Passada de geração em geração há séculos, a lenda de Hua Mulan é uma amálgama celebratória que, justamente por seu caráter de origem oral, e não escrita, passou e ainda passa por diversas transformações temporais. Em suma, é uma espécie de exaltação aos princípios da mulher ideal, enquanto a heroína precisa desafiar a moral do patriarcado para honrar a própria família.
Acredita-se que ‘A Canção de Mulan’ seja a origem da lenda, datada do período da Dinastia Uei do Norte, que governou o norte da China entre 386 e 534. A primeira transcrição conhecida é do Século 6, e embora esta versão não exista mais em sua forma original, a personagem reaparece posteriormente uma antologia de canções e poemas, e seus constantes ressurgimentos ao longo de vários períodos da história chinesa fez com que ela permanecesse intacta na memória coletiva.
É este caráter constantemente adaptável da lenda de Mulan — que foi sendo acrescida de detalhes ao longo de gerações — que faz da personagem uma fonte de inspiração e esperança tão forte para o povo Chinês. Justamente devido aos seus ideais libertários, Mulan costuma ressurgir no imaginário popular sempre em períodos difíceis e de opressão. Por isso, indo além das duas versões da Disney (a popular animação e o recente live-action), catalogamos as outras adaptações que a história já ganhou para as telonas!
No cinema mudo
As primeiras versões de Mulan para o cinema datam de 1927 e 1928, e o primeiro adiciona algumas reviravoltas cômicas na história. Nessa versão, Mulan tem a cerimônia de casamento interrompida pela chegada da Guerra, e ela se alista no lugar do pai. Durante os treinamentos, chega a encontrar o noivo, que não a reconhece sob o disfarce de um homem. Os dois filmes foram lançados por estúdios rivais, e até os títulos são semelhantes: o de 1927 é chamado ‘Hua Mulan Joins the Army’, e o de 1928 é ‘Mulan Joins the Army’.
O clássico
Em 1939, tivemos o lançamento da primeira versão realmente bem-sucedida da lenda. Igualmente intitulado ‘Mulan Joins the Army’, o filme é utilizado como propaganda de exaltação do exército, num período em que a China precisava inspirar seus homens a defenderem o país. O filme chegou a quebrar recordes por ter ficado em exibição por 83 dias diretos.
No arco narrativo, Mulan conhece Liu Yuandu nos treinamentos do exército, e a atração natural que sentem é usada como uma espécie de alívio cômico, por Liu não entender a atração já que acredita que Mulan é um homem.
Após a guerra, na qual Mulan desenvolve um papel essencial para a vitória dos chineses contra os nômades, o imperador oferece a ela uma posição na côrte, que ela rejeita para retornar à família e ao papel feminino. Ela eventualmente se casa com Liu Yuandu, que também exerce o papel convencional masculino.
Lady General
Lançada em 1963, esta versão encontra uma China fragilizada após a 2ª Guerra Mundial. Hong Kong estava fragilizada após ser retomada dos japoneses pela Inglaterra. O conflito de identidade cultural dos residentes era forte por não saberem se identificavam-se com os chineses ou com os ingleses. Neste sentido, ‘Lady General Hua Mulan’ é usado para transmitir uma mensagem de união para os chineses residentes em Hong Kong.
As diferenças desta versão para as anteriores estão justamente na ideia de coletivo. Mulan consegue ir para o exército e se livrar de ser descoberta com a ajuda do primo, Hua Ping, e também cria um laço de amizade com o General Li, em quem confia algumas de suas inseguranças. Com o estudo e a observação, Mulan descobre que os inimigos estão preparando uma emboscada, e por isso o exército sai vitorioso.
A importância de Mulan para a vitória é reconhecida pelo supremo comandante, que, sem saber que ela é uma mulher, oferece sua filha em casamento. Sem querer ofendê-lo, ela finge um mal estar e se esquiva de responder à proposta, e acaba conseguindo voltar para casa. O supremo comandante ordena que alguns dos companheiros de batalha sigam Mulan para insistir no casamento, e é dessa forma que General Li descobre sua identidade, e ele concorda em se casar com ela.
Ascensão da Guerreira
Após o lançamento da animação da Disney, a lenda de Mulan ganhou atenção redobrada no âmbito internacional, e apesar de a versão não ter agradado na China, pelo distanciamento da história original e pelas modificações, surgiu uma vontade de vê-la sob uma ótica moderna.
É daí que vem ‘Mulan: Rise of a Warrior’, lançado em 2009 e que difere diagonalmente da animação de 1998. Um dos principais destaques desta versão é que ela se distancia de um ideal de ‘final feliz’, e o arco narrativo transmite uma mensagem que se aproxima de um ideal comunista de colocar a vontade coletiva acima da individual.
Ao longo do filme, Mulan precisa aprender, a duras penas, que para se dar bem no campo de batalha ela precisa deixar a sua emoção e seus sentimentos de lado. No fim, seu grande sacrifício para o bem da nação e a obtenção de paz é abrir mão do seu amor.
As versões de 2020
Depois de muitas vezes adiada em virtude da pandemia, a versão live-action da Disney finalmente está entre nós, com estreia nos cinemas na China no dia 11 de setembro. Mas isso não significa que o filme não tem lá suas concorrências com quem disputar espaço. O filme despertou pelo menos duas versões live-action na China, além de uma série de TV. Um dos filmes chama-se ‘Unparalleled/Matchless Mulan’ e o outro, ‘Mulan’— este último traz a protagonista em um relacionamento LGBT. Veja o trailer.
https://www.youtube.com/watch?v=NhJ3uyHzrGE