Mostra SP | Crítica: ‘The Surfer’ faz viagem alucinógena com Nicolas Cage na Austrália

Praias são um ambiente muito complexo. Diante das diferentes sociedades do mundo, elas parecem ser o último resquício do encontro do ser humano com seu lado animal. Pois é nelas que as roupas se encurtam, os corpos se exibem e as pessoas entram em contato com a natureza da forma mais pura e simples possível. Em algumas culturas, as praias assumem também um papel místico e religioso. É nos mares que muitos se despedem de seus falecidos, despejando as cinzas por lá, é nas águas que os adeptos celebram e entram em contato com suas divindades. No Brasil, inclusive, existe o tradicional pulo das sete ondas no ano-novo.

No Brasil, existem pouquíssimos lugares tão democráticos quanto as praias. Não importa se você é pobre ou se você é rico, você pode ter acesso gratuitamente às areias quentinhas e ao mar. E por lá convivem todas as idades, gêneros e classes sociais. Porém, no mundo, essa é uma tendência que foi abandonada há alguma tempo. A mazela da privatização das praias elitizou o contato com a natureza, fazendo com que classes econômicas consideradas ‘mais baixas’, indesejadas pela elite, ficassem distantes do mar.

Dois homens em frente a cabine com placa 'SANC'.
Nesse contexto, The Surfer, novo filme de Lorcan Finnegan, estrelado e produzido por Nicolas Cage, brinca bastante com essas polêmicas e mazelas sociais de forma bastante incômoda e alucinógena. A trama se passa em uma praia da Austrália e acompanha um empresário que se mudou da região quando ainda era criança e fez carreira nos EUA, onde prometeu que juntaria dinheiro o bastante para voltar a sua casa de infância e aproveitar as ondas com sua família. Chega a oportunidade dele comprar o local, então ele leva seu filho para surfar e contar a novidade. O problema é que ele descobre da pior maneira que a praia que tanto marcou sua vida foi tomada por um culto tóxico à masculinidade, bancado por um influente membro da sociedade. Ele é expulso e humilhado em frente ao garoto, mas promete não desistir.

Após o garoto ir para casa, o empresário estaciona seu carro em frente a praia e começa a buscar meios de enfrentar essa gangue de drogados marombados superviolentos e acaba embarcando em uma jornada extremamente angustiante que o levará até o limite da humanidade, fazendo com que ele aceite os maiores absurdos possíveis para conseguir seu objetivo.

Nos últimos anos, Nicolas Cage vem recuperando sua carreira ao aceitar personagens excêntricos em filmes diferentes daqueles louvados pelos padrões Hollywoodianos. E nesse caso aqui, por mais inusitado que seja imaginar Cage como um surfista, ele dá show naquilo que sabe fazer de melhor: perder a sanidade em tela. O filme aposta no sol como um personagem silencioso, mas mortal. Ele influencia diretamente nas ações do surfista, que fica observando a gangue da beira da praia, enquanto negocia sua casa com o agente por telefone. O sol também influencia diretamente no uso da câmera, e aí o filme ganha os contornos alucinógenos. O protagonista delira, confunde suas memórias do passado com as do presente e até mesmo acredita estar vivendo ao lado de uma versão futurista sua, como se esse mendigo fosse um tipo de guia espiritual vindo do futuro para orientá-lo nesta briga.

E o mais incrível da direção de Lorcan Finnegan é que as dúvidas do protagonista são transpostas para o público. Você não sabe o que acontecerá a seguir e nem se aquilo que é mostrado em tela está acontecendo mesmo ou se é tudo um grande delírio de Cage. Em meio a essa viagem, seu personagem cruza o caminho de diferentes personalidades, algumas ligadas a essa gangue de surfistas, já outras mais alheias. E aí que surgem os debates sobre o real sentido da vida, o quanto vale arriscar pela nostalgia, o papel dos influenciadores e falsos messias, e até mesmo sobre as privatizações das praias.

Homem ferido segurando bala dentro do carro.

No entanto, como disse antes, é um filme angustiante, quiçá enlouquecedor. O trabalho de Cage é realmente fantástico, porque ele flerta com o caricato, mas convence como poucas vezes em sua carreira de que está enlouquecendo. Ele é obstinado, ele entra em desespero, ele se animaliza, mas jamais desiste. É como se ele convidasse o público a perder a sanidade junto com ele e o convite é realmente tentador. Junto às câmeras trêmulas de Finnegan, é uma oportunidade perfeita para sair completamente desorientado da sala de cinema.

Mas é aquilo, para gostar do filme, é fundamental embarcar na viagem alucinante e alucinógena proposta pelo elenco e pelo protagonista. Se você não comprar os primeiros 15 minutos do longa, dificilmente se interessará pelo resto. Só que é um longa tão cruel e tão bruto, que fica complicado não se prender para saber até ele irá.

Surfista com prancha na praia ensolarada

No fim das contas, é um filme complexo e interessantíssimo que vale a pena ser visto nas telonas, é um daqueles que te faz sair questionando a própria realidade. Apesar de ainda não haver data de estreia para o Brasil – chuto que possa chegar no início de 2025 – ainda há uma sessão na Mostra SP nesta terça-feira (22) às 17h45 no Espaço Augusta.

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Pedro Sobreirohttp://cinepop.com.br/
Jornalista apaixonado por entretenimento, com passagens por sites, revistas e emissoras como repórter, crítico e produtor.

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