Fundada em 31 de agosto de 1939, a Marvel chegou aos 85 anos como um verdadeiro império do entretenimento. Nascida com o nome de Timely Comics, ele chega sob forte influência de um gênero de gibis – e cinema – que acabou caindo no esquecimento com o passar dos anos: o Faroeste. Isso se deu porque seu grande fundador, Martin Goodman, era filho da chamada ‘Grande Depressão’. Com os EUA em crise, ele rodou o país atrás de emprego até se encontrar em Nova York, onde começou a trabalhar com editoras de revistas ‘pulp’.
Essas revistas eram feitas com polpa de celulose, um papel mais barato – considerado menos nobre – e que permitia a produção de maior quantidade de exemplares. Não havia um gênero específico dessas revistas, mas predominavam a ficção científica, o faroeste e as tramas noir. Ou seja, era um entretenimento sem muita preocupação técnica, voltada para uma diversão rápida. Um ‘fast food’ artístico. Com esses trabalhos na bagagem, Martin se arriscou e abriu uma sociedade para lançar a editora que viria a se tornar a Archie Comics. Mais tarde, em sua nova empreitada, foi a vez da Timely, a futura Marvel.
Porém, com nomes como Superman e Batman fazendo sucesso na DC, eles entenderam que era a vez de arriscar no mercado dos super-heróis, mas sem perder a identidade que havia consolidado as revistas pulp. Dessa forma, Martin lança a Marvel Mystery Comics #1, em outubro de 1939, trazendo ao mundo os dois primeiro ícones do panteão de supers da Universo Marvel: Namor, o Príncipe Submarino, e o Tocha Humana. E foi um sucesso estrondoso de vendas.
Para encorpar o time da Timely, ele contratou nomes como Joe Simon e Jack Kirby, além do primo de sua esposa, um tal de Stanley Martin Lieber, que começaria como auxiliar de escritório e viraria quadrinista, assinando suas obras com o nome Stan Lee. A maioria vinha do time da Funnies Inc, que criava histórias bem-humoradas. Esses nomes coincidiram com a chegada da Segunda Guerra Mundial, trazendo para os quadrinhos um cenário muito propenso a explorar a criatividade dos quadrinistas: os heróis atuando no front. Daí surgem nomes como o Capitão América, Bucky, Miss América e muitos outros.
Os anos 40 foram excelentes para a Timely, que virou sucesso entre a molecada, que não tinha TV para acompanhar as notícias da guerra, então restava ouvir as notícias no rádio e ler as revistinhas com os super-heróis defendendo os interesses do país no front. Com o fenômeno dos heróis, outras revistas da editora foram ganhando verba para lançarem histórias de terror, religiosas, de espionagem e até mesmo sobre personalidades famosas da época. O céu era o limite. Ou assim parecia…
Na década de 1950, com o fim da Segunda Guerra Mundial, os super-heróis perderam o apelo. Com uma crise financeira chegando, eles mudaram o nome da Timely, que passou a ser chamada de Atlas Comics. Houve também uma mudança editorial, que priorizou as histórias essencialmente infantis, em vez de produzir contos para jovens, como vinha fazendo na reta final da última década.
Houve uma tentativa de reviver seus super-heróis, mas parecia não haver mais espaço para eles no gosto popular. O sucesso da vez eram as histórias de monstros e as grandes criaturas que dominavam os cinemas e matinês. Porém, na virada dos anos 50 para os 60, a DC teve êxito em seu projeto de resgatar os heróis.
Vendo o sucesso da concorrência, em 1961, a Atlas virou Marvel Comics e Stan Lee ganhou liberdade para reformular a empresa e implementar o chamado ‘Método Marvel’, em que os artistas desenhavam as histórias e a equipe de texto escrevia os argumentos com base na arte. Mas havia algo além desse método que fez toda a diferença: enquanto a DC olhava para o espaço e as ameaças megalomaníacas, a Marvel olhava para o cotidiano.
Suas histórias não eram ambientadas em planetas distantes ou terras exóticas, mas no quintal de casa, em Nova York. Seus heróis tinham superpoderes, mas seus dilemas pessoais ocupavam mais espaço nas páginas do que as ameaças dos vilões. Dessa proposta, surgiram nomes como Quarteto Fantástico, Homem de Ferro, Incrível Hulk, X-Men, Demolidor, Wolverine, Vingadores e claro, o Homem-Aranha.
Na década de 60, a Marvel ‘nadou de braçada’, tirando as histórias em quadrinhos exclusivamente das mãos das crianças e levando esses gibis para as universidades. E como os times criativos eram provenientes daquela leva de quadrinistas da Funnies, trazida por Martin como apostas nos anos 40, o bom humor era presença certa nos textos. As tramas jovens e divertidas trouxeram uma leveza para as propostas típicas da ficção científica.
O debate chegou aos estudiosos da época, que começaram o debate se gibis eram literatura ou não. Mas isso pouco importava para os fãs, que viram seus heróis ganharem as telas entre as décadas de 1970 e 1980. Se nos quadrinhos os super-heróis viviam uma fase mais sombria, com histórias mais adultas e repletas de dilemas tensos, os desenhos animados adaptavam de forma simples as HQs dos anos 60, enquanto as séries de TV tinham suas liberdades criativas para fazerem de heróis como O Incrível Hulk e o Homem-Aranha ‘furarem a bolha’.
Dessa forma, a Marvel deixou de ter apenas heróis dos quadrinhos e passou a te verdadeiros ícones da Cultura Pop sob seus domínios. Na categoria de TV, por exemplo, a empresa produziu animações como Transformers e Caverna do Dragão.
Na década de 1990, a maior crise da história da empresa levou a Marvel a tomar medidas desesperadas. Comprada pelo empresário Ronald Perelman na reta final dos anos 80, a Marvel viu as promessas de lançar uma quantidade maior de títulos de quadrinhos virar fumaça, dando espaço às acusações que Perelman havia desviado verba da empresa para seus uso próprio. Ele também fechou o estúdio de animação e a editora se viu em meio a uma crise financeira sem precedentes.
Após uma longa batalha judicial, Isaac Perlmutter, da Toy Biz, assumiu o controle da Marvel em 1997 e apertou os cintos da empresa. Ele licenciou os heróis para adaptações cinematográficas e vendeu os direitos para estúdios como Sony e 20th Century Fox. A medida foi controversa, mas deu certo. Para tentar lucrar mais, os quadrinhos lançaram um novo selo de histórias adultas, o Marvel MAX, e foi estabelecida a filosofia de renovar os heróis para os tempos atuais.
Os anos 2000 chegaram e as adaptações dos super-heróis da Marvel começaram a fazer sucesso nas telonas. Filmes como Blade, X-Men e Homem-Aranha fizeram dos ícones Marvel fenômenos de popularidade e sinônimo de boa bilheteria. E apesar da Marvel Comics não lucrar diretamente, eles recebiam uma verba monstruosa de produtos licenciados e indiretamente lucravam com o interesse público pelos heróis dos quadrinhos.
Assim surgiu o Universo Ultimate, que repaginava os supers para a realidade dos tempos atuais e traziam elementos próximos dos filmes. No universo regular, os heróis foram encontrando seus públicos novamente até chegarem a uma verdadeira revolução nas HQs: Guerra Civil. A saga reuniu todos os títulos da empresa e fez o maior crossover da história desse universo, mobilizando fãs no mundo inteiro a comprarem até mesmo títulos que não acompanhavam regularmente para não perderem nada dessa trama eletrizante.
Em 2008, em parceria com a Paramount, um antigo sonho do produtor Kevin Feige tomou forma. Ele queria fazer filmes que se conectassem nos cinemas, reunindo os principais heróis da Marvel em grandes produções cinematográficas. O primeiro e o segundo capítulos foram lançados naquele ano, com Homem de Ferro e O Incrível Hulk, este último lançado em parceria com a Universal. Assim nasceu o Universo Cinematográfico Marvel.
Houve quem não botasse fé no projeto, principalmente depois da escalação de Robert Downey Jr., um dos atores mais problemáticos da época, já que havia sido preso e convivia com um complicado vício em drogas, mas foi justamente desta união inesperada que surgiu a galinha dos ovos de ouro da Casa das Ideias. O longa virou um sucesso, Downey Jr. ficou eternizado no papel e o Marvel Studios virou realidade.
No ano seguinte, em 2009, um acordo bilionário chocou – e mudou – o mundo do entretenimento de uma vez por todas. A Disney abriu os bolsos e comprou a Marvel pela bagatela de 4 bilhões de dólares. O valor impressiona, mas quando se percebe que somente Vingadores: Ultimato (2019) arrecadou cerca de 2,8 bilhões em bilheteria, fica claro que o Mickey pagou barato na Casa das Ideias.
Com a nova parceria, a Marvel nunca mais passou dificuldade financeira e passou a dominar não apenas as bancas de jornais, mas também os cinemas, as TVs e agora os streamings. O sonho de Kevin Feige virou realidade e a Marvel virou, por mais de uma década, sinônimo de qualidade e sucesso. Atualmente, porém, a empresa passa por uma reformulação interna, já que recuperou os direitos de praticamente todos os seus personagens, ficam sem o controle apenas do Homem-Aranha e seus personagens, que participam dos filmes por meio de um acordo costurado com a Sony.
Há quem diga que a Marvel passa por uma crise atualmente, mas com o sucesso de Deadpool & Wolverine, que passou dos 1,2 bilhão de dólares em bilheteria e ainda segue em cartaz, parece que a tal crise começou a ser contornada.
São 85 anos de altos e baixos e milhares de personagens inesquecíveis que marcaram e vão marcar a vida de bilhões de pessoas pelo mundo. Um marca dos sonhos para qualquer empresa que viva do entretenimento.