gostou ou não de Watchmen?



Antes de falar sobre o filme, vale a pena contextualizar o material original. A década de 1980 representa uma grande virada nas histórias em quadrinhos norte-americanas. Após duas décadas de maravilhas coloridas pulando das páginas dos gibis, os anos 80 decidiram mudar a abordagem, trazendo tons mais sombrios, investindo mais em dramas adultos, violência e questões políticas que trouxessem diferentes públicos para as revistas. Nesse contexto, nomes como Frank Miller, Art Spiegelman, Peter David, Neil Gaiman e Alan Moore fizeram carreira, revolucionando o que era fazer HQs.

Em 1983, a DC Comics havia acabado de comprar a Charlton Comics, trazendo alguns heróis do passado para dentro de seu panteão. Sabendo disso, cerca de dois anos depois, Alan Moore escreveu uma história que focaria na realidade podre desses personagens recém-chegados, permitindo que o autor desse uma nova visão deles nessa entrada no Universo DC. A trama acompanharia a investigação do assassinato do Pacificador (esse mesmo que se popularizou ao ser vivido por John Cena) por seu grupo de heróis, composto por nomes como Besouro Azul, Questão e o Capitão Átomo. Entretanto, apesar do projeto ter sido bem recebido, a ideia de usar os heróis da Charlton em uma empreitada tão controversa não caiu bem ante a direção. Afinal, esses personagens haviam acabado de chegar e essa visão mais crua e brutal poderia mudar para sempre a forma como o público veria eles dali para frente.

Reprodução

O editor da DC, Dick Giordano, enviou suas considerações para que Alan Moore reescrevesse “Quem Matou o Pacificador?” como uma graphic novel composta por personagens inéditos. O quadrinista detestou a ideia, porque acreditou que não funcionaria sem o apego dos fãs aos personagens que seriam distorcidos nas páginas. Só que ele mudou de ideia ao perceber que criar essas paródias poderia potencializar ainda mais as críticas que pretendia fazer, então aceitou as alterações do editor e começou a escrever. Sabendo que Moore estava fazendo um novo projeto, o desenhista Dave Gibbons embarcou no trabalho sem pensar duas vezes e o resto é história.

Trazendo fortes críticas à sociedade norte-americana e à sujeira social da época da Guerra Fria, além de desmistificar o ícone do super-herói e satirizar a cultura de massa, Watchmen se tornou um fenômeno. O universo criado por Moore e Gibbons foi tão rico e denso que causou uma mudança total no storytelling das HQs da época. Diante desse sucesso todo, começou um burburinho que se estenderia por décadas sobre uma adaptação para os cinemas. Só que a densidade da história fazia com que os produtores dessem a trama como “inadaptável para os cinemas”, principalmente porque os filmes de super-heróis ainda eram voltado para o público infantojuvenil.

Nos anos 2000, após o sucesso estrondoso de 300, a Warner viu em Zack Snyder a imagem certa do diretor para adaptar essa graphic novel icônica. Então, o cineasta decidiu se ater o máximo possível à obra original. Para isso, ele comprou uma edição própria de Watchmen e carregava para todos os lados. Por mais incomum que isso seja, o storyboard do filme foi a própria história em quadrinhos.

Dessa forma, Zack tentou ser o mais fiel possível ao material original, rendendo uma dos filmes mais visualmente idênticos a um quadrinho já feito em Hollywood. Mas aí entraram alguns problemas. O corte inicial do diretor tinha mais de três horas de duração, o que era considerado um suicídio comercial na época. Filmes grandes demais tinham menos sessões. Se a quantidade de sessões era menor, a bilheteria também seria mais baixa. Ou seja, não havia a menor condição dos produtores aprovarem. Para reduzir o corte, Snyder arrancou completamente o segmento conhecido como Contos do Cargueiro Negro, que foi inserido no longa no formato de animação e contava uma história paralela sobre um pirata que dialogava diretamente com os dilemas dos heróis.

Mais do que os contos, o filme perdeu sequências importantes, como a morte do Coruja original. Porém, o problema da adaptação passou longe de ser apenas os cortes. A maior crítica que o longa recebeu, do próprio Alan Moore, inclusive, foi a perda da essência da trama em prol da valorização estética. Como costumam brincar nas redes sociais, parece que o Zack Snyder “leu as figuras” e esqueceu de “interpretar a história”.

E o resultado disso se deu justamente no corte final do filme, que é odiado por Alan Moore. Além da alteração do final da graphic novel, que era o ponto de conexão a literalmente todas as ações de Ozymandias, mudando a lula espacial gigante para o próprio Dr. Manhattan, o filme acabou dando uma glamourização exacerbada ao Rorschach, que foi criado pelo quadrinista como um execrável e hipócrita psicopata, mas que acabou virando um símbolo de certos grupos não muito bem-quistos pela sociedade justamente por essa abordagem de exaltação promovida pelo filme de Snyder. Mal comparando, é similar ao Capitão Nascimento, de Tropa de Elite, que foi criado para mostrar os horrores de poder praticamente fascista dado a policiais cariocas que se transformaram naquilo que deveriam combater. Mas, diante de uma interpretação incorreta, acabou virando símbolo da galera que defende o massacre feito pela polícia contra populações carentes que em vez de serem salvas do tráfico pelo BOPE terminam reféns dessas duas ‘entidades’ da corrupção estatal.

Vendo por esse ponto, fica muito nítido do motivo de Alan Moore odiar tanto o filme. O quadrinista é autodeclarado anarquista e teve de ver sua obra – que foi concebida para criticar a Guerra Fria e a febre da cultura de massa pelos heróis que saíam por aí chacinando a torto e a direito – sendo deturpada para um longa-metragem que mesmo sendo esteticamente marcante e fiel, ocasionou uma glamourização exacerbada de personagens que foram criados para representarem o que há de pior na sociedade.

Algo parecido aconteceu na época com Kick-Ass: Quebrando Tudo (2010). Nos quadrinhos, só falta o Mark Millar sair das páginas, apontar para o leitor e dizer: “Meu irmão, tu é um otário!”. Já o filme… Bem, ele ainda parodia os fãs de quadrinhos, mas sua roupagem de luxo e o carisma dos atores acaba o transformando em uma aventura divertida que perde a essência da crítica a uma sociedade problemática e viciada a ponto de adultos levarem super-heróis a sério.

E o ponto do Rorschach em específico é realmente sensível ao criador, porque ele declarou diversas vezes ter feito esse personagem reunindo tudo que havia de pior em um ser humano que ele poderia pensar. Por isso, o “detetive” é preconceituoso, sujo e hipócrita. Não por acaso ele caça e tortura bandidos, mas ignora o estupro cometido pelo Comediante, que é seu amigo e mentor.

Para piorar, o Rorschach virou símbolo de grupos de extrema-direita nos EUA. Essa situação, inclusive, foi retratada na série Watchmen, lançada em 2019. Mas antes que venham chamar o Alan Moore de clubista ou ‘Mimizento’, já que a série foi elogiada por ser considerada progressista, vale ressaltar que o autor também não gostou da produção de 2019. Por ele, Watchmen jamais seria adaptada para cinema ou TV, porque acaba alimentando um sistema que legitima tudo que ele mais abomina. É bastante comum ver o artista tocando nesse tema quase com um arrependimento de ter feito parte tão importante da trajetória dos quadrinhos na Cultura Pop.

Fato é que o filme tem seus prós e contras e cabe ao público decidir e interpretar. No fim das contas, Watchmen teve um orçamento altíssimo para a época (US$ 130 milhões) e o valor arrecadado (US$ 185 milhões) foi muito abaixo do esperado. Ainda assim, Snyder conseguiu lançar seu Snydercut que foi mais elogiado pelos fãs. Desde então, o universo Watchmen seguiu intocado nas telas, porque os produtores entenderam que mexer ali era tocar num vespeiro de polêmicas desnecessárias para seus interesses. O universo só voltaria a ser visitado uma década depois, com o elogiadíssimo seriado da HBO, que passou a brincar mais com as controvérsias da vida real, enquanto trabalhava uma trama que indicava dar continuação aos eventos da HQ, não do filme.

Watchmen está disponível no Max.

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Pedro Sobreirohttp://cinepop.com.br/
Jornalista apaixonado por entretenimento, com passagens por sites, revistas e emissoras como repórter, crítico e produtor.

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Ame ou odeie, o Zack Snyder pode ser chamado de muitas coisas, menos de covarde. Isso porque ele brigou e assumiu Watchmen, uma adaptação que era considerada impossível de ser feita em Hollywood, não só pela complexidade da trama, mas principalmente porque seu autor, Alan Moore, é reconhecidamente uma das figuras mais fortes do meio das graphic novels. E agora, essa obra cinematográfica que dividiu opiniões completa 15 anos de existência. E você? Gostou ou não de Watchmen?

Antes de falar sobre o filme, vale a pena contextualizar o material original. A década de 1980 representa uma grande virada nas histórias em quadrinhos norte-americanas. Após duas décadas de maravilhas coloridas pulando das páginas dos gibis, os anos 80 decidiram mudar a abordagem, trazendo tons mais sombrios, investindo mais em dramas adultos, violência e questões políticas que trouxessem diferentes públicos para as revistas. Nesse contexto, nomes como Frank Miller, Art Spiegelman, Peter David, Neil Gaiman e Alan Moore fizeram carreira, revolucionando o que era fazer HQs.

Em 1983, a DC Comics havia acabado de comprar a Charlton Comics, trazendo alguns heróis do passado para dentro de seu panteão. Sabendo disso, cerca de dois anos depois, Alan Moore escreveu uma história que focaria na realidade podre desses personagens recém-chegados, permitindo que o autor desse uma nova visão deles nessa entrada no Universo DC. A trama acompanharia a investigação do assassinato do Pacificador (esse mesmo que se popularizou ao ser vivido por John Cena) por seu grupo de heróis, composto por nomes como Besouro Azul, Questão e o Capitão Átomo. Entretanto, apesar do projeto ter sido bem recebido, a ideia de usar os heróis da Charlton em uma empreitada tão controversa não caiu bem ante a direção. Afinal, esses personagens haviam acabado de chegar e essa visão mais crua e brutal poderia mudar para sempre a forma como o público veria eles dali para frente.

Reprodução

O editor da DC, Dick Giordano, enviou suas considerações para que Alan Moore reescrevesse “Quem Matou o Pacificador?” como uma graphic novel composta por personagens inéditos. O quadrinista detestou a ideia, porque acreditou que não funcionaria sem o apego dos fãs aos personagens que seriam distorcidos nas páginas. Só que ele mudou de ideia ao perceber que criar essas paródias poderia potencializar ainda mais as críticas que pretendia fazer, então aceitou as alterações do editor e começou a escrever. Sabendo que Moore estava fazendo um novo projeto, o desenhista Dave Gibbons embarcou no trabalho sem pensar duas vezes e o resto é história.

Trazendo fortes críticas à sociedade norte-americana e à sujeira social da época da Guerra Fria, além de desmistificar o ícone do super-herói e satirizar a cultura de massa, Watchmen se tornou um fenômeno. O universo criado por Moore e Gibbons foi tão rico e denso que causou uma mudança total no storytelling das HQs da época. Diante desse sucesso todo, começou um burburinho que se estenderia por décadas sobre uma adaptação para os cinemas. Só que a densidade da história fazia com que os produtores dessem a trama como “inadaptável para os cinemas”, principalmente porque os filmes de super-heróis ainda eram voltado para o público infantojuvenil.

Nos anos 2000, após o sucesso estrondoso de 300, a Warner viu em Zack Snyder a imagem certa do diretor para adaptar essa graphic novel icônica. Então, o cineasta decidiu se ater o máximo possível à obra original. Para isso, ele comprou uma edição própria de Watchmen e carregava para todos os lados. Por mais incomum que isso seja, o storyboard do filme foi a própria história em quadrinhos.

Dessa forma, Zack tentou ser o mais fiel possível ao material original, rendendo uma dos filmes mais visualmente idênticos a um quadrinho já feito em Hollywood. Mas aí entraram alguns problemas. O corte inicial do diretor tinha mais de três horas de duração, o que era considerado um suicídio comercial na época. Filmes grandes demais tinham menos sessões. Se a quantidade de sessões era menor, a bilheteria também seria mais baixa. Ou seja, não havia a menor condição dos produtores aprovarem. Para reduzir o corte, Snyder arrancou completamente o segmento conhecido como Contos do Cargueiro Negro, que foi inserido no longa no formato de animação e contava uma história paralela sobre um pirata que dialogava diretamente com os dilemas dos heróis.

Mais do que os contos, o filme perdeu sequências importantes, como a morte do Coruja original. Porém, o problema da adaptação passou longe de ser apenas os cortes. A maior crítica que o longa recebeu, do próprio Alan Moore, inclusive, foi a perda da essência da trama em prol da valorização estética. Como costumam brincar nas redes sociais, parece que o Zack Snyder “leu as figuras” e esqueceu de “interpretar a história”.

E o resultado disso se deu justamente no corte final do filme, que é odiado por Alan Moore. Além da alteração do final da graphic novel, que era o ponto de conexão a literalmente todas as ações de Ozymandias, mudando a lula espacial gigante para o próprio Dr. Manhattan, o filme acabou dando uma glamourização exacerbada ao Rorschach, que foi criado pelo quadrinista como um execrável e hipócrita psicopata, mas que acabou virando um símbolo de certos grupos não muito bem-quistos pela sociedade justamente por essa abordagem de exaltação promovida pelo filme de Snyder. Mal comparando, é similar ao Capitão Nascimento, de Tropa de Elite, que foi criado para mostrar os horrores de poder praticamente fascista dado a policiais cariocas que se transformaram naquilo que deveriam combater. Mas, diante de uma interpretação incorreta, acabou virando símbolo da galera que defende o massacre feito pela polícia contra populações carentes que em vez de serem salvas do tráfico pelo BOPE terminam reféns dessas duas ‘entidades’ da corrupção estatal.

Vendo por esse ponto, fica muito nítido do motivo de Alan Moore odiar tanto o filme. O quadrinista é autodeclarado anarquista e teve de ver sua obra – que foi concebida para criticar a Guerra Fria e a febre da cultura de massa pelos heróis que saíam por aí chacinando a torto e a direito – sendo deturpada para um longa-metragem que mesmo sendo esteticamente marcante e fiel, ocasionou uma glamourização exacerbada de personagens que foram criados para representarem o que há de pior na sociedade.

Algo parecido aconteceu na época com Kick-Ass: Quebrando Tudo (2010). Nos quadrinhos, só falta o Mark Millar sair das páginas, apontar para o leitor e dizer: “Meu irmão, tu é um otário!”. Já o filme… Bem, ele ainda parodia os fãs de quadrinhos, mas sua roupagem de luxo e o carisma dos atores acaba o transformando em uma aventura divertida que perde a essência da crítica a uma sociedade problemática e viciada a ponto de adultos levarem super-heróis a sério.

E o ponto do Rorschach em específico é realmente sensível ao criador, porque ele declarou diversas vezes ter feito esse personagem reunindo tudo que havia de pior em um ser humano que ele poderia pensar. Por isso, o “detetive” é preconceituoso, sujo e hipócrita. Não por acaso ele caça e tortura bandidos, mas ignora o estupro cometido pelo Comediante, que é seu amigo e mentor.

Para piorar, o Rorschach virou símbolo de grupos de extrema-direita nos EUA. Essa situação, inclusive, foi retratada na série Watchmen, lançada em 2019. Mas antes que venham chamar o Alan Moore de clubista ou ‘Mimizento’, já que a série foi elogiada por ser considerada progressista, vale ressaltar que o autor também não gostou da produção de 2019. Por ele, Watchmen jamais seria adaptada para cinema ou TV, porque acaba alimentando um sistema que legitima tudo que ele mais abomina. É bastante comum ver o artista tocando nesse tema quase com um arrependimento de ter feito parte tão importante da trajetória dos quadrinhos na Cultura Pop.

Fato é que o filme tem seus prós e contras e cabe ao público decidir e interpretar. No fim das contas, Watchmen teve um orçamento altíssimo para a época (US$ 130 milhões) e o valor arrecadado (US$ 185 milhões) foi muito abaixo do esperado. Ainda assim, Snyder conseguiu lançar seu Snydercut que foi mais elogiado pelos fãs. Desde então, o universo Watchmen seguiu intocado nas telas, porque os produtores entenderam que mexer ali era tocar num vespeiro de polêmicas desnecessárias para seus interesses. O universo só voltaria a ser visitado uma década depois, com o elogiadíssimo seriado da HBO, que passou a brincar mais com as controvérsias da vida real, enquanto trabalhava uma trama que indicava dar continuação aos eventos da HQ, não do filme.

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Pedro Sobreirohttp://cinepop.com.br/
Jornalista apaixonado por entretenimento, com passagens por sites, revistas e emissoras como repórter, crítico e produtor.

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