domingo , 22 dezembro , 2024

‘Não faz sentido super-herói ter identidade secreta’, afirma a quadrinista Laerte Coutinho

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Atualmente em cartaz nos cinemas com o longa de animação ‘A Cidade dos Piratas’, dirigido por Otto Guerra e baseado em sua obra dos anos 80, a cartunista Laerte Coutinho conversou com exclusividade com o CinePOP e comentou sobre como foi essa adaptação para os cinemas, a perlaboração de seus personagens, a recriação de seu próprio trabalho e, claro, sobre a CCXP e super-heróis.

Como o projeto de adaptação da tirinha ‘A Cidade dos Piratas’ começou lááá nos anos 90 e só ganhou um formato finalizado este ano, de lá para cá muita coisa mudou – inclusive a própria homenageada, que, desde o início disse que não queria participar diretamente do filme, mas acabou não só aparecendo, como até mesmo fez um storyboard. Sobre isso, Laerte confessa: “o Otto [o diretor] é muito convincente. Ele é uma pessoa encantadora sob vários aspectos e muito convincente. Eu de fato prefiro não estar presencialmente nas coisas. Eu prefiro deixar o meu trabalho lá e que ele funcione. Mas eu não sei. Ele insistiu, argumentou. Eu achei que fazia sentido e aí pensei “Tá, vamos lá”. O Otto depois de uns anos pensou nessa direção porque o argumento e o roteiro anteriores estavam assim, meio sem solução. A gente fazia e refazia e tal. Aí ele sugeriu uma saída mais sintonizada com o modo como eu venho trabalhando as minhas tiras nos jornais. Então foi essa coisa. Foi essa a direção que se tomou.”



Só que entre a ideia inicial de adaptar os piratas e a versão final do filme, o mundo dos anos 80 e os próprios personagens ficaram para trás, pois tinham uma pegada machista, sobre a qual a cartunista pondera: “Eu parei de desenhar personagens lá por volta de 2004/2005 justamente porque eu sentia que aquele modo de trabalhar com personagens, construindo piadas que deviam provocar risadas e tudo o mais, eu sentia que esse modo de trabalhar estava meio que me limitando, então, eu deixei de lado. Agora, eu não sei se os personagens evoluíram. Eu acho que eles não evoluem. O uso que a gente faz deles é que comanda a coisa.”

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Entretanto, há uma cena específica em que o capitão dos piratas aponta para a própria perna de pau no filme e diz “eu não sou um pirata, sou um deficiente físico”. Apesar da atualização do pensamento, Laerte sabe bem que seu personagem “usou um vocabulário que talvez não existisse nos anos 80… Existia, mas talvez não se usasse tanto, mas [o capitão no filme o usou] de uma forma absolutamente oportunista. Ele é um pirata. Ele não tem essa coisa de sinceridade, honestidade, o respeito. Ele continua sendo um pirata.”

Sendo uma cartunista que atravessou gerações de brasileiros consumidores de quadrinhos, Laerte Coutinho ainda se surpreende quando perguntada sobre como é se sentir uma referência para várias gerações de jovens. “Eu?”, ela ri. “O interesse na minha pessoa às vezes me surpreende. Eu fui num evento em que jovens e crianças tinham entrado em contato com o meu trabalho e tudo, mas não me conheciam pessoalmente. Então eu fui lá conhecê-los, e foi tudo muito bacana. Mas tinha um garoto que olhava para mim insistentemente, e aí eu perguntei “e aí? Tudo bem?” e aí ele falou “Você está viva?”. Eu achei muito lindo isso, assim, porque às vezes pode ser essa curiosidade. Eu tô viva ainda.”

Mesmo dialogando com a juventude atual, a cartunista reflete sobre seu processo criativo, comparando-o sobre como costumava fazê-lo antes. “Eu às vezes acho que o meu trabalho é… não digo datado, mas ele tem um lugar no tempo, assim, e que os tempos são outros. Eu procuro me manter expressiva. O que quer dizer isso? Não é que eu procure me manter atualizada, eu procuro me manter ativamente expressiva, né, como alguém que produz conteúdos. E como eu tô viva de fato, e pensando e agindo, eu tenho deixado meu trabalho flutuar nessa área de liberdade muito grande. Eu uso traços e roteiros que me deixam muito à vontade. Ao contrário do modo como eu trabalhei até o início dos anos 2000, eu me permito ir para qualquer lado, fazer qualquer tipo de história ou desenho.”

Em ‘A Cidade dos Piratas’ há um personagem que é um homem casado que mente para a esposa e sai à noite vestido de mulher, ocultando sua verdadeira identidade. Comparativamente, é o mesmo comportamento dos super-heróis. Surpreendida com esse ponto de vista, Laerte Coutinho reflete que “o personagem que eu usei que se traveste, desse homem que se traveste, é bem próxima da experiência real de alguém que… de homens que se travestem né. E saem, vão à público de uma forma clandestina, escondida ou de forma pública. E que são, na verdade, mulheres trans ou são pessoas transgênero. Agora, heróis? Para falar a verdade eu nunca entendi por que os heróis tinham que… têm identidades secretas. Eu sempre achei que não fazia sentido nenhum. Por que o Super-Homem faz questão de ser um repórter, botar um óculos e ser repórter? Para mim, nunca fez sentido isso. Nem o Peter Parker. Ele diz que tá protegendo a tia dele. Mas não sei. Dramaticamente, não faz sentido isso. Não faz sentido nem ele usar máscara! A única coisa que faz sentido é o Bruce Wayne, o Batman. Que ele usa aquilo ali supostamente para aterrorizar os malfeitores. Então, é um recurso teatral. Agora, super-heróis, de um modo geral, eu acho que até essa coisa vem sendo abandonada. Os super-heróis modernos eu acho que eles são aquilo o tempo inteiro, não são não?”

Só que a juventude hoje tá mais interessada nos vilões do que nos heróis, e sobre isso Laerte realça “O vilão não tem identidade secreta, o vilão é aquilo o tempo todo. Agora, a travesti não. A travesti é um fenômeno real, e as travestis que eu conheço não são nem mais… Que antigamente se chamava cross dresser a travesti que vivia uma espécie de vida dupla né. Parte do tempo ela se apresentava como alguém masculino e só excepcionalmente ela se veste, usa roupas femininas e tudo. Eu comecei como cross dresser, mas depois de um tempo eu não vi mais sentido em não ser mulher o tempo todo. E é o que a maior parte das trans experimenta. Tem um momento que você passa a não ver mais muito sentido, a não ser nas questões da necessidade estratégica, de você manter casamento, manter emprego, manter o circuito de amizades e tudo. Mas enfim. Porque a vontade da pessoa mesmo não é desfazer a expressão feminina, é mantê-la sempre. É o que acho.”

E já que estamos falando de super-heróis, o CinePop tinha que perguntar sobre a CCXP 2019, afinal, Laerte Coutinho é uma das atrações confirmadas. Cheia de mistérios, a cartunista segreda: “Eu vou lá, eu vou falar. Vou talvez oferecer alguns prints de trabalhos meus e acho que ficaram prontas também umas camisetas e umas peças de roupas com estampas minhas e do Angeli. É isso. Não estou com nenhuma publicação nova não.”

Só que nós todos sabemos que quando Laerte Coutinho está no painel, o bate-papo vira um verdadeiro evento! Enquanto a Comic Con 2019 não chega, a obra dessa incrível cartunista brasileira pode ser conferida no longa de animação ‘A Cidade dos Piratas’, em cartaz nos cinemas brasileiros.

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Janda Montenegrohttp://cinepop.com.br
Escritora, autora de 6 livros, roteirista, assistente de direção. Doutora em Literatura Brasileira Indígena UFRJ.

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Como o projeto de adaptação da tirinha ‘A Cidade dos Piratas’ começou lááá nos anos 90 e só ganhou um formato finalizado este ano, de lá para cá muita coisa mudou – inclusive a própria homenageada, que, desde o início disse que não queria participar diretamente do filme, mas acabou não só aparecendo, como até mesmo fez um storyboard. Sobre isso, Laerte confessa: “o Otto [o diretor] é muito convincente. Ele é uma pessoa encantadora sob vários aspectos e muito convincente. Eu de fato prefiro não estar presencialmente nas coisas. Eu prefiro deixar o meu trabalho lá e que ele funcione. Mas eu não sei. Ele insistiu, argumentou. Eu achei que fazia sentido e aí pensei “Tá, vamos lá”. O Otto depois de uns anos pensou nessa direção porque o argumento e o roteiro anteriores estavam assim, meio sem solução. A gente fazia e refazia e tal. Aí ele sugeriu uma saída mais sintonizada com o modo como eu venho trabalhando as minhas tiras nos jornais. Então foi essa coisa. Foi essa a direção que se tomou.”

Só que entre a ideia inicial de adaptar os piratas e a versão final do filme, o mundo dos anos 80 e os próprios personagens ficaram para trás, pois tinham uma pegada machista, sobre a qual a cartunista pondera: “Eu parei de desenhar personagens lá por volta de 2004/2005 justamente porque eu sentia que aquele modo de trabalhar com personagens, construindo piadas que deviam provocar risadas e tudo o mais, eu sentia que esse modo de trabalhar estava meio que me limitando, então, eu deixei de lado. Agora, eu não sei se os personagens evoluíram. Eu acho que eles não evoluem. O uso que a gente faz deles é que comanda a coisa.”

Entretanto, há uma cena específica em que o capitão dos piratas aponta para a própria perna de pau no filme e diz “eu não sou um pirata, sou um deficiente físico”. Apesar da atualização do pensamento, Laerte sabe bem que seu personagem “usou um vocabulário que talvez não existisse nos anos 80… Existia, mas talvez não se usasse tanto, mas [o capitão no filme o usou] de uma forma absolutamente oportunista. Ele é um pirata. Ele não tem essa coisa de sinceridade, honestidade, o respeito. Ele continua sendo um pirata.”

Sendo uma cartunista que atravessou gerações de brasileiros consumidores de quadrinhos, Laerte Coutinho ainda se surpreende quando perguntada sobre como é se sentir uma referência para várias gerações de jovens. “Eu?”, ela ri. “O interesse na minha pessoa às vezes me surpreende. Eu fui num evento em que jovens e crianças tinham entrado em contato com o meu trabalho e tudo, mas não me conheciam pessoalmente. Então eu fui lá conhecê-los, e foi tudo muito bacana. Mas tinha um garoto que olhava para mim insistentemente, e aí eu perguntei “e aí? Tudo bem?” e aí ele falou “Você está viva?”. Eu achei muito lindo isso, assim, porque às vezes pode ser essa curiosidade. Eu tô viva ainda.”

Mesmo dialogando com a juventude atual, a cartunista reflete sobre seu processo criativo, comparando-o sobre como costumava fazê-lo antes. “Eu às vezes acho que o meu trabalho é… não digo datado, mas ele tem um lugar no tempo, assim, e que os tempos são outros. Eu procuro me manter expressiva. O que quer dizer isso? Não é que eu procure me manter atualizada, eu procuro me manter ativamente expressiva, né, como alguém que produz conteúdos. E como eu tô viva de fato, e pensando e agindo, eu tenho deixado meu trabalho flutuar nessa área de liberdade muito grande. Eu uso traços e roteiros que me deixam muito à vontade. Ao contrário do modo como eu trabalhei até o início dos anos 2000, eu me permito ir para qualquer lado, fazer qualquer tipo de história ou desenho.”

Em ‘A Cidade dos Piratas’ há um personagem que é um homem casado que mente para a esposa e sai à noite vestido de mulher, ocultando sua verdadeira identidade. Comparativamente, é o mesmo comportamento dos super-heróis. Surpreendida com esse ponto de vista, Laerte Coutinho reflete que “o personagem que eu usei que se traveste, desse homem que se traveste, é bem próxima da experiência real de alguém que… de homens que se travestem né. E saem, vão à público de uma forma clandestina, escondida ou de forma pública. E que são, na verdade, mulheres trans ou são pessoas transgênero. Agora, heróis? Para falar a verdade eu nunca entendi por que os heróis tinham que… têm identidades secretas. Eu sempre achei que não fazia sentido nenhum. Por que o Super-Homem faz questão de ser um repórter, botar um óculos e ser repórter? Para mim, nunca fez sentido isso. Nem o Peter Parker. Ele diz que tá protegendo a tia dele. Mas não sei. Dramaticamente, não faz sentido isso. Não faz sentido nem ele usar máscara! A única coisa que faz sentido é o Bruce Wayne, o Batman. Que ele usa aquilo ali supostamente para aterrorizar os malfeitores. Então, é um recurso teatral. Agora, super-heróis, de um modo geral, eu acho que até essa coisa vem sendo abandonada. Os super-heróis modernos eu acho que eles são aquilo o tempo inteiro, não são não?”

Só que a juventude hoje tá mais interessada nos vilões do que nos heróis, e sobre isso Laerte realça “O vilão não tem identidade secreta, o vilão é aquilo o tempo todo. Agora, a travesti não. A travesti é um fenômeno real, e as travestis que eu conheço não são nem mais… Que antigamente se chamava cross dresser a travesti que vivia uma espécie de vida dupla né. Parte do tempo ela se apresentava como alguém masculino e só excepcionalmente ela se veste, usa roupas femininas e tudo. Eu comecei como cross dresser, mas depois de um tempo eu não vi mais sentido em não ser mulher o tempo todo. E é o que a maior parte das trans experimenta. Tem um momento que você passa a não ver mais muito sentido, a não ser nas questões da necessidade estratégica, de você manter casamento, manter emprego, manter o circuito de amizades e tudo. Mas enfim. Porque a vontade da pessoa mesmo não é desfazer a expressão feminina, é mantê-la sempre. É o que acho.”

E já que estamos falando de super-heróis, o CinePop tinha que perguntar sobre a CCXP 2019, afinal, Laerte Coutinho é uma das atrações confirmadas. Cheia de mistérios, a cartunista segreda: “Eu vou lá, eu vou falar. Vou talvez oferecer alguns prints de trabalhos meus e acho que ficaram prontas também umas camisetas e umas peças de roupas com estampas minhas e do Angeli. É isso. Não estou com nenhuma publicação nova não.”

Só que nós todos sabemos que quando Laerte Coutinho está no painel, o bate-papo vira um verdadeiro evento! Enquanto a Comic Con 2019 não chega, a obra dessa incrível cartunista brasileira pode ser conferida no longa de animação ‘A Cidade dos Piratas’, em cartaz nos cinemas brasileiros.

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Janda Montenegrohttp://cinepop.com.br
Escritora, autora de 6 livros, roteirista, assistente de direção. Doutora em Literatura Brasileira Indígena UFRJ.

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