23 de maio de 2010. Nesta data era exibido o capítulo final de uma das mais importantes e intrigantes séries de TV da história: Lost. A produção marcou época na TV mundial, seja pela trama envolvente, seja pela interação dos fãs. Se hoje vivemos uma fase com séries que buscam desafiar o espectador e geram inúmeras teorias pela internet, isso se deve à existência de Lost. Antes, talvez Twin Peaks e Arquivo X cultivaram uma grande base de fãs capazes de teorizar muito, mas ainda era algo mais restrito. Neste sentido, a popularização e democratização da internet, acabou ajudando a série de 2005 se tornar um verdadeiro fenômeno.
Apesar de sua importância história ser reconhecida por muitos, até hoje, existe muita gente que critica o desfecho final da produção. Os mais radicais, inclusive, citam o episódio derradeiro de Lost como um exemplo de péssimos finais de séries, na companhia de obras como Dexter, How I Met Your Mother ou, mais recentemente, Game of Thrones. Por sinal, muita gente justifica este desgosto com um argumento simples: eles estavam mortos o tempo todo. Agora… isso simplesmente não é verdade. Assim sendo, o CinePOP decidiu dedicar algumas linhas a relembrar o final da série e contextualizar com algumas teorias criadas ao longo dos seis anos em que a mesma foi exibida.
Lançado no dia 7 de março de 2005, o episódio piloto de Lost já demonstrava todo o potencial da série em deixar dúvidas na cabeça dos espectadores. Ao longo da primeira temporada, o estado de mistério só foi aumentando com a presença de muitos elementos estranhos, como o monstro de fumaça, os outros moradores na ilha ou um bunker encontrado no chão. Ainda no primeiro ano da produção, muita discussão começou a nascer na internet e a série ocupou um espaço nunca visto antes em fóruns e redes sociais. E uma teoria que caminhou com a série o tempo todo foi: eles estão todos mortos e a ilha representaria algum tipo de inferno.
E não é como se essa teoria fosse completamente absurda. Nomes envolvidos com a produção, como J.J. Abrams, Damon Lindelof e Carlton Cuse sempre mostraram interesse em deixar a dúvida no ar. Por vezes, a própria série abordava a teoria. Como no início da sexta temporada, quando Richard (Nestor Carbonell) diz não se importar com os planos de Jack (Matthew Fox), Locke (Terry O’Quinn) e companhia pelo simples fato de estarem todos mortos no inferno.
Antes de relembrarmos o episódio final mais a fundo, é importante uma recapitulação de todas as seis temporadas. O primeiro ano da série mostra um grupo de estranhos que tenta sobreviver numa ilha aparentemente deserta após sobreviverem um acidente de avião. Ao longo dos 25 episódios iniciais, conhecemos Jack, Locke, Kate (Evangeline Lilly), Sawyer (Josh Holloway), Hurley (Jorge Garcia), Sun (Kim Yoon-jin), Jin (Daniel Dae Kim), Sayid (Naveen Andrews), Charlie (Dominic Monaghan), Claire (Emilie de Ravin), Michael (Harold Perrineau) e companhia. Aprendemos como eram suas vidas fora da ilha, ao mesmo tempo que acompanhamos como tentam sobreviver na mesma. Aos poucos, vamos descobrindo que existem outras pessoas na ilha, como a francesa Danielle Rousseau (Mira Furlan). Ao fim, Locke consegue abrir a escotilha do misterioso bunker que tinha encontrado, enquanto que o plano de “fuga” via mar de Michael, Sawyer e Jin é interrompido pelos “outros”, que destroem o barco que construíram e sequestram Walt (Malcolm David Kelley), filho de Michael.
Na segunda temporada, Jack, Kate e Locke aprendem mais sobre a iniciativa Dharma e conhecem Desmond (Henry Ian Cusick), sujeito que estava há anos dentro do bunker, com a missão de digitar uma série de números em um computador a cada 108 minutos. Do outro lado da trama, Michael, Sawyer e Jin acabam encontrando novos sobreviventes do voo, é quando conhecemos Ana-Lucía Cortez (Michelle Rodriguez), Bernard (Sam Anderson), Libby (Cynthia Watros) e Mr. Eko (Adewale Akinnuoye-Agbaje). Desesperado para reencontrar Walt, Michael acaba traindo seus amigos e “entrega” Jack, Kate e Sawyer aos outros.
O terceiro ano da série começa com Jack, Kate e Sawyer sendo levados para uma outra ilha próxima, onde aprendemos mais sobre os “outros”. E ficamos sabendo maiores detalhes sobre os planos de Ben Linus (Michael Emerson), líder do grupo. Com um grave problema de saúde, ele precisa de Jack para salvar sua vida. Em outra frente, os sobreviventes fazem contato com um navio cargueiro que está próximo à ilha. E que Desmond acredita ser de sua ex-namorada Penny (Sonya Walger). Eles então, buscam uma forma de acabar com uma interferência de sinal que impede que o navio encontre a ilha (#RIPCharlie). Ao final, nos deparamos com um revolucionário flashfoward que revela que algumas das pessoas conseguiram deixar a ilha.
Começando a quarta temporada, dividimos a atenção entre Jack, Kate, Aaron, Sun, Sayid e Hurley fora da ilha, e os acontecimentos que possibilitaram isso. Boa parte envolve os mercenários enviados à ilha por Charles Widmore (Alan Dale). Ao final, acompanhamos o resgate dos seis sobreviventes, enquanto que Ben e Locke embarcam numa nova missão: mover a ilha de lugar. É importante lembrar que o quarto ano foi o mais irregular da série, muito por causa de uma greve de roteiristas que parou Hollywood e prejudicou o processo de produção. Não por acaso, foi a temporada com o menor número de episódios, apenas 14.
O penúltimo ano representou uma nova revolução narrativa na série, que abordou a questão da viagem no tempo. Após Ben mudar a ilha de lugar, os personagens que ali permaneceram passaram um tempo migrando entre vários anos até se fixarem nos anos 70, passando a fazer parte do time original da Dharma. Fora da ilha, Jack está cada vez mais determinado a retornar. E tenta, com a ajuda de Ben, reunir todos aqueles que foram resgatados. Locke sai da ilha para convencer os “amigos” a voltarem, e acaba assassinado por Ben. Todos acabam decidindo retornar, o que de fato acontece. O problema é que Jack, Kate, Sayid e Hurley retornam nos anos 70, onde estão os amigos, enquanto que Ben, Sun e um ressuscitado Locke aparecem na linha de tempo do presente. Paralelamente, Locke decide matar Jacob, enquanto que Jack se convence de que explodindo uma bomba nuclear na ilha ele apagaria todo o futuro em que o avião da Oceanic 815 se acidenta no local. Ao final, Jack – com o sacrifício de Juliet – consegue explodir a bomba e Locke, com a ajuda de Ben, mata Jacob. Não sem antes descobrirmos que o verdadeiro Locke continuava morto e que aquele usando seu corpo era o Homem de Preto que disputava com Jacob o controle da ilha durante todo aquele tempo.
A ideia de Jack era que, ao explodir a bomba, nada do que viveram valeria. Que haveria um reset em que o famoso voo vindo de Sidney finalmente pousaria em Los Angeles, com todos os passageiros a salvo. A sexta temporada realmente mostra o que aconteceria com o avião nunca caindo na ilha. Acontece que, ao mesmo tempo, a trama continuou para todos os que estavam no local, com a bomba não tendo efeito algum sobre as pessoas, com a exceção de jogá-las para o presente.
A partir daí, seguimos todos os personagens continuando suas vidas fora da ilha, enquanto que, no local, os remanescentes se dividiam entre Jacob e Homem de Preto para continuar suas missões.
É aí que entra o capítulo final, “The End” (S06E16). No mesmo, Locke tenta usar Desmond para destruir a ilha e matar todas as pessoas ali, o que permitiria que ele mesmo deixasse o local. Jack, por sua vez, assume o posto de substituto de Jacob como cuidador da ilha, e fará de tudo para impedir o vilão. Enquanto isso, todos os sobreviventes do Oceanic 815 se encontram aos poucos fora da ilha e vão percebendo que há algo de estranho naquela realidade paralela. No apagar das luzes, Jack se reencontra com seu pai em uma igreja, quando o último explica de certa forma tudo o que aconteceu. Na sequência, temos um belo reencontro com todos os principais personagens da série, na mesma igreja. Ali, todos se unem para fazer a “caminhada” para um lugar melhor, o Céu, numa interpretação mais clara.
Mas eles estavam mortos no final das contas? Sim, mas não o tempo todo. Vamos tentar deixar mais claro. Tudo o que aconteceu na ilha ao longo das cinco primeiras temporadas de fato aconteceu, inclusive a ida e volta dos seis sobreviventes, as viagens no tempo e no espaço e por aí vai. A parte do “eles estavam mortos” vale apenas para os flash paralelos da última temporada, que é a realidade alternativa em que o avião pousou são e salvo em Los Angeles. Este arco narrativo representa uma espécie de purgatório em que todos aqueles personagens permaneceram até que pudessem se reunir. E o fato de todos se manterem com o mesmo visual não significa que todos morreram ao mesmo tempo. Jack, por exemplo, morre na ilha logo após salvar a mesma. Hurley fica como o “novo Jacob”, enquanto que Claire, Sawyer e Kate escapam de avião. Não há como saber o que aconteceu com cada um deles. Apenas que um dia vieram a morrer, e que acabaram por se reencontrar na igreja.
Escrito por Damon Lindelof e Carlton Cuse, e dirigido por Jack Bender, o episódio final honra seus personagens principais e oferece um tocante desfecho ao fãs. Obviamente, Lost pode ter deixado perguntas sem resposta. Mas desde quando precisamos de todas as respostas? Há beleza na incerteza da vida e do destino. E mesmo quando se descobre seu lugar no mundo, pode não haver a sensação de completude que se espera.
Os fãs de The Leftovers vão lembrar que Lindelof também optou ali por um final quase deslocado da narrativa principal, em que a celebração dos personagens valia mais do que eventuais respostas para teorias de fãs. Lost pode ter sido um quebra-cabeças bem difícil de montar, mas que ofereceu uma jornada proveitosa e um final bem satisfatório. Incluir o final da série em qualquer lista de “piores finais” é mais do que equivocado. É não se permitir enxergar beleza nas coisas simples.