Anúncio de que a empresa apostará pesado em múltiplos lançamentos em 2021 levanta dúvidas sobre modelo de negócios
É mais do que desnecessário lembrar o quão danoso foi o ano de 2020 para as pessoas e empresas de um modo geral. A drástica diminuição de consumo ou, em alguns casos, a interrupção total geraram o fim de diversas atividades de empresas menores e a redução das grandes corporações. No campo do entretenimento essa nova realidade foi mais sentida pelos estúdios de Hollywood, que tiveram que reagendar diversos grandes lançamentos para o ano seguinte, e ainda mais intensamente pelos cinemas; estes que sem o fluxo de público encontraram diversas dificuldades.
Para 2021, entretanto, existe uma expectativa bastante positiva de retorno gradual das atividades e de uma reabertura total dos cinemas graças à chegada de algumas vacinas ao público. Dessa forma, alguns estúdios de Hollywood tem planejado um retorno maciço em 2021; um exemplo é a Marvel Studios que tem, pelo menos, quatro produções planejadas a princípio para estrear esse ano.
Seguindo pelo mesmo caminho vem a Netflix que recentemente fez um verdadeiro anúncio bombástico. Para o ano de 2021 o serviço de streaming tem planejado o lançamento de setenta produções originais, o que dá em média um novo filme lançado por semana durante todo o ano. Para se ter uma ideia de comparação, para esse mesmo ano a Disney tem planejado a estreia de 22 produções a serem divididas entre cinema e o serviço de streaming da empresa Disney Plus.
Esse movimento audacioso da Netflix tem razões sólidas, uma vez que o ano de 2020 apresentou números tanto impressionantes quanto menores (do ponto de vista de planejamento interno). Na matéria da Forbes Netflix Subscriber Growth Slows After Surging During Pandemic, de Joe Walsh, é apontado que a empresa teve tanto momentos de grande crescimento quanto de certa desaceleração no ano em questão.
“A Netflix registrou 2,2 milhões de novas inscrições pagas entre julho e setembro de 2020, seu menor crescimento trimestral desde 2016… Em comparação, o serviço adicionou 15,77 milhões nos primeiros três meses de 2020 e 10,09 milhões entre abril e junho, dando à companhia seu maior crescimento na história enquanto os espectadores se voltavam para os serviços de streaming enquanto ficavam em casa”.
Em termos monetários, essa variação foi traduzida em outra matéria do mesmo veículo intitulada 5 Big Numbers That Show Netflix’s Massive Growth Continues During The Coronavirus Pandemic. Através dela, Jonathan Ponciano indica que a captação de mercado realizada pela Netflix, um dia antes de revelar os lucros do terceiro trimestre, foi de US $235 bilhões.
Dessa forma, mesmo com uma desaceleração em meados de 2020, a empresa tem uma base financeira estável para arriscar tal enxurrada de produções. Porém, é necessário inferir sobre até onde é positivo o excesso de ofertas no mercado cinematográfico. Em um ano que os serviços de streaming de uma forma geral não disputaram espaço com os cinemas e praticamente reinaram absolutos na indústria do entretenimento ficou claro que eles têm uma vantagem.
A praticidade talvez seja a maior e que é a mais atrativa para o consumidor; tanto é que a Warner cogitou lançar uma grande produção como o vindouro Duna diretamente no HBO Max. Logo essa ideia foi descartada visto que nomes grandes do estúdio como Christopher Nolan e o diretor do filme Denis Villeneuve foram bastante enfáticos ao reprovar esse movimento.
Porém é inegável que a competitividade de serviços de streaming junto ao cinema veio para ficar. Sendo assim, em uma produção acelerada quase ao nível fordista do início do século XX, a Netflix vai enchendo o mercado com ofertas que atendem a uma demanda crescente de público em meio a uma pandemia. Ao mesmo tempo é válido refletir que essa avalanche não necessariamente vem para atender a certos nichos, mas sim para a empresa fincar sua bandeira na combalida indústria.
Com uma estratégia dessas, o nível de qualidade que todas as setenta produções trarão é algo bastante imprevisível. Na parte final de 2020 a Netflix liberou um filme como Mank que tem certa importância por ser o retorno de David Fincher à cadeira de diretor e obviamente vir com pretensões sérias ao Oscar 2021, mas no mesmo ano também lança algo como a refilmagem do clássico Rebecca – A Mulher Inesquecível no qual ninguém realmente esperava e nem muito menos pediu.
Por mais que opinião seja um tema muito particular para cada indivíduo e uma determinada produção não se encaixe para alguns mas sim para outros, fica fácil de perceber que a quase obsessão da Netflix em produzir conteúdos originais de qualidade variável e simultaneamente não vai torná-la a sucessora do cinema mas sim uma enorme locadora com múltiplas sessões de prateleiras gigantescas e, nessas prateleiras, milhares de filmes que juntam poeira e que serão vistos pouquíssimas vezes.