Quem vai querer comprar banana?
Não é de hoje que a Apple expressa sua vontade de se tornar um serviço de streaming, para ser concorrente da plataforma Netflix, e ter suas próprias produções audiovisuais. Contudo, esse processo tem sido feito com enorme cautela e muitos cálculos para o tornar não somente um grande serviço de streaming, mas um serviço que gere bons resultados financeiros.
Logo no começo deste ano muito se especulou a respeito do que a empresa, atualmente comandada por Tim Cook, iria fazer no mercado, pois o que de fato aconteceu nos Estados Unidos após a aprovação do Congresso foi a sanção de uma lei pelo presidente Trump, que reduzia os impostos cobrados em cima dos lucros das empresas. Essa cobrança, que era de 35%, passou a ser de 15%, e claro que para a Apple essa redução foi bastante significativa considerando que seus lucros não são baixos. Portanto estima-se que a empresa consiga ter em suas mãos com essa economia em impostos um valor em torno de 250 bilhões de dólares vindos em dinheiro que ficava em paraísos fiscais (um paraíso fiscal é uma região aonde os impostos são baixíssimos, ou até mesmo nulos, e as contas bancárias possuem total sigilo).
Então a questão, ainda no começo do ano, era o que a empresa iria decidir fazer com esse valor em suas mãos. Foram diversas apostas apontando que a Apple pudesse comprar a Netflix, que por sua vez estaria valendo algo em torno de 88 bilhões de dólares, ou seja, ainda sobraria dinheiro para investirem inclusive em conteúdos novos já criados sob custódia da empresa da maçã. Falando dessa forma parece bastante plausível e uma forma muito rápida e prática para empresa entrar com tudo no mercado.
Foi também cogitada a possibilidade da compra da Disney. Com as recentes aquisições da empresa, parece mais que a Disney poderia comprar a Apple e não o contrário, mas segundo alguns especialistas deste mercado, por menor que fosse essa possibilidade – as apostas diziam que as chances eram de 20 a 30%, ela teria sido levada em consideração e essa significaria gastar os 250 bilhões de dólares, e ainda precisar angariar 10 bilhões de dólares para completar, pois a empresa está desde a pretensa compra da 21st Century Fox avaliada em 260 bilhões dólares.
Desde o início do ano não se para de falar no que seria o próximo passo da Apple e em março a empresa anunciou sua compra da plataforma Texture – a Netflix das revistas – o que gerou ainda mais expectativas a respeito das suas investidas de mercado. Mas logo em seguida, no festival South by Southwest, Eddy Cue – o braço direito de Tim Cook – destacou que na história da Apple não haviam sido feitas grandes aquisições, reforçando que a compra da Texture não significava algo dispendioso ou mesmo característico da empresa.
Finalmente essa medida foi anunciada de forma oficial e chega para afirmar a força do talão de cheques da empresa que irá investir o valor de 1 bilhão de dólares (3,5 bilhões de reais). Segundo o Wall Street Journal, o plano da Apple é caminhar com suas próprias pernas, diretrizes e objetivos criando para si a sua própria plataforma de streaming. Logo se pensa se o valor não foi um tanto quanto modesto levando em consideração os dispendiosos gastos das suas concorrentes (7 bilhões de dólares da Netflix e 4 bilhões de dólares da Amazon) e ainda o fato de sabermos que o fundo de caixa atual está no valor de 250 bilhões de dólares já citado.
Porém, tudo está sendo justificado pelo lema que a empresa decreta para seus empreendimentos audiovisuais “menos quantidade e mais qualidade”, o que soa bastante provocativo – sobretudo para Netflix que já anunciou que para o ano de 2018 serão 80 filmes e 700 séries originais- para suas concorrentes.
A empresa fundada por Steve Jobs não encerra seu anúncio apenas com a provocação, mas deixando um gostinho – aterrorizante para os concorrentes e muito sedutor para o público – de algumas das suas aquisições para o elenco de produtores, roteiristas, diretores e atrizes. Na parte mais empresarial destacam-se os nomes de Jamie Erlicht e Zack Van Amburg, envolvidos na produção de séries como Breaking Bad e The Shield, e considerados por Eddie Cue “os dois mais talentosos executivos da televisão no mundo”.
Mas o que causou real frenesi foram os destaques do departamento artístico que conta com Reese Witherspoon – que chega do sucesso da primeira temporada da série da HBO Big Little Lies – para se juntar a uma das atrizes mais icônicas e queridas dos Estados Unidos , a eterna Rachel de Friends, Jennifer Aniston (que não estrelava nada enquanto elenco fixo desde do término do programa em 2004). As duas protagonizarão um seriado chamado Top of Morning – a Apple comprou os direitos do programa em um leilão no qual venceu HBO e Netflix, que se trata do dia a dia de duas empregadas de um programa matutino.
Pouco se sabe ainda sobre o seriado, que foi adquirido há algum tempo – meados do último novembro – mas somente agora, com a força dos movimentos da Apple para tornar seu streaming uma realidade muito em breve, volta a ser assunto. Por enquanto, o que se tem de concreto é que a série busca enfatizar o cotidiano das pessoas, principalmente das mulheres, que estão envolvidas nos principais programas que amanhecem a América e seus desafios únicos. Ainda não existe uma data ou sequer foram iniciadas as filmagens, mas a aposta é tamanha, não à toa, a série já está renovada por ao menos duas temporadas completas de 10 episódios cada.
Witherspoon não irá desempenhar apenas papel de atriz na plataforma da maçã, mas também está produzindo dois promissores projetos. Um ainda não possui título, mas se trata de uma série de comédia estrelada por Kristen Wiig, outra que também não realizava trabalhos fixos no formato televiso desde sua saída do Saturday Night Live. Já o segundo está em fase de pré- produção e será um thriller chamado Are you sleeping (a tradução livre seria Você está dormindo? ) estrelado pela premiada Octavia Spencer, coadjuvante do vencedor do Oscar de 2018 A Forma da Água.
Somente essas produções já seriam o bastante para chamar atenção de um numeroso público, mas a Apple não para por ai e ainda conta com o remake do seriado dos anos 80 Amazing Stories, que segue um formato de contos noturnos que misturam fantasia, comédia, drama, ficção científica e horror – ao que parece Dark e Stranger Things terão seu adversário – lembrando um pouco o também famoso Além da Imaginação (The Twilight Zone). O projeto será produzido pelo realizador original, ninguém mais, ninguém menos do que Steven Spielberg – contando com um orçamento de 5 milhões de dólares por episódio.
Outros grandes nomes como o recentemente badalado Damien Chazelle (La La Land) e M. Night Shyamalan (O Sexto Sentido) estão na lista mas seus projetos ainda não possuem diretrizes mais profundas e são referidos apenas como um drama e um projeto sobrenatural, respectivamente. Ainda, aparentemente as indicações do Oscar também balançaram essa formação de equipe e os roteiristas de Doentes de Amor, Kumail Nanjiani e Emily V. Gordon, estão responsáveis pelo roteiro de uma série chamada Little America, que irá retratar a vida de imigrantes. Por fim, até mesmo o jogador de basquete Kevin Durant irá produzir uma série que conta sua trajetória até os dias de hoje. Não por coincidência o time no qual Durant joga – o californiano Golden State Warriors – é o de preferência da maioria dos funcionários da Apple.
No final das contas a Apple apresenta um modelo mais enxuto de negócio, porém, sobram questionamentos sobre datas, possíveis valores para o serviço, se este seria restrito aos Estados Unidos, ou se até mesmo irão se aplicar as formas restritivas que Apple costuma utilizar para obrigar os consumidores a adquirir seus produtos. O que é inegável é que talvez o modelo feroz da Netflix tenha se mostrado – principalmente a longo prazo – menos eficaz do que o esperado, pois apesar de contar com um acervo amplo e uma produção de inúmeros projetos com agilidade, em muito, o que se costuma dizer é que poucos conseguem combinar qualidades o bastante para manter cativos seus espectadores ou que até seja quase impossível encontrar conteúdos que reúnam bons roteiros com boas execuções do mesmo. E essa pode ser a forma da Apple de identificar isso e andar contra a corrente. O vice presidente sênior da Apple, Eddy Cue diz, através de uma conhecida metáfora de hóquei , “patine para onde o disco irá, não para onde ele está agora”. Com seus 250 bilhões de dólares a Apple ameaça disputar com garra um longo jogo.