Um fenômeno curioso que acontece na indústria do cinema é a saturação do mercado devido a um número extensivo de produções de um subgênero. Isto é, reformulando, caso tais produções exibam desgaste por motivo de sua baixa qualidade. E como cinema é uma arte subjetiva, me refiro à baixa qualidade no sentido de seu resultado, tanto financeiro (nas bilheterias – o que espelha a baixa procura do público pelo filme), quanto de crítica (os especialistas podem jogar uma obra na lama ou elevá-la a um pedestal – o que pode vir ou não a coincidir com o gosto do grande público). Mas não só por isso, outro fator determinante para a “extinção” ou diminuição drástica na produção de um gênero ou subgênero, pode ser a mudança na sociedade – em que valores antigos e certos tipos de história não cabem mais. Por exemplo, até a década de 1950 no cinema, dois dos gêneros mais produzidos e mais valorizados pelo público eram os faroestes e os musicais. Com o tempo o interesse por filmes mais modernos foi crescendo e os velhos valores diminuindo.
Tudo isso para chegarmos até os filmes paródia, um subgênero que se consolidou na década de 1980 e que consiste em tirar sarro (e espera-se risadas também) de filmes e gêneros que fizeram ou fazem sucesso. O primeiro grande exemplar bem-sucedido do subgênero podemos dizer que foi Apertem os Cintos… o Piloto Sumiu, de 1980, que brincava com os filmes catástrofe (sensação na década anterior de 1970). A própria Paramount tentava tirar sarro dos filmes slasher logo no ano seguinte, com Student Bodies, sem sucesso. Depois vieram Top Secret (1984) – paródia dos filmes de espionagem e guerra – e Corra que a Polícia Vem Aí (1988) divertida sátira de filmes policiais. Um dos mais famosos foi Top Gang, cujo primeiro filme parodiava Top Gun, e o segundo era sátira de Rambo 2. Fora isso, o cineasta Mel Brooks, que vinha trabalhando em tais produções desde a década de 1970 (com Banzé do Oeste e O Jovem Frankenstein), fez suas próprias versões “zoadas” dos filmes de Hitchcock (Alta Ansiedade), de Star Wars (S.O.S. – Tem um Louco Solto no Espaço), Robin Hood (A Louca! Louca História de Robin Hood) e Drácula (Drácula, Morto mas Feliz).
Com os anos 2000, os filmes paródia que já haviam presenciado um grande desgaste no fim dos anos 1990, receberam uma sobrevida graças ao sucesso estrondoso de Todo Mundo em Pânico (2000), filme dos irmãos Wayans que havia conseguido o que Student Bodies não realizou: parodiar os filmes de terror slasher – graças à segunda leva trazida por Pânico e Eu Sei o que Vocês Fizeram no Verão Passado. E podemos dizer que foi graças a Todo Mundo em Pânico que uma verdadeira enxurrada de produções, digamos, de gosto duvidoso lotou os cinemas. De qualidades e sucesso variados, os filmes paródia foram perdendo o gás, mas seguiam sendo produzidos. Abaixo iremos lembrar de alguns dos mais famosos que permearam a década de 2000. Confira.
Não é Mais um Besteirol Americano (2001)
O primeiro a chegar seguindo o rastro de Todo Mundo em Pânico foi esta comédia protagonizada por um Chris Evans antes da fama. E se o filme dos irmãos Wayans aproveitava a boa fase dos filmes slasher de terror adolescente para pegar para si uma fatia deste sucesso, este Não é Mais um Besteirol Americano também “sugava” de um tipo de filme juvenil que se via em alta no fim da década de 90, as comédias adolescentes colegiais. Assim, Ela é Demais (1999), Marcação Cerrada (1999), 10 Coisas que Eu Odeio em Você (1999), Mal Posso Esperar (1998) e o clássico A Garota de Rosa-Shocking (1986), por exemplo, entravam na mira do longa, que até possui seus fãs – a coisa pioraria depois.
Uma Comédia Nada Romântica (2006)
O problema para o gênero começou com a entrada de Aaron Seltzer e Jason Friedberg (que haviam trabalhado em alguns filmes de sucesso dentro do subgênero) de cabeça no mercado, assumindo sozinhos os roteiros e direção de vários destes filmes, digamos, esquecíveis, e acreditando terem encontrado ouro. O primeiro do lote foi este Date Movie (no original), que parodiava… sim, você acertou, diversas comédias românticas da época, vide Hitch: Conselheiro Amoroso, Casamento Grego, Penetras Bons de Bico, Legalmente Loira, O Diário de Bridget Jones, Entrando Numa Fria, Quero Ficar com Polly, entre outros. Quem protagoniza é Alysson Hannigan, de American Pie.
Deu a Louca em Hollywood (2007)
A dupla Aaron Seltzer e Jason Friedberg continuou cometendo seus crimes cinematográficos produzindo, escrevendo e dirigindo seus filmes. E logo no ano seguinte, o alvo de suas paródias (sem muita inteligência ou graça) foram os filmes épicos de Hollywood, ou seja, suas superproduções daquele ano. O que foi acontecendo cada vez mais em filmes assim é que se tornaram apenas esquetes, nos quais os personagens vão pulando de situação em situação, de cena em cena, apenas apostando no fator familiaridade, ou seja, filmes que o público reconheça – sem qualquer esforço. Não existe a mínima tentativa em criar personagens ou uma trama que saia do ponto A até o B – como eram as citadas produções do gênero na década de 1980, como Apertem os Cintos, Corra que a Polícia Vem Aí e Top Secret, por exemplo. Aqui, as “paródias” são de Piratas do Caribe, As Crônicas de Nárnia, A Fantástica Fábrica de Chocolate, O Código da Vinci, Superman – O Retorno, entre outros.
Espartalhões (2008)
Nada em Hollywood continua a receber sinal verde se não estiver dando resultado financeiro. E cada tipo de filme possui sua própria audiência. Assim como os adolescentes tinham os filmes slasher na década de 80, extremamente criticado pelos adultos, nos anos 2000 os filmes de Seltzer e Friedberg rendiam um considerável retorno de investimento em seu orçamento – por mais incrível que isso possa parecer para quem tem mais de dois neurônios. A verdade é que tais filmes são mirados a um público bem jovem, pré-adolescentes e adolescentes dos quais o cartunista Mike Judge tirava sarro em Beavis e Butt-Head. Eles não só existem como faziam os filmes de Seltzer e Friedberg sucesso ano após ano. Como projeto seguinte, a dupla escolheu como alvo de sua pseudo-paródia o sucesso 300, de Zack Snyder. E como sempre escolhendo como fonte de seu humor, a obviedade e o mais baixo denominador comum – como por exemplo, apontar a erotização masculina e o clima homoerótico implícito dos guerreiros.
Super-Herói: O Filme (2008)
Sem muita surpresa, o melhorzinho desta safra de filmes paródia da década de 2000, não é uma produção de Seltzer e Friedberg. E assim, mesmo que este longa não seja uma obra-prima, traz um enorme respiro do nível de “piadas” sem cérebro, todas abaixo da linha da cintura das produções citadas acima. Não que Super-Herói: O Filme não as traga também, mas aqui elas pairam um pouco acima do que era feito no período. Escrito e dirigido Craig Mazin, roteirista de Se Beber, Não Case 2 (2011), Uma Ladra Sem Limites (2013) e da série Chernobyl (2019), o principal alvo desta paródia é Homem-Aranha (2002), de Sam Raimi; aqui propriamente rebatizado como o Libélula.
Super-Heróis: A Liga da Injustiça (2008)
Como a paz e o sossego nunca duram por muito tempo, mais um ano chegava em que o público era “brindado” com uma produção da dupla Seltzer e Friedberg. Com respaldo da Lionsgate, o trabalho seguinte dos cineastas tinha como alvo os filmes de desastre, em especial os de meteoros em colisão com a Terra. É claro que a história é só uma desculpa para infinitos esquetes sem-graça onde a aposta é no reconhecimento por parte do público dos filmes mencionados. De Juno a Encantada, passando por Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal e Hancock, a fórmula dos filmes da dupla de diretores é apenas fazer referência com uma piada de baixo calão a algum blockbuster do momento. No elenco, personalidades como Kim Kardashian e Carmen Electra.
Os Vampiros que se Mordam (2010)
Finalmente! Finalmente a fórmula do mais baixo denominador comum dos cineastas Aaron Seltzer e Jason Friebberg havia se desgastado e o público se via cansado deste tipo de produção que simplesmente reproduzia trechos de filmes de sucesso do período sem utilizar muito esforço ou pensamento na hora de criar suas piadas. Depois de Uma Comédia Nada Romântica (2006), Deu a Louca em Hollywood (2007) e Espartalhões (2008), o público finalmente percebeu que estava sendo enganado pelos diretores com a promessa de um filme divertido e engraçado, e estava recebendo algo muito abaixo disso. Foi preciso três filmes e dois anos para os espectadores sacarem o “golpe” da dupla. Assim, felizmente, Super-Heróis: A Liga da Injustiça não fez sucesso de bilheteria e os diretores descansaram, ou nos deixaram descansar, no ano de 2009 sem uma produção sua. Mas como tudo que é bom dura pouco, em 2010 eles voltariam a atacar com Os Vampiros que se Mordam, a “paródia” do muito “zoado” Crepúsculo. E para nosso azar, o filme fez sucesso pelo mundo.
A Saga Molusco: Anoitecer (2012)
“Ladrão que rouba ladrão…”. As caras-de-pau de Aaron Seltzer e Jason Friedberg incentivaram outras produções mequetrefes e seus realizadores. Mesmo obtendo relativo sucesso com Os Vampiros que se Mordam (2010), felizmente a dupla tiraria umas férias de três anos, deixando nosso intelecto sem ser ofendido no período. Porém, artistas como o diretor Craig Moss – da franquia Bad Ass, com Danny Trejo – se sentiriam motivados a seguir com o “legado” da dupla de cineastas. Assim, “inspirado” por Os Vampiros que se Mordam, Moss resolveu tirar da cartola ainda outra “paródia” de Crepúsculo, no mesmo ano em que a saga original chegava ao fim nos cinemas. A Saga Molusco: Anoitecer é tudo o que você espera dela e muito menos.
Inatividade Paranormal (2013)
Ao contrário do que muitos possam pensar, a trajetória dos irmãos Wayans pelos filmes paródia – também conhecidos como “comédias besteirol” – não começou com o primeiro Todo Mundo em Pânico (2000). Quatro anos antes disso, o trio Marlon, Shawn e Keenen Ivory Wayans já haviam investido no cult Vizinhança do Barulho, uma paródia de dramas sociais, como Os Donos da Rua (1991), Uma Questão de Respeito (1992), South Central: O Bairro Proibido (1992) e Perigo para a Sociedade (1993). Depois de darem bola fora com o segundo Todo Mundo em Pânico (2001), a franquia saiu das mãos dos Wayans, que foram fazer As Branquelas (2004) e O Pequenino (2006) – comédias que também não são boas, mas possuem uma legião de fãs, em especial a primeira. Em 2013, Marlon Wayans escreveu e protagonizou sua própria versão de Todo Mundo em Pânico, com Inatividade Paranormal, paródia de Atividade Paranormal e afins.
Jogos Famintos (2013)
A paródia anterior de Aaron Seltzer e Jason Friedberg havia sido Os Vampiros que se Mordam (2010). E o que aconteceu quando a franquia Crepúsculo deixou os adolescentes órfãos de um produto mirado a eles nos cinemas? Bem, outro veio correndo substituir. Trata-se de Jogos Vorazes, lançado em 2012. Sem perder tempo algum, Seltzer e Friedberg estavam de novo em campo para confeccionar mais uma produção barata e sem muito conteúdo, visando capitalizar em cima do mesmo tipo de público que o Jogos Vorazes original atingia. Assim nascia Jogos Famintos (não é hilário?). Além da franquia que colocou Jennifer Lawrence no mapa, a paródia tira sarro de filmes como Avatar e Os Mercenários. Porém, terminou por se mostrar mais um fracasso para a dupla.
Se Beber, Não Entre no Jogo (2014)
Ainda bem que o fracasso das produções de Seltzer e Friedberg terminaram não incentivando novos cineastas a seguir na mesma linha. Mesmo assim, ainda chegaram a inspirar alguns “imitadores”. Este foi o caso com Se Beber, Não Entre no Jogo (2014), mais uma paródia de Jogos Vorazes, lançada no mesmo ano em que a franquia de Jennifer Lawrence chega ao fim, e protagonizada por Jamie Kennedy (de Pânico) e Tara Reid (de American Pie). Kennedy também assina o roteiro e a direção fica por conta de Josh Stolberg, roteirista do remake de Piranha (2010) e do recente Espiral (2021), novo capítulo de Jogos Mortais. Além de Jogos Vorazes ainda sobra tiração de sarro para Se Beber, Não Case, A Fantástica Fábrica de Chocolate e Thor.
Super Velozes, Mega Furiosos (2015)
Cada geração teve sua safra de filmes paródia. É interessante notar, no entanto, como não apenas a qualidade de tais produções foram decaindo, como também o nível de seus realizadores. Quando tiveram seu ápice, as produções tinham os nomes dos cineastas Jim Abrahams, David e Jerry Zucker como representantes, em filmes como Apertem os Cintos…, Top Secret, Corra que a Polícia Vem Aí e Top Gang, indiscutivelmente alguns dos melhores exemplares do subgênero. Na década seguinte vieram os irmãos Wayans, que mesmo entre erros e acertos ainda são mais expressivos que a dupla Aaron Seltzer e Jason Friedberg. Para os filmes dos últimos só nos resta nos recolhermos em posição fetal. Nesta última investida da dupla (pelo menos até o momento), ocorrida há pouco tempo, em 2015, o alvo foi a franquia Velozes e Furiosos. Esperamos que tenham encerrado aqui.