sexta-feira , 15 novembro , 2024

Nova série do criador de ‘Sex and the City’ para a Netflix é uma deliciosa comédia romântica clichê

Apenas pelo trailer, o seriado Emily em Paris (Emily in Paris) já prometia vários clichês sobre as diferenças culturais entre os estadunidenses e os franceses, particularmente os parisienses. A promessa é cumprida em cinco horas, distribuídas em 10 episódios, em que tudo soa falso ou exagerado, até a própria protagonista, vivida pela Lily Collins (Simplesmente Acontece). Contudo, os minutos passam rapidamente e a produção torna-se uma agradável forma de lazer pelas esquinas e avenidas de Paris. 

Com um ar daquelas comédias da Sessão da Tarde dos anos 90, na quais as irmãs Mary-Kate e Ashley Olsen viviam aventuras em outro país, como pedir o prato errado, Emily em Paris apresenta uma jovem publicitária que da noite para o dia deixa a cidade de Chicago para trabalhar em uma agência de publicidade em Paris. Graças a gravidez inesperada de sua chefe Madeline (Kate Walsh), Emily assume a responsabilidade de levar o olhar norte-americano para agência parisiense adquirida pela empresa nos Estados Unidos. 



Sem falar nada de francês, Emily Cooper se garante no bordão geracional “fake it until you make it”, em português seria “finja até conseguir”, estratégia vendida por 10 em cada 10 coaches no mundo. Ou seja, Emily encara a vida sem preocupações e com soluções possíveis e rápidas para tudo e, mesmo quando ela não sabe o que está fazendo, ela finge lidar com qualquer tipo de situação muito bem. 

Logo no segundo episódio o namoro à distância acaba e Emily vê-se solteira na cidade mais romântica do mundo, segundo a própria personagem. O término pouco abala a moça que não conversa com os colegas de trabalho e esforça-se pouquíssimo para aprender o idioma. Ela acha normal usar o tradutor do seu celular para comunicar-se. Com sorte, a protagonista encontra vários falantes da língua inglesa na cidade luz. 

Um deles é o seu vizinho e principal interesse amoroso, o chef Gabriel (Lucas Bravo), que está sempre por perto para ajudá-la. Além dele, há a sua nova melhor amiga Mindy Chen (Ashley Park), uma chinesa rica que prefere trabalhar de babá em Paris a disfrutar a fortuna da família, porém, com várias restrições, no seu país de origem. Para completar o grupo social da recém-residente francesa, ela conhece Camille (Camille Razat), uma jovem artista, herdeira de uma vinícola em Champagne e, por coincidência, namorada de Gabriel. 

Disposta a mostrar trabalho, Emily sempre inventa alguma ideia nas redes sociais. Aliás, seu pitch de vendas para os clientes é como conseguir mais seguidores e ter presença digital. Suas frases parecem tiradas de um pequeno manual de social media de 2010. Sua experiência profissional anterior é lançar produtos farmacêuticos e captar clientes por meio de buscas na internet, mas imediatamente ela tem boas ideias para todos os clientes de luxo da agência. 

Com o perfil @emilyinparis, a protagonista alcança 20k a partir de postagens com #roomwithaview e saboreando un pain au chocolat. Sua conta no Instagram consegue chamar atenção até da primeira dama Brigitte Macron e de famosas marcas de cosméticos, o que abre uma discussão sobre fazer publicidade por meio de influencers ou com uma agência. Emily bate na tecla de ser uma profissional com mestrado em Marketing e não apenas uma “caçadora de likes”. Para além do aspecto profissional, os clichês da estrangeira perdida culturalmente soam inocentes e engraçados, mesmo que Emily tenha uma postura altiva, a personagem é ao mesmo tempo arrogante e ignorante sobre os modos de vida para além do que ela está habituada. 

A postura de “eu vim melhorar o trabalho de vocês” é insolente. Os enredos de pessoas a explorar outros ambientes e experimentar outras perspectivas normalmente são mais maleáveis. Se você já viu Sob o Sol da Toscana (2003), ou mesmo Comer, Rezar e Amar (2010), sabe que o processo mais natural é abrir-se ao desconhecido e aprender. Emily nada aprende, ou melhor, ela reclama da cultura e língua alheia. Sua permanência em Paris parece uma imposição aos outros de adaptarem-se a ela e as suas “novidades” do mundo digital.   

Criado por Darren Star, responsável pelos sucessos Sex and the City (1998-2004) e Younger (2015-2020), o seriado capta o espírito glamoroso das produções anteriores, contudo deixa a desejar na construção da protagonista. Apesar dos modelitos extravagantes à la Carrie Bradshaw (Sarah Jessica Parker), Emily está longe de uma presença contagiante. Os temas problematizados também são pouco evidentes, muito diferente do questionamento sobre o mercado de trabalho a partir dos 40 anos, vivenciado por Liza Miller (Sutton Foster) em seis temporadas de Younger.  

Com um tom de Miranda Priestly (Meryl Streep), de O Diabo Veste Prada (2006), Sylvie (Philippine Leroy-Beaulieu) encarna o único desafio de Emily, isto é, agradar a chefe executiva da agência. O processo, no entanto, não se encaixa com o enredo, pois Emily não parece disposta a aprender qualquer coisa na França. Ela apenas quer que todas gostem dela e façam o que ela acredita ser melhor.  

Embora as partes mais divertidas sejam os transtornos amorosos da jovem publicitária, quase como a protagonista Fernanda (Mônica Martelli), de Os Homens São de Marte…. E é Pra Lá Que Eu Vou (2014), a temporada termina em um forçado triângulo amoroso. Por outro lado, Paris continua com seu encanto especial e suas peculiaridades garantem momentos de entretenimento em tela. 

Sem levar a sério, Emily em Paris é um aprazível descanso da mente em uma cidade lúdica perfeita para qualquer estrangeiro adaptar-se, sonhar e ser quem eles não são em território pátrio. Esta é a mensagem da primeira temporada, além de todas as citações norte-americanas sobre a França, como Nicole Kidman, em Moulin Rouge (2002), Ratatouille (2007) e O Resgate do Soldado Ryan (1998), na Normandia. Afinal de contas, o Rio de Janeiro também não é exatamente como o representado nas novelas de Manoel Carlos, mas o público adora assim mesmo por conta dos personagens dramáticos. Clichês e piadas culturais à parte, falta drama na vida estrangeira de Emily. 

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Letícia Alassë
Crítica de Cinema desde 2012, jornalista e pesquisadora sobre comunicação, cultura e psicanálise. Mestre em Cultura e Comunicação pela Universidade Paris VIII, na França e membro da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine). Nascida no Rio de Janeiro e apaixonada por explorar o mundo tanto geograficamente quanto diante da tela.

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Com um ar daquelas comédias da Sessão da Tarde dos anos 90, na quais as irmãs Mary-Kate e Ashley Olsen viviam aventuras em outro país, como pedir o prato errado, Emily em Paris apresenta uma jovem publicitária que da noite para o dia deixa a cidade de Chicago para trabalhar em uma agência de publicidade em Paris. Graças a gravidez inesperada de sua chefe Madeline (Kate Walsh), Emily assume a responsabilidade de levar o olhar norte-americano para agência parisiense adquirida pela empresa nos Estados Unidos. 

Sem falar nada de francês, Emily Cooper se garante no bordão geracional “fake it until you make it”, em português seria “finja até conseguir”, estratégia vendida por 10 em cada 10 coaches no mundo. Ou seja, Emily encara a vida sem preocupações e com soluções possíveis e rápidas para tudo e, mesmo quando ela não sabe o que está fazendo, ela finge lidar com qualquer tipo de situação muito bem. 

Logo no segundo episódio o namoro à distância acaba e Emily vê-se solteira na cidade mais romântica do mundo, segundo a própria personagem. O término pouco abala a moça que não conversa com os colegas de trabalho e esforça-se pouquíssimo para aprender o idioma. Ela acha normal usar o tradutor do seu celular para comunicar-se. Com sorte, a protagonista encontra vários falantes da língua inglesa na cidade luz. 

Um deles é o seu vizinho e principal interesse amoroso, o chef Gabriel (Lucas Bravo), que está sempre por perto para ajudá-la. Além dele, há a sua nova melhor amiga Mindy Chen (Ashley Park), uma chinesa rica que prefere trabalhar de babá em Paris a disfrutar a fortuna da família, porém, com várias restrições, no seu país de origem. Para completar o grupo social da recém-residente francesa, ela conhece Camille (Camille Razat), uma jovem artista, herdeira de uma vinícola em Champagne e, por coincidência, namorada de Gabriel. 

Disposta a mostrar trabalho, Emily sempre inventa alguma ideia nas redes sociais. Aliás, seu pitch de vendas para os clientes é como conseguir mais seguidores e ter presença digital. Suas frases parecem tiradas de um pequeno manual de social media de 2010. Sua experiência profissional anterior é lançar produtos farmacêuticos e captar clientes por meio de buscas na internet, mas imediatamente ela tem boas ideias para todos os clientes de luxo da agência. 

Com o perfil @emilyinparis, a protagonista alcança 20k a partir de postagens com #roomwithaview e saboreando un pain au chocolat. Sua conta no Instagram consegue chamar atenção até da primeira dama Brigitte Macron e de famosas marcas de cosméticos, o que abre uma discussão sobre fazer publicidade por meio de influencers ou com uma agência. Emily bate na tecla de ser uma profissional com mestrado em Marketing e não apenas uma “caçadora de likes”. Para além do aspecto profissional, os clichês da estrangeira perdida culturalmente soam inocentes e engraçados, mesmo que Emily tenha uma postura altiva, a personagem é ao mesmo tempo arrogante e ignorante sobre os modos de vida para além do que ela está habituada. 

A postura de “eu vim melhorar o trabalho de vocês” é insolente. Os enredos de pessoas a explorar outros ambientes e experimentar outras perspectivas normalmente são mais maleáveis. Se você já viu Sob o Sol da Toscana (2003), ou mesmo Comer, Rezar e Amar (2010), sabe que o processo mais natural é abrir-se ao desconhecido e aprender. Emily nada aprende, ou melhor, ela reclama da cultura e língua alheia. Sua permanência em Paris parece uma imposição aos outros de adaptarem-se a ela e as suas “novidades” do mundo digital.   

Criado por Darren Star, responsável pelos sucessos Sex and the City (1998-2004) e Younger (2015-2020), o seriado capta o espírito glamoroso das produções anteriores, contudo deixa a desejar na construção da protagonista. Apesar dos modelitos extravagantes à la Carrie Bradshaw (Sarah Jessica Parker), Emily está longe de uma presença contagiante. Os temas problematizados também são pouco evidentes, muito diferente do questionamento sobre o mercado de trabalho a partir dos 40 anos, vivenciado por Liza Miller (Sutton Foster) em seis temporadas de Younger.  

Com um tom de Miranda Priestly (Meryl Streep), de O Diabo Veste Prada (2006), Sylvie (Philippine Leroy-Beaulieu) encarna o único desafio de Emily, isto é, agradar a chefe executiva da agência. O processo, no entanto, não se encaixa com o enredo, pois Emily não parece disposta a aprender qualquer coisa na França. Ela apenas quer que todas gostem dela e façam o que ela acredita ser melhor.  

Embora as partes mais divertidas sejam os transtornos amorosos da jovem publicitária, quase como a protagonista Fernanda (Mônica Martelli), de Os Homens São de Marte…. E é Pra Lá Que Eu Vou (2014), a temporada termina em um forçado triângulo amoroso. Por outro lado, Paris continua com seu encanto especial e suas peculiaridades garantem momentos de entretenimento em tela. 

Sem levar a sério, Emily em Paris é um aprazível descanso da mente em uma cidade lúdica perfeita para qualquer estrangeiro adaptar-se, sonhar e ser quem eles não são em território pátrio. Esta é a mensagem da primeira temporada, além de todas as citações norte-americanas sobre a França, como Nicole Kidman, em Moulin Rouge (2002), Ratatouille (2007) e O Resgate do Soldado Ryan (1998), na Normandia. Afinal de contas, o Rio de Janeiro também não é exatamente como o representado nas novelas de Manoel Carlos, mas o público adora assim mesmo por conta dos personagens dramáticos. Clichês e piadas culturais à parte, falta drama na vida estrangeira de Emily. 

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Crítica de Cinema desde 2012, jornalista e pesquisadora sobre comunicação, cultura e psicanálise. Mestre em Cultura e Comunicação pela Universidade Paris VIII, na França e membro da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine). Nascida no Rio de Janeiro e apaixonada por explorar o mundo tanto geograficamente quanto diante da tela.

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