Sucesso absoluto nos EUA, o programa Saturday Night Live revolucionou a TV norte-americana e deu palco para alguns dos maiores comediantes da história do país, que eventualmente foram brilhar nos cinemas e alcançaram fama mundial. Nomes como Bill Murray, Dan Aykroyd, Chevy Chase e muitos outros ‘explodiram’ nas telinhas antes de chegarem às telonas, fazendo do SNL o humorístico de maior prestígio da televisão dos EUA.
Mas nem sempre foi assim. E é justamente essa fase de “vacas magras” que o cineasta Jason Reitman explora em Saturday Night: A Noite Que Mudou a Comédia. Ainda sem data de estreia no Brasil, o longa é uma aventura cômica frenética sobre os bastidores da noite de 11 de outubro de 1975, data de estreia do Saturday Night Live, trazendo a público todos os diferentes tipos de caos que marcaram o lançamento do programa que quase foi cancelado em cima da hora.
O longa é contado pela perspectiva do criador e produtor do programa, Lorne Michaels (Gabriel LaBelle), que teve de resolver as incontáveis pendências do programa de estreia, que estava sendo ameaçado pela direção do canal de sequer ir ao ar, faltando cerca de uma hora para o início do show. E é justamente em seu protagonista que reside o maior mérito. Quem já trabalhou em televisão certamente vai sair apaixonado da sessão, já que o filme consegue retratar com maestria a ansiedade e urgência que esse tipo de produção exige. E utilizar a figura de um produtor para conduzir a trama foi genial, porque é o profissional que fica sobrecarregado com as exigências e jamais pode ‘explodir’ ou perder o controle, senão o programa não acontece.
A atuação de LaBelle é muito sutil e competente. Ele não tem um grande rompante, mas é em suas expressões contidas que seu personagem diz tudo. Para intensificar essa sensação de ansiedade, a direção de Jason Reitman aposta em duas estratégias muito eficazes. A primeira é demarcar os horários em que cada situação acontece. Isso passa uma sensação de urgência terrível, ainda mais porque ele sempre termina a marcação com o relógio avançando um minuto, fazendo com que o público também sinta estar atrasado. É algo bobo, mas ajuda a galera a entrar na pele de Lorne.
Mas a melhor ação da direção para criar esse senso de urgência é a aposta em planos-sequências que transitam entre os personagens nas situações mais caóticas. Tem vezes que você embarca em uma cena para resolver um problema, aí entra o Chevy Chase (Cory Michael Smith), por exemplo, e te carrega para uma problemática dele em outro núcleo. E sem ter os cortes de câmera, o público fica sem tempo para respirar, exatamente como Lorne e o resto do elenco.
É um projeto que transpira televisão e apesar de funcionar perfeitamente para quem conhece esse mundo de bastidores, é tudo conduzido de forma tão autêntica, divertida e caótica que certamente cativará a diversos públicos. Isso certamente foi uma preocupação das distribuidoras. Afinal, o SNL é um fenômeno cultural dos EUA, mas o programa em si não é algo de alcance mundial. Como vender um filme que teoricamente é fortalecido pela nostalgia para países que não viveram esses quadros clássicos, essas piadas na época? O Brasil mesmo tem um apego praticamente negativo com o Saturday Night Live, mas mesmo que boa parte do público não conheça os personagens retratados em tela, eles são tão perfeitamente conduzidos e interpretados que não tem como não embarcar na proposta do longa.
Para quem é familiarizado com os personagens, então… O filme é um tiro certeiro no coração dos fãs. Ver esses ícones da comédia sendo retratado de forma tão fiel, politicamente incorreta e divertida é um deleite. Isso se deve ao próprio Reitman, que cresceu em meio a essa trupe revolucionária da TV norte-americana. Ele retrata os ícones, os cenários e os quadros com uma ótica glorificada, típica de quem se apoiou em memórias infantis para homenagear esses tempos diferentes.
E ver essa diferença de condução do programa e situações que parecem impensáveis nos dias de hoje, como ter um menino implorando para que as pessoas entrassem em um estúdio para ver a gravação de um novo programa de TV, ou ver um executivo ameaçando não exibir um programa já anunciado na grade televisiva simplesmente por achar que ele não vai dar certo, ou ainda ter de ir atrás do astro do programa faltando cinco minutos para o início porque ele decidiu patinar no gelo… São coisas tão absurdas que você pensa: “isso realmente aconteceu, porque ninguém seria sádico o suficiente para pensar em maldades desse tipo para com o pobre Lorne”.
E vale destacar o trabalho de caracterização espetacular feito pela equipe. Nunca na vida pensei que enxergaria o Dan Aykroyd no Dylan O’Brien, mas ele não apenas convence, como também diverte no papel. É um elenco realmente escolhido a dedo e que jamais decepciona. Destaque para os veteranos Willem Dafoe e J.K. Simmons, que mantém seu já reconhecido padrão de qualidade.
No fim das contas, Saturday Night: A Noite Que Mudou a Comédia é uma gratíssima surpresa por conseguir fazer humor universal e não apenas se apoiar em memórias enlatadas para norte-americanos. É um filme que te prende, te deixa tenso, mas, acima de tudo, te diverte.
*Filme assistido na 48ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo.