Em 2012, Christina Aguilera parecia ter chegado a um fundo do poço injusto após lançar ‘Lotus’, seu sétimo álbum de estúdio. O novo disco vinha como uma tentativa de recuperar sua imagem em vista das duras críticas recebidas por ‘Bionic’, lançado dois anos antes e que caiu em um esquecimento ridiculamente pré-programado que não conseguiu compreender a estética transgressora de suas investidas synthpop que viriam até mesmo a inspirar nomes com Lady Gaga e Miley Cyrus a seguir em uma linha semelhante. Logo depois, a cantora e compositora mergulhou na sua carreira como jurada e permaneceu seis anos em um doloroso hiato, tempo durante o qual reclusou-se em seu antro de criação para entregar-se ao projeto intitulado ‘Liberation’ – aguardado por fãs sedentos e esperançosos.
Além do longo período de pré-produção e gravação, Aguilera havia declarado que se afastaria do pop para mergulhar em uma mistura de R&B, hip-hop e soul. Basicamente, exploraria nessa nova fase de sua carreira todas as teceduras vocais que trazia e que já mostrara em singles como “Candyman”, “Beautiful”, “Fighter“ e até mesmo “Your Body” – ainda que este tenha sido rechaçado de modo considerável. Abraçar uma cultura apagada por anos de domínio branco também seria uma forma interessante de recuperar seu sangue latino, também já visto em álbuns anteriores, e incitar os ouvintes a uma vertente interessantíssima e passível de ser ovacionada pela audácia.
Entretanto, as coisas não correram bem como o planejado. A começar pelo prólogo nada esperado intitulado “Liberation”, que inclusive empresta o nome para o título do álbum. Aqui, a artista recita um breve monólogo sobre autoaceitação, encontrar a sua missão dentro de um mundo essencialmente opressor e que serve de respaldo para as duas próximas faixas, “Searching for Maria” e “Maria”. Não podemos tirar crédito da cantora e dos produtores – dentre os quais está o conhecido Kanye West e sua fluidez fundida entre reggae e rap – em tentar fazer dois capítulos para uma mesma história. Mas tudo começa a se tornar repetitivo, com canções que na verdade são textos de cinquenta ou sessenta segundos com poucas investidas musicais e que não acrescentam necessariamente algo de positivo para compreendermos a obra. “Maria” ainda se mostra com mais identidade, tangenciando uma construção latinizada que retorna bruscamente para o pop e quebra o mundo no qual mergulhávamos.
De modo geral, o álbum em si parece cru e não aproveita o incrível potencial que conserva. Ainda que grande parte consiga ser salva pela poderosa voz da lead singer e as letras sejam delineadas com inúmeras metáforas e simbolismos de empoderamento social e feminista – até mesmo no interlúdio “Dreamers” -, o ritmo, a melodia e os crescendos são monótonos e repetitivos demais para nos manter presos por tempo o suficiente. Em outras palavras, conectar-se com as faixas é um trabalho árduo e complexo, renegando a fluidez pela qual Aguilera preza tanto.
Enquanto os ápices podem existir, devemos falar também da escolha comercial do álbum. Optar por uma canção como “Accelerate” para insurgir como single foi uma escolha muito estranha e que não agradou muito aos ouvidos dos fãs e da crítica – a melodia inicia-se com um brusco mergulho no reggae que sucede o incrível e desperdiçado interlúdio intitulado “I Don’t Need It Anymore” (que poderia ter sido transformado em uma música completa sem perder a essência a capella pela qual preza). Em uma perda de ritmo inexplicável, os rappers são movidos por algo que mistura eletropop com synthpop e logo depois retorna para o soul da voz de Christina sem aviso prévio ou preparação. Ou seja, uma mistura bagunçada de inúmeros gêneros é como podemos classificar esse primeiro single – que se vale mais pela estética que apresenta que pela representação auditiva.
O álbum é anacrônico – em outras palavras, ele não cria um escopo que poderia ser ouvido em épocas diferentes e ainda manter seu brilho, mas sim não sabe em qual direção apontar; grande parte das músicas parece ultrapassada, resgatando a linearidade superficial que precede a era digital e que nos transporta aos primeiros anos da década de 2000 (como “Pipe”, que mais se parece com uma “fofa” balada de Mariah Carey que uma verdadeira incorporação de Aguilera) e criando uma lacuna desconfortável. Entretanto, esses deslizes, colocados lado a lado com pequenos ápices, parecem insignificantes e poderiam ser facilmente cortados da entrega final: a artista retorna para suas baladas com “Unless It’s With You” e o aplaudível “Twice”, tão bem construídos quanto o pitch perfect de “Hurt”, permitindo explorar sua extensão vocal, desde os vibrattos até os slides.
“Fall in Line” é o hino de empoderamento feminino que vem para salvar o álbum de ser uma completa desgraça. Em parceria com Demi Lovato e seu inenarrável amadurecimento no cenário musical, o segundo single traz duas vozes únicas e de gerações diferentes para uma mesma atmosfera, criando uma tensão narrativa que apenas cresce e atinge seu ápice com a última parte. O crescendo aqui é tão visível e perfeitamente arquitetado, sem cair nos cansaços dos arranjos de outras faixas e investindo em transições de tirar o fôlego. É uma pena que tanta expectativa tenha caído nas ruínas do convencionalismo e do desequilíbrio identitário e tenha decepcionado mais que agradado.
Nem mesmo as referências a outros mestres do pop funcionou em sua completude. “Sick of Sittin’” traz tentativas de homenagem a Michael Jackson e toda sua única estrutura de canto. Perceber semelhanças entre as tracks mais famosas do cantor e essa nova perspectiva não é um trabalho difícil; entretanto, as coisas não funcionam com tanta fluidez quanto o esperado e acabam caindo mais uma vez na monotonia excessiva, nos levando a pensar que talvez essa transgressão poderia ter sido substituída por algo mais dentro de um comfort zone certeiro e irrefutável.
O comeback de Christina Aguilera até teve seus pontos altos, mas em geral foi uma grande decepção. Como fã, garanto que esperava um pouco mais pelo tempo de seu hiato e pelo período extenso de produção do álbum – e atirar para os lados provou ser uma escolha nada menos que infeliz.