terça-feira , 17 dezembro , 2024

Ninfomaníaca – Volumes 1 e 2

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NÃO É POSSÍVEL LER OS VOLUMES ISOLADAMENTE

Hesitei em escrever sobre Ninfomaníaca – Vol.1 (Nymphomaniac – Vol. 1). É complicado falar de um filme, realmente, divido em duas partes, como Kill Bill. Temos o começo e metade do meio, o que pode gerar interpretações erradas ou até estúpidas, diferente de filmes como as da série Harry Potter, no qual cada filme tem começo, meio e fim. Entretanto, Ninfomaníaca – Vol.2 (Nymphomaniac – Vol. 2) releva outra impossibilidade de ler o Vol. 1 desligado de sua continuação: o segundo desmente o primeiro. Isto só reforça a tese de muitos críticos, de que a separação dos filmes seria obra do próprio Lars Von Trier, diretor, roteirista e marqueteiro do filme.

Aspecto do Vol. 1 mais discutido do que as cenas de sexo foram as digressões de Seligman (Stellan Skarsgård). Puro exibicionismo de Von Trier ou uma maneira de revelar dimensões escondidas da sexualidade? Os fãs gozaram e os detratores viram redundâncias. Acontece que o Vol. 2 apresenta elementos e uma estrutura que desmonta o primeiro filme. Isto apenas confirma as intenções do diretor de realizar a obra em duas partes – aposto que, se fossem exibidas juntas, Von Trier manteria a organização dos capítulos em volumes.



ninfomaniaca_15

Ao revelar que é um homem assexuado, Seligman diz que seu prazer está nos livros, no conhecimento, logo, na razão. Joe (Charlotte Gainsbourg) é puro desejo. Razão e emoção; id e superego; repressão e desejo. A dinâmica dos dois filmes se encontra na personalidade das personagens. O Vol.1 é dominado pelo signo de Seligman; o Vol. 2 é dominado pelo signo de Joe.

No lançamento do primeiro filme, cogitei que o excesso de metáforas (algumas curiosas, outras bastantes rasteiras) seria uma forma da estrutura do filme traduzir o lado enfadonho do vício sexual. A quantidade menor de metáforas no Vol. 2, a crítica que Joe faz a uma digressão de Seligman e o final do filme demonstram outra coisa: as comparações de Seligman eram uma tentativa de racionalizar/domar o desejo.

O Vol. 2 tem poucas metáforas e, a maioria, ligada à mitologia católica. Somado ao diálogo entre os dois sobre o politicamente correto, percebe-se muito das intenções de Von Trier. Seligman enxerga o politicamente correto uma forma de respeito às minorias. Joe o vê como uma nova hipocrisia, uma substituição de palavras como fuga dos problemas.

Bingo! Ninfomaníaca é embate entre os desejos do indivíduo e os mecanismos sociais que os limitam. No Vol. 1, as metáforas tentam limitar o desejo. O Vol. 2 debate as consequências desse confronto. O desfecho do filme é essencial para esse entendimento (caso não queira spoiler, pare aqui).

ninfomaniaca_16

Após escutar toda a história de Joe, Seligman constata que se os fatos tivessem ocorridos com um homem, a sociedade não ficaria tão chocada, e resume a angústia e os problemas enfrentados por Joe como frutos do machismo. Ele lembra uma fala de Joe, que dizia exigir do sol mais do que ele poderia dar – ou seja, exigia mais do que a sociedade machista permitiria. Somado aos símbolos católicos desconstruídos no filme, conclui-se que a sexualidade feminina ainda é reprimida pela moral machista cristã-ocidental. Não há dúvidas de que Von Trier condena essa moral. Contudo, isso é a superfície da crítica.

Depois desse “diagnóstico”, Joe entende sua condição e alcança uma legítima serenidade, decidindo que irá domar o seu desejo e enxergando Seligman como um verdadeiro amigo – um dos poucos momentos no qual percebemos Joe, verdadeiramente, serena.

No final, Seligman tenta transar com Joe. Ela nega. Com a tela escura, ele diz não entender a negativa, afinal, ela transou com tantos… Joe mata Seligman e vai embora. Fim. Essas contradições confirmam que estamos diante de um filme que trata sobre o desejo individual versus as limitações sociais.

ninfomaniaca_13

Seligman diz ser virgem e assexuado, alguém que passou a vida usando a razão para sufocar seus desejos, agora liberados pela narrativa de Joe. Ele simboliza os mecanismos sociais que limitam os quereres do indivíduo – não só os sexuais e nem só a sexualidade feminina: a moralidade, a religião (de qualquer ordem), o machismo, a família, a psicologia/psiquiatria, as ciências, especialmente as sociais e seus teóricos. Também o politicamente correto, o feminismo e sua busca por moldar um tipo de mulher, os movimentos GLBT que, na busca por direitos legítimos, impõem uma pauta comportamental aos homossexuais, as teorias que tentam moldar e remoldar a sexualidade humana (da heteronormatividade-machista às teorias de gêneros que buscam abolir o binômio masculino-feminino). Seligman representa todas essas forças, que, em ultimo grau, buscam limitar os desejos humanos. Quando ele cede, os limites dessas convenções são expostos.

Com o tiro final, Von Trier exibe seu ceticismo com as convenções sociais. Contudo, o diretor é ainda mais amargo. O que resta se retiradas todas as amarras? Joe é o desejo em estado bruto. Buscá-lo a domina. Ela destrói vidas, fere pessoas, desce ao inferno. O filme inteiro expõe os efeitos nocivos dessa busca sem limites. Quem preferir pode debitar tudo na conta do machismo cristão-ocidental. Mas, uma situação como o do capítulo de Mrs. H (Uma Thurman) seria menos triste se Joe fosse homem? Quando um pai abandona mulher e filhos, estes não sofrem? Para não restarem dúvidas, Seligman morre depois de ceder aos seus impulsos. Não se trata apenas da morte das convenções sociais, mas de expor os efeitos nocivos do desejo sem limites.

O velho moralismo machista cristão-ocidental é condenado por Von Trier. Mas, ele vai além. Condena os novos moralismos (politicamente corretos), e qualquer convenção social, para, amargamente, perceber que o que restaria seria um desejo destrutivo. Entre a busca cega pelo gozo e as velhas e novas morais autoritárias e castradoras, o que fica? Pelos momentos felizes de Joe com seu pai (Christian Slater) e pelo sorriso dela ao ver Seligman como um amigo, o afeto verdadeiro é apontado como única tábua de salvação.

ninfomaniaca_23

Ninfomaníaca é um filme sobre nossa época, divida entre um narcisismo cheio de vontades e um conjunto de velhos e novos moralismos castradores. Mas não é o melhor filme da trilogia da depressão, cujo Anticristo lhe é superior (aliás, valeria uma interpretação conjunta dos três filmes). Ninfomaníaca tem suas irregularidade e falhas. Shia LaBeouf interpreta Jerome na fase jovem de Joe, com Stacy Martin, e na fase madura, já com Charlotte; na parte final, contudo, o ator Michael Pas assume Jerome, causando estranheza. Este é um exemplo das dificuldades do Vol. 2 em demarcar a passagem do tempo. Contudo, seus problemas não ofuscam o tema central, o embate entre sociedade e desejo.

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Hesitei em escrever sobre Ninfomaníaca – Vol.1 (Nymphomaniac – Vol. 1). É complicado falar de um filme, realmente, divido em duas partes, como Kill Bill. Temos o começo e metade do meio, o que pode gerar interpretações erradas ou até estúpidas, diferente de filmes como as da série Harry Potter, no qual cada filme tem começo, meio e fim. Entretanto, Ninfomaníaca – Vol.2 (Nymphomaniac – Vol. 2) releva outra impossibilidade de ler o Vol. 1 desligado de sua continuação: o segundo desmente o primeiro. Isto só reforça a tese de muitos críticos, de que a separação dos filmes seria obra do próprio Lars Von Trier, diretor, roteirista e marqueteiro do filme.

Aspecto do Vol. 1 mais discutido do que as cenas de sexo foram as digressões de Seligman (Stellan Skarsgård). Puro exibicionismo de Von Trier ou uma maneira de revelar dimensões escondidas da sexualidade? Os fãs gozaram e os detratores viram redundâncias. Acontece que o Vol. 2 apresenta elementos e uma estrutura que desmonta o primeiro filme. Isto apenas confirma as intenções do diretor de realizar a obra em duas partes – aposto que, se fossem exibidas juntas, Von Trier manteria a organização dos capítulos em volumes.

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Ao revelar que é um homem assexuado, Seligman diz que seu prazer está nos livros, no conhecimento, logo, na razão. Joe (Charlotte Gainsbourg) é puro desejo. Razão e emoção; id e superego; repressão e desejo. A dinâmica dos dois filmes se encontra na personalidade das personagens. O Vol.1 é dominado pelo signo de Seligman; o Vol. 2 é dominado pelo signo de Joe.

No lançamento do primeiro filme, cogitei que o excesso de metáforas (algumas curiosas, outras bastantes rasteiras) seria uma forma da estrutura do filme traduzir o lado enfadonho do vício sexual. A quantidade menor de metáforas no Vol. 2, a crítica que Joe faz a uma digressão de Seligman e o final do filme demonstram outra coisa: as comparações de Seligman eram uma tentativa de racionalizar/domar o desejo.

O Vol. 2 tem poucas metáforas e, a maioria, ligada à mitologia católica. Somado ao diálogo entre os dois sobre o politicamente correto, percebe-se muito das intenções de Von Trier. Seligman enxerga o politicamente correto uma forma de respeito às minorias. Joe o vê como uma nova hipocrisia, uma substituição de palavras como fuga dos problemas.

Bingo! Ninfomaníaca é embate entre os desejos do indivíduo e os mecanismos sociais que os limitam. No Vol. 1, as metáforas tentam limitar o desejo. O Vol. 2 debate as consequências desse confronto. O desfecho do filme é essencial para esse entendimento (caso não queira spoiler, pare aqui).

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Após escutar toda a história de Joe, Seligman constata que se os fatos tivessem ocorridos com um homem, a sociedade não ficaria tão chocada, e resume a angústia e os problemas enfrentados por Joe como frutos do machismo. Ele lembra uma fala de Joe, que dizia exigir do sol mais do que ele poderia dar – ou seja, exigia mais do que a sociedade machista permitiria. Somado aos símbolos católicos desconstruídos no filme, conclui-se que a sexualidade feminina ainda é reprimida pela moral machista cristã-ocidental. Não há dúvidas de que Von Trier condena essa moral. Contudo, isso é a superfície da crítica.

Depois desse “diagnóstico”, Joe entende sua condição e alcança uma legítima serenidade, decidindo que irá domar o seu desejo e enxergando Seligman como um verdadeiro amigo – um dos poucos momentos no qual percebemos Joe, verdadeiramente, serena.

No final, Seligman tenta transar com Joe. Ela nega. Com a tela escura, ele diz não entender a negativa, afinal, ela transou com tantos… Joe mata Seligman e vai embora. Fim. Essas contradições confirmam que estamos diante de um filme que trata sobre o desejo individual versus as limitações sociais.

ninfomaniaca_13

Seligman diz ser virgem e assexuado, alguém que passou a vida usando a razão para sufocar seus desejos, agora liberados pela narrativa de Joe. Ele simboliza os mecanismos sociais que limitam os quereres do indivíduo – não só os sexuais e nem só a sexualidade feminina: a moralidade, a religião (de qualquer ordem), o machismo, a família, a psicologia/psiquiatria, as ciências, especialmente as sociais e seus teóricos. Também o politicamente correto, o feminismo e sua busca por moldar um tipo de mulher, os movimentos GLBT que, na busca por direitos legítimos, impõem uma pauta comportamental aos homossexuais, as teorias que tentam moldar e remoldar a sexualidade humana (da heteronormatividade-machista às teorias de gêneros que buscam abolir o binômio masculino-feminino). Seligman representa todas essas forças, que, em ultimo grau, buscam limitar os desejos humanos. Quando ele cede, os limites dessas convenções são expostos.

Com o tiro final, Von Trier exibe seu ceticismo com as convenções sociais. Contudo, o diretor é ainda mais amargo. O que resta se retiradas todas as amarras? Joe é o desejo em estado bruto. Buscá-lo a domina. Ela destrói vidas, fere pessoas, desce ao inferno. O filme inteiro expõe os efeitos nocivos dessa busca sem limites. Quem preferir pode debitar tudo na conta do machismo cristão-ocidental. Mas, uma situação como o do capítulo de Mrs. H (Uma Thurman) seria menos triste se Joe fosse homem? Quando um pai abandona mulher e filhos, estes não sofrem? Para não restarem dúvidas, Seligman morre depois de ceder aos seus impulsos. Não se trata apenas da morte das convenções sociais, mas de expor os efeitos nocivos do desejo sem limites.

O velho moralismo machista cristão-ocidental é condenado por Von Trier. Mas, ele vai além. Condena os novos moralismos (politicamente corretos), e qualquer convenção social, para, amargamente, perceber que o que restaria seria um desejo destrutivo. Entre a busca cega pelo gozo e as velhas e novas morais autoritárias e castradoras, o que fica? Pelos momentos felizes de Joe com seu pai (Christian Slater) e pelo sorriso dela ao ver Seligman como um amigo, o afeto verdadeiro é apontado como única tábua de salvação.

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Ninfomaníaca é um filme sobre nossa época, divida entre um narcisismo cheio de vontades e um conjunto de velhos e novos moralismos castradores. Mas não é o melhor filme da trilogia da depressão, cujo Anticristo lhe é superior (aliás, valeria uma interpretação conjunta dos três filmes). Ninfomaníaca tem suas irregularidade e falhas. Shia LaBeouf interpreta Jerome na fase jovem de Joe, com Stacy Martin, e na fase madura, já com Charlotte; na parte final, contudo, o ator Michael Pas assume Jerome, causando estranheza. Este é um exemplo das dificuldades do Vol. 2 em demarcar a passagem do tempo. Contudo, seus problemas não ofuscam o tema central, o embate entre sociedade e desejo.

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