Se tem um diretor atual que conhece como ninguém os altos e baixos da profissão, esse cineasta é M. Night Shyamalan. Sua carreira pode ser dividida em fases. Teve seu surgimento em cena como um verdadeiro fenômeno; a fase pretensiosa onde se achava um gênio acima de falhas; a fase de diretor de aluguel de blockbusters; a fase da humildade (onde se reencontrou e fez as pazes com o sucesso); e a recente “subida de bola” que novamente chega para prejudicar sua carreira. Ou seja, o diretor é melhor quando está se recuperando de um fracasso e buscando novamente o prestígio.
Shyamalan possui grandes filmes ainda citados como proeminentes do gênero. E Shyamalan possui também alguns dos piores filmes dos últimos anos, em especial quando se levam a sério demais achando ser a oitava maravilha do mundo. Pensando nisso e pegando o gancho da estreia de Tempo, resolvemos criar uma nova matéria homenageando o diretor. Mas não apenas isso, aqui ao invés de falarmos de seus filmes, iremos ranquear as reviravoltas contidas em suas produções. Portanto, tenha em mente que o ranking não diz respeito ao filme como um todo, e sim apenas aos seus desfechos.
Além disso não levarei em conta as séries do diretor, vide Wayward Pines e a recente Servant. Ah sim, lembrando que o ranking vai da pior à melhor reviravolta – e reflete a opinião deste que vos escreve (deixe a sua nos comentários). E claro, o texto conterá spoilers sobre os desfechos dos filmes do diretor.
#11 – Diabo Fanfarrão
Sim, Demônio (2010) é um filme de M. Night Shyamalan. Embora não tenha sido dirigido pelo cineasta, tem produção, roteiro e a proposta era que lançasse o selo de terror de Shyamalan, o Night Chronicles, que morreu na praia logo na largada devido à recepção do filme. Night só não dirigiu porque estava ocupado com O Último Mestre do Ar, também lançado em 2010, e que por sinal não se encontra na lista por não possuir uma reviravolta propriamente dita.
O lance com Demônio é que é simplesmente idiota demais. A proposta era ter cinco pessoas presas em um elevador, sendo uma delas o próprio diabo se divertindo um pouco com os humanos. A ideia é criativa e poderia render um grande suspense ou terror, enquanto os espectadores nervosos brincam de adivinhar quem é o coisa ruim. O resultado, porém, trouxe o diabo apagando a luz do local para dar mordidas nas pessoas?!! Fora isso, trapaceia sobre a identidade verdadeira, já que mata o culpado, só para depois trazê-lo de volta.
#10 – Agência anti-heróis
Decepção, teu nome é Vidro. Acho que agora, dois anos após a estreia do filme, podemos finalmente dizer: Vidro não é bom. Pelo contrário, jogou na privada nossas expectativas sobre o encontro de dois outros grandes filmes do diretor: Corpo Fechado (2000) e Fragmentado (2017). Depois de sua nova subida rumo ao sucesso com A Visita (2015) e Fragmentado, o mundo estava novamente de olho no diretor, e Vidro era um projeto ambicioso.
Esse é justamente o problema com o diretor, para ele, ser ambicioso vem atrelado a ser pretensioso. Assim, ao invés de uma trama muito legal sobre heróis reais vivendo no nosso mundo, Shyamalan inexplicavelmente decide centrar o filme todo dentro de um hospital psiquiátrico com os protagonistas presos grande parte da projeção. E o final? Não poderia ser mais anticlimático e broxante, com um grupo secreto trabalhando para exterminar “os super” da face da Terra, e pior, tendo êxito, eliminando da pior forma possível qualquer possibilidade da história continuar.
#9 – Shyamalan, o salvador do mundo
Essa era a fase em que o diretor havia iniciado uma guerra com os críticos de cinema, numa birra após metade dos jornalistas terem detonado A Vila (2004). Assim, neste trabalho seguinte, Shyamalan criou para si como ator no filme um personagem importante (o seu maior até então): um escritor cujo texto será responsável por salvar o mundo!? E não, não é uma paródia. Ele leva essa história a sério! A tentativa era dar um tapa de luva de pelica nos jornalistas, e para isso o cineasta inclusive inclui na trama um crítico de cinema (esse sim, um personagem pedante na visão do diretor), o vilão da história, a quem Shyamalan tratou de dar uma morte horrível no filme.
Será que o diretor não percebeu realmente quem estava sendo pretensioso e egocêntrico com estes argumentos? Tudo é muito ruim no texto de A Dama na Água, um exercício em futilidade extremamente enfadonho, saído de um conto de fadas de ninar que o diretor contava para seus filhos (só ele para levar algo assim para os cinemas na forma de uma produção de milhões de dólares). Resultado: é bobo demais para os adultos e sombrio demais para as crianças. Ah sim, a reviravolta aqui é saber quem dentre os condôminos de um prédio que mais parece um manicômio irá desempenhar papeis numa guerra mitológica contra criaturas meio lobo meio planta – e sim, o crítico de cinema e o personagem de Shyamalan estão no meio disso.
#8 – Extraterrestres “Cascão”
Sinais (2002) não é um filme ruim, muito longe disso. De fato, na época, trouxe de volta o nome do diretor ao topo das bilheterias, fazendo as pazes com o sucesso após a recepção morna de Corpo Fechado (2000). Em matéria de críticas e público, Sinais lembrava mais O Sexto Sentido. Desta vez, ainda mais puxado para o terror, sem esquecer do drama, o elemento sobrenatural era a presença de possíveis alienígenas visitando nosso planeta e encontrando humanos incautos numa cidade rural do interior dos EUA. Até aí tudo bem.
Embora ninguém tenha percebido muito na época ou realmente ligado, com o passar dos anos um fato no filme começou a incomodar demais os fãs e a ser debatido constantemente nas redes sociais: sim, existem alienígenas no filme e a única coisa capaz de derrota-los é… água! E como assim essas criaturas vêm para um planeta onde a maior parte que o constitui é justamente a substância que pode mata-los?! Bom, ao longo dos anos também surgiram argumentos defendendo o roteiro de Shyamalan. Dentre as possíveis explicações estaria o desesperado desta raça ou simplesmente o fato de terem mandado na frente os “espiões” para averiguarem a situação por aqui e retornar para informar.
#7 – A “força” de Will Smith jr.
Este filme trouxe Shyamalan apenas como diretor de aluguel, o que não deixa de ser triste para um realizador autoral como ele, que surgiu fazendo tanto barulho. Tudo bem, ao menos ele estava colaborando com o astro Will Smith e sua família, baseada em uma ideia do próprio sobre os mantras da cientologia, e estaria realizando uma obra de ficção científica e ação, numa superprodução – um tipo de obra a qual não estava acostumado. Sem dúvida Depois da Terra trouxe uma experiência muito enriquecedora para o diretor como profissional.
Deu certo? Não muito. O filme não tem nada de verdadeiramente especial. Nem mesmo a reviravolta podemos dizer que é daquelas tão ruins (como as citadas acima) que nos deixa de queixo caído. É simplesmente… bléh. Aqui, logo de cara nos dizem que o planeta onde Will Smith pai e “Will Smith filho” caem é a Terra, tirando qualquer possibilidade de surpresa, vide O Planeta dos Macacos. Fora isso, a verdadeira reviravolta é saber que o monstro conhecido como Ursa escapou e que a prole de Smith precisa superar seu medo e enfrenta-lo, deixando fluir o seu “rage”, uma espécie de “força” do filme.
#6 – Plantas matam, mas será que falam?
Aqui temos o oposto de Sinais (2002), um bom filme com uma reviravolta, digamos, que deixa a desejar. Fim dos Tempos é um filme ruim, com uma reviravolta que até faz sentido na trama, não é das mais imbecis e que, se fosse bem trabalhada num filme melhor, seria melhor aceita. Fim dos Tempos soa muito como um episódio de Além da Imaginação (Twilight Zone). Na época foi muito vendido por ser o primeiro filme de censura alta de Shyamalan e seu projeto mais declaradamente dentro do terror. Ok, gostamos.
A ideia é que pessoas em massa começam a se matar, e logo os EUA suspeitam de algum ataque terrorista químico. Boa, tocando na paranoia americana. No fim das contas, tudo estava relacionado a uma substância exalada pelas plantas através do vento. Tudo bem, tem algum respaldo científico. O maior problema aqui é que o filme possui muitas, mas muitas mesmo, cenas ruins, como quando Mark Wahlberg fala com uma planta (e pior, ela é de plástico) – a cena já virou meme e gerou um quadro no SNL. Fora isso, as atuações, em especial de Wahlberg e Zooey Deschanel (que faz sua esposa no filme) estão piores do que iniciantes em um curso de teatro. Bem, talvez seja o diálogo duvidoso que Shyamalan os serviu.
#5 – O “mentor” era o terrorista
Shyamalan abre o filme com uma cena impactante. Numa viagem de trem, um terrível acidente mata todos os passageiros, menos um. E não apenas isso, o sujeito sai ileso. Uma premissa para lá de intrigante, que poderia seguir por diversos caminhos. O escolhido pelo diretor foi fazer um comentário sobre super-heróis de quadrinhos, numa bela homenagem, e questionar como seria se eles vivessem realmente entre nós. Tudo bem… continua sendo único e precursor para a época. Mesmo que no percurso recaia a alienar a todos que não necessariamente sejam adeptos do subgênero.
Afinal, todos estavam indo ao cinema assistir ao novo filme do diretor de O Sexto Sentido. Ainda assim viveu para ser um dos mais cultuados do cineasta, especialmente pelos nerds. Agora, a reviravolta em si… bem, digamos apenas que deixou muita gente a ver navios, pelo mesmo motivo comparativo com O Sexto Sentido. O protagonista é inquebrável. Sua contraparte se quebra com facilidade. O protagonista descobre que o “sr. Vidro” foi o responsável pelo atentado no trem, assim como vários outros atos criminosos, e o fez apenas para encontrar sua antítese, se revelando como um super-vilão.
#4 – Esses não são os seus avós
Depois de um período em baixa, Shyamalan encontrou o caminho de volta rumo ao topo, e sua redenção foi esta pequena obra despretensiosa, que foi sendo descoberta aos poucos pelos fãs, sem fazer muito alarde em sua estreia. Para tal, o diretor aderiu a um estilo que estava em voga na época, o found footage. Sem nomes muito conhecidos no elenco, A Visita é quase uma experiência documental. Na trama, dois adolescentes vão passar um tempo na casa dos avós, os quais não tinham muito contato devido ao relacionamento não muito saudável entre sua mãe e eles. Assim, a mãe manda os filhos para outra cidade para ficar com os parentes, enquanto todos os dias fala com as crias através de ligações em vídeo.
A primeira reviravolta é que os idosos estão se comportando de forma completamente bizarra e assustadora. Estariam eles possuídos? Seriam alienígenas disfarçados? Vampiros? Não, aqui Shyamalan dá um tempo de elementos sobrenaturais para uma reviravolta final bem gélida e real. Acontece que os tais idosos não eram os avós dos meninos, e sim dois loucos fugidos de um manicômio das redondezas, que mataram os parentes dos protagonistas e assumiram seus lugares, inclusive recebendo os rebentos “em sua casa”. Macabro demais e uma das reviravoltas mais perturbadoras em um filme do diretor. Pena que ele se estende além da conta no terceiro ato.
#3 – A introdução do Shyamaverso
Depois de ter voltado à boa forma com A Visita de forma mais tímida, Shyamalan estava pronto para passos maiores. E o deu com este Fragmentado, cuja recepção o colocava de volta aos tempos áureos, lá da época de O Sexto Sentido e Sinais. Não bastasse o novo filme ser uma experiência arrepiante e pra lá de sombrio, que tocava em assuntos bem sérios como sequestro e abuso de jovens mulheres, também mostrava o lado mais delirante do autor, novamente voltando a usar temas que ficam entre o real e o sobrenatural.
Um verdadeiro tour de force do protagonista James McAvoy – que de tão impressionante, na época muitos pediam por sua indicação ao Oscar -, Fragmentado mostra o ator vivendo um sujeito dono de inúmeras personalidades, entre elas uma mulher e uma criança. E McAvoy realmente arrebenta. No final vislumbramos a fera tão temida e anunciada durante a projeção. Mas a verdadeira reviravolta veio quase na cena pós-créditos, que mostrava Bruce Willis de volta ao seu personagem de Corpo Fechado, anunciando o universo interligado de Shyamalan no cinema. A empolgação não podia ser contida. Pena que dois anos depois ganhamos Vidro…
#2 – A alegoria da caverna de Shyamalan
É neste momento que serei apedrejado. Mas calma, lembre-se que esta é a minha lista de melhores reviravoltas do diretor. Aceitamos todas as opiniões e por isso queremos que você coloque a sua aqui embaixo, nos comentários. Existem dois tipos de pessoas, os que odeiam A Vila e os que amam A Vila. Tudo bem, admito que os que odeiam provavelmente estão em maior número. O que posso dizer também é que os que odeiam estão errados (risos). Sim, A Vila é anticlimático também. Brinca de uma forma muito interessante, inventiva e aterrorizadora como o mito da Alegoria da Caverna de Platão – de onde também saíram obras-primas como O Show de Truman (1998), por exemplo. Aqui, uma comunidade vivendo numa aldeia rural da Pennsylvania de 1897, é atormentada por criaturas monstruosas que vivem numa trégua com os humanos, desde que estes não atravessem a floresta que cerca a aldeia.
Quando aparições das bestas se tornam mais constantes, um acidente fará uma jovem cega enfrentar seus medos e atravessar a floresta em busca de medicamentos. A ideia sem dúvida é ambiciosa. A primeira revelação é a que não existem os tais monstros de verdade. E essa acontece bem antes do filme terminar, o que talvez tenha sido um erro. A segunda e mais comentada é que de fato toda a história se passa nos tempos atuais, ou seja, em 2004 quando o filme foi lançado. A ideia por trás do porque os mais velhos criaram tamanha farsa é identificável e muito melancólica. Pode não ser um filme perfeito, mas uma de suas maiores qualidades é nos fazer temer algo, sem realmente saber o que. Capacidade de um bom contador de histórias. Ainda hoje, A Vila segue como obra subestimada e meu favorito na filmografia do diretor.
#1 – Bruce Willis estava morto
Não tinha como ser diferente. O Sexto Sentido é a obra-prima de M. Night Shyamalan e também sua maldição. Pouquíssimos são os casos de um diretor que chega em cena chutando a porta com os dois pés como Shyamalan fez aqui. Em pouco tempo, ele era enaltecido como o novo Deus da sétima arte e isso foi algo bem nocivo para sua carreira. Especialmente porque após a reviravolta aqui, todo mundo esperava que seus próximos filmes seguissem nessa linha. As produções de Shyamalan precisavam ter uma reviravolta criativa, inteligente e chocante. Todos os outros filmes de sua carreira possuem detratores.
Com O Sexto Sentido pode até ser que exista um ou outro maluco que diga que não goste para chamar atenção, no demais é um filme bem unânime. E por mais que não seja necessariamente o meu favorito, é indiscutível que é o favorito da maioria, em especial do grande público. Nessa não tem erro. Bruce Willis estava morto o tempo todo. O menino que via gente morta era uma distração muito clara para o que era óbvio e estava o tempo todo na nossa frente. Como não vimos? Talvez os poucos que não gostem tenham sido os que receberam spoilers de “amigos” que viram o filme antes. O Sexto Sentido também pode ser considerado um dos carros-chefes do movimento “não conte o final” (conhecido hoje como spoilers) para os novos tempos.