quarta-feira , 20 novembro , 2024

Netflix | ‘Os Donos da Rua’ Completa 30 anos em 2021 e continua relevante e urgente

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Os Donos da Rua (Boyz n the Hood) se encontra atualmente no acervo de filmes da Netflix, e antes de mais nada fica aqui a nossa recomendação máxima para que você assista ao filme antes que ele seja removido – afinal, como sabemos, os filmes vêm e vão na plataforma. Os Donos da Rua completa 30 anos de seu lançamento em 2021, e esta é a oportunidade perfeita para celebrar esta importante obra cinematográfica, seja assistindo pela primeira vez ou a revisitando.

A estreia mundial da produção ocorreu no dia 13 de maio de 1991 no prestigiado Festival de Cannes, na França. Para quem não conhece, Os Donos da Rua possui grande relevância atrás das câmeras também, em seus bastidores, já que guarda no maior prêmio da sétima arte, o Oscar, dois recordes: um que jamais poderá ser quebrado e outro que até o dia de hoje, trinta anos depois, ainda não foi. Ambos dizem respeito ao diretor da obra, o saudoso John Singleton, falecido em 2019 aos 51 anos.



O jovem John Singleton em seus vinte e poucos anos no set de ‘Os Donos da Rua’.

Singleton foi o primeiro cineasta negro a ser indicado na categoria de direção nos prêmios da Academia, 63 anos após a criação da cerimônia. Singleton foi também o diretor mais jovem a ser indicado ao prêmio, na época com 24 anos, batendo assim o recorde anterior de um certo Orson Welles por um tal de Cidadão Kane (1941), aos 26 anos de idade – recorde que segurou por 50 anos.

No Oscar, as duas indicações do filme ecoaram como grandes prêmios. Os Donos da Rua foi o primeiro filme do jovem John Singleton, lançado por um grande estúdio após uma verdadeira epopeia. O resultado foi sua aprovação na maior noite do cinema, com nomeações para roteiro original e direção, ambas para Singleton. O cineasta teve a ideia para o filme de sua própria vivência na vizinhança de Crenshaw, subúrbio então violento de Los Angeles, na Califórnia. A terra dos ricos e famosos era completamente desmistificada por um artista negro com muita propriedade, afinal saíra justamente de tal território e o longa serve de relato para tudo que viu e viveu por lá.

Início de carreira. Morris Chestnut, Cuba Gooding Jr. e Ice Cube protagonizam ‘Os Donos da Rua’.

Dois anos antes, o talentoso e celebrado Spike Lee já havia dado seu relato da causa no atemporal Faça a Coisa Certa (1989), jogando na cara da sociedade sem papas na língua o dia a dia dos moradores de Bedford-Stuy, no Brooklyn, Nova York, mesmo bairro que serve de cenário muito mencionado por Chris Rock em seu seriado Todo Mundo Odeia o Chris (2005-2009). Os Donos da Noite serve de complemento para o filme de Lee, mostrando a dureza de um bairro negro na costa Oeste dos EUA também. Hoje, mais de trinta anos depois ambos os bairros melhoraram muito sua condição para os habitantes e o Brooklyn inclusive foi renovado em Nova York, se tornando um dos locais mais caros para se viver na cidade.

Em questão de prêmios no Oscar, Faça a Coisa Certa levou duas indicações igualmente, incluindo roteiro, mas assim como Os Donos da Rua é considerado esnobado. Mereciam mais. Mereciam a tão aguardada nomeação de melhor filme. À época, os membros então mais conservadores da Academia não estavam preparados para tamanha representatividade.

Violência nas ruas. A realidade nua e crua da vizinhança de Crenshaw, Los Angeles.

Em Faça a Coisa Certa, Spike Lee se coloca como um dos personagens do filme em meio a tudo. Em Os Donos da Rua, John Singleton também se inclui na narrativa, mas não aparece como ator. O cineasta usa a persona de Tre, que no filme ganha as formas de um então novato Cuba Gooding Jr., em seu primeiro papel de destaque como protagonista no cinema – o ator viria a ganhar um Oscar cinco anos depois por Jerry Maguire: A Grande Virada. No filme, Tre cresce em meio à violência e quando, ainda na infância, começa a ser afetado por ela, é levado pela mãe a ir morar com o pai, o sábio “pregador” armado Furious (e o nome já diz tudo). Assim, consegue se esquivar das tentações e do caminho fácil, construindo seu caráter para se tornar alguém na vida. Fora das telas, John Singleton passou pela mesma provação do personagem, foi para a faculdade e se tornou um diretor prestigiado.

Para chegar aonde chegou, Singleton teve que continuar se provando. A ideia para o filme em partes surgiu quando um executivo da Orion Pictures foi visitar sua faculdade para uma palestra. O estudante não teve qualquer pudor e na frente de toda a classe argumentou sua insatisfação com um longa recém-lançado do estúdio, Cores da Violência (1988): um combate entre as gangues mais violentas da Califórnia, os Crips e os Bloods (que se dividem pelas cores azul e vermelho), usando como protagonistas da história dois policiais brancos (vividos por Sean Penn e Robert Duvall). E para Singleton aí estava todo o problema em relação ao filme. Os Donos da Rua, lançado três anos depois, é sobre o ponto de vista dos moradores do local, pegos em meio a uma guerra urbana; muitos dos quais cresceram ao lado dos jovens criminosos, são amigos ou parentes dos que matam e morrem.

Tendo ganhado sinal verde da Columbia Pictures (hoje Sony) com seu roteiro, devido ao estúdio desejar seu próprio Faça a Coisa Certa (da Universal Pictures), Singleton teve que fazer valer sua voz e bater o pé para conseguir a direção do filme. Os executivos queriam dar seu texto para outro cineasta comandar, receosos pela falta de experiência de um jovem recém-saído da faculdade de cinema, sem qualquer trabalho prévio na área. Singleton foi firme em sua decisão vociferando que apenas alguém que experimentou tal vivência seria capaz de trazer a estética certa para o longa.

O protagonista Tre, por outro lado, quase teve as formas de um ator desconhecido na época, mas que viria a se tornar um dos maiores astros da atualidade em Hollywood. Will Smith foi considerado para o papel principal, chegou perto de vive-lo, mas precisou recusar devido à suas obrigações no recém-lançado programa Um Maluco no Pedaço, que havia estreado no ano anterior e já fazia muito sucesso. É curioso notar em filmes antigos quando os revisitados, a presença de atores hoje badalados. Aqui, por exemplo, temos a estreia de Regina King no cinema como a espevitada Shalika. King venceu o Oscar de atriz coadjuvante por Se a Rua Beale Falasse (2019), se tornou uma atriz badalada (Watchmen) e uma diretora de mão cheia (Uma Noite em Miami).

Regina King faz sua estreia no cinema em ‘Os Donos da Rua’.

Quem estreia no cinema em Os Donos da Rua igualmente é o rapper Ice Cube, na época já à frente de sua banda de rap NWA (cuja biografia Straight Outta Compton, 2015, fez enorme sucesso no cinema). Cube vive Doughboy, jovem problemático que é a contraparte de Tre no filme. Completando o elenco principal Nia Long (como o interesse amoroso do protagonista, Brandi), Morris Chestnut (Ricky, o irmão esportista de Doughboy) e os veteranos Angela Bassett e Laurence Fishburne como os pais de Tre, Reva e Furious. Curiosamente, ambos Bassett e Fishburne viriam a ser indicados ao Oscar ao se reencontrarem para um filme dois anos depois, por si só dono de tremenda importância e representatividade racial negra: a biografia da cantora Tina Turner, What’s Love Got to Do With It (1993), título de uma música da cantora, que no Brasil recebeu o título mais simplório Tina – A Verdadeira História de Tina Turner. No filme, Angela Bassett viveu Tina e Laurence Fishburne foi seu marido abusivo Ike.

Os Donos da Rua foi parte de um movimento que chegava para mostrar como o cinema deveria de fato ser utilizado para dar voz a uma minoria racial: através deles próprios. Spike Lee ganhou seu espaço e entrou para a história devido ao fervor contido em sua panela de pressão chamada Faça a Coisa Certa. Mas John Singleton seguiu bem de perto exibindo com muito realismo, crueza e dramaticidade a rotina de bairros dominados por gangues, crime e violência.

Os ótimos Laurence Fishburne e Angela Bassett voltariam a se encontrar na biografia de Tina Turner.

Com um orçamento de US$6.5 milhões, Os Donos da Rua rendeu em bilheteria US$56.1 milhões, se tornando assim, num aspecto de investimento, o filme financeiramente mais bem sucedido de trinta anos atrás (1991) no cinema. É claro que seu valor social transcende seu sucesso financeiro, e em 2021, numa época em que ainda reivindicamos igualdade e lutamos contra o racismo e a violência urbana, seja no Brasil, nos EUA e no mundo, o filme de John Singleton se mostra, infelizmente, mais urgente do que nunca.

Acima de tudo, Os Donos da Rua é um grande estudo do pensamento do filósofo suíço Jean-Jacques Rousseau, que definiu o homem como produto de seu meio. É difícil ser o ponto fora da curva. Mas não impossível. E John Singleton foi uma das maiores provas disso.

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A estreia mundial da produção ocorreu no dia 13 de maio de 1991 no prestigiado Festival de Cannes, na França. Para quem não conhece, Os Donos da Rua possui grande relevância atrás das câmeras também, em seus bastidores, já que guarda no maior prêmio da sétima arte, o Oscar, dois recordes: um que jamais poderá ser quebrado e outro que até o dia de hoje, trinta anos depois, ainda não foi. Ambos dizem respeito ao diretor da obra, o saudoso John Singleton, falecido em 2019 aos 51 anos.

O jovem John Singleton em seus vinte e poucos anos no set de ‘Os Donos da Rua’.

Singleton foi o primeiro cineasta negro a ser indicado na categoria de direção nos prêmios da Academia, 63 anos após a criação da cerimônia. Singleton foi também o diretor mais jovem a ser indicado ao prêmio, na época com 24 anos, batendo assim o recorde anterior de um certo Orson Welles por um tal de Cidadão Kane (1941), aos 26 anos de idade – recorde que segurou por 50 anos.

No Oscar, as duas indicações do filme ecoaram como grandes prêmios. Os Donos da Rua foi o primeiro filme do jovem John Singleton, lançado por um grande estúdio após uma verdadeira epopeia. O resultado foi sua aprovação na maior noite do cinema, com nomeações para roteiro original e direção, ambas para Singleton. O cineasta teve a ideia para o filme de sua própria vivência na vizinhança de Crenshaw, subúrbio então violento de Los Angeles, na Califórnia. A terra dos ricos e famosos era completamente desmistificada por um artista negro com muita propriedade, afinal saíra justamente de tal território e o longa serve de relato para tudo que viu e viveu por lá.

Início de carreira. Morris Chestnut, Cuba Gooding Jr. e Ice Cube protagonizam ‘Os Donos da Rua’.

Dois anos antes, o talentoso e celebrado Spike Lee já havia dado seu relato da causa no atemporal Faça a Coisa Certa (1989), jogando na cara da sociedade sem papas na língua o dia a dia dos moradores de Bedford-Stuy, no Brooklyn, Nova York, mesmo bairro que serve de cenário muito mencionado por Chris Rock em seu seriado Todo Mundo Odeia o Chris (2005-2009). Os Donos da Noite serve de complemento para o filme de Lee, mostrando a dureza de um bairro negro na costa Oeste dos EUA também. Hoje, mais de trinta anos depois ambos os bairros melhoraram muito sua condição para os habitantes e o Brooklyn inclusive foi renovado em Nova York, se tornando um dos locais mais caros para se viver na cidade.

Em questão de prêmios no Oscar, Faça a Coisa Certa levou duas indicações igualmente, incluindo roteiro, mas assim como Os Donos da Rua é considerado esnobado. Mereciam mais. Mereciam a tão aguardada nomeação de melhor filme. À época, os membros então mais conservadores da Academia não estavam preparados para tamanha representatividade.

Violência nas ruas. A realidade nua e crua da vizinhança de Crenshaw, Los Angeles.

Em Faça a Coisa Certa, Spike Lee se coloca como um dos personagens do filme em meio a tudo. Em Os Donos da Rua, John Singleton também se inclui na narrativa, mas não aparece como ator. O cineasta usa a persona de Tre, que no filme ganha as formas de um então novato Cuba Gooding Jr., em seu primeiro papel de destaque como protagonista no cinema – o ator viria a ganhar um Oscar cinco anos depois por Jerry Maguire: A Grande Virada. No filme, Tre cresce em meio à violência e quando, ainda na infância, começa a ser afetado por ela, é levado pela mãe a ir morar com o pai, o sábio “pregador” armado Furious (e o nome já diz tudo). Assim, consegue se esquivar das tentações e do caminho fácil, construindo seu caráter para se tornar alguém na vida. Fora das telas, John Singleton passou pela mesma provação do personagem, foi para a faculdade e se tornou um diretor prestigiado.

Para chegar aonde chegou, Singleton teve que continuar se provando. A ideia para o filme em partes surgiu quando um executivo da Orion Pictures foi visitar sua faculdade para uma palestra. O estudante não teve qualquer pudor e na frente de toda a classe argumentou sua insatisfação com um longa recém-lançado do estúdio, Cores da Violência (1988): um combate entre as gangues mais violentas da Califórnia, os Crips e os Bloods (que se dividem pelas cores azul e vermelho), usando como protagonistas da história dois policiais brancos (vividos por Sean Penn e Robert Duvall). E para Singleton aí estava todo o problema em relação ao filme. Os Donos da Rua, lançado três anos depois, é sobre o ponto de vista dos moradores do local, pegos em meio a uma guerra urbana; muitos dos quais cresceram ao lado dos jovens criminosos, são amigos ou parentes dos que matam e morrem.

Tendo ganhado sinal verde da Columbia Pictures (hoje Sony) com seu roteiro, devido ao estúdio desejar seu próprio Faça a Coisa Certa (da Universal Pictures), Singleton teve que fazer valer sua voz e bater o pé para conseguir a direção do filme. Os executivos queriam dar seu texto para outro cineasta comandar, receosos pela falta de experiência de um jovem recém-saído da faculdade de cinema, sem qualquer trabalho prévio na área. Singleton foi firme em sua decisão vociferando que apenas alguém que experimentou tal vivência seria capaz de trazer a estética certa para o longa.

O protagonista Tre, por outro lado, quase teve as formas de um ator desconhecido na época, mas que viria a se tornar um dos maiores astros da atualidade em Hollywood. Will Smith foi considerado para o papel principal, chegou perto de vive-lo, mas precisou recusar devido à suas obrigações no recém-lançado programa Um Maluco no Pedaço, que havia estreado no ano anterior e já fazia muito sucesso. É curioso notar em filmes antigos quando os revisitados, a presença de atores hoje badalados. Aqui, por exemplo, temos a estreia de Regina King no cinema como a espevitada Shalika. King venceu o Oscar de atriz coadjuvante por Se a Rua Beale Falasse (2019), se tornou uma atriz badalada (Watchmen) e uma diretora de mão cheia (Uma Noite em Miami).

Regina King faz sua estreia no cinema em ‘Os Donos da Rua’.

Quem estreia no cinema em Os Donos da Rua igualmente é o rapper Ice Cube, na época já à frente de sua banda de rap NWA (cuja biografia Straight Outta Compton, 2015, fez enorme sucesso no cinema). Cube vive Doughboy, jovem problemático que é a contraparte de Tre no filme. Completando o elenco principal Nia Long (como o interesse amoroso do protagonista, Brandi), Morris Chestnut (Ricky, o irmão esportista de Doughboy) e os veteranos Angela Bassett e Laurence Fishburne como os pais de Tre, Reva e Furious. Curiosamente, ambos Bassett e Fishburne viriam a ser indicados ao Oscar ao se reencontrarem para um filme dois anos depois, por si só dono de tremenda importância e representatividade racial negra: a biografia da cantora Tina Turner, What’s Love Got to Do With It (1993), título de uma música da cantora, que no Brasil recebeu o título mais simplório Tina – A Verdadeira História de Tina Turner. No filme, Angela Bassett viveu Tina e Laurence Fishburne foi seu marido abusivo Ike.

Os Donos da Rua foi parte de um movimento que chegava para mostrar como o cinema deveria de fato ser utilizado para dar voz a uma minoria racial: através deles próprios. Spike Lee ganhou seu espaço e entrou para a história devido ao fervor contido em sua panela de pressão chamada Faça a Coisa Certa. Mas John Singleton seguiu bem de perto exibindo com muito realismo, crueza e dramaticidade a rotina de bairros dominados por gangues, crime e violência.

Os ótimos Laurence Fishburne e Angela Bassett voltariam a se encontrar na biografia de Tina Turner.

Com um orçamento de US$6.5 milhões, Os Donos da Rua rendeu em bilheteria US$56.1 milhões, se tornando assim, num aspecto de investimento, o filme financeiramente mais bem sucedido de trinta anos atrás (1991) no cinema. É claro que seu valor social transcende seu sucesso financeiro, e em 2021, numa época em que ainda reivindicamos igualdade e lutamos contra o racismo e a violência urbana, seja no Brasil, nos EUA e no mundo, o filme de John Singleton se mostra, infelizmente, mais urgente do que nunca.

Acima de tudo, Os Donos da Rua é um grande estudo do pensamento do filósofo suíço Jean-Jacques Rousseau, que definiu o homem como produto de seu meio. É difícil ser o ponto fora da curva. Mas não impossível. E John Singleton foi uma das maiores provas disso.

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