A mágica jornada de Bilbo na Terra Média ganha força em sua nova aventura.
Chega aos cinemas a segunda parte de mais uma épica saga comandada por Peter Jackson, O Hobbit: A Desolação de Smaug, e com ela vem a óbvia comprovação estrutural capitular, da qual já esperávamos desde o anúncio de como seria o formato do projeto. Pois, diferente da jovem clássicaTrilogia do Anel, que mesmo interligada entre si, tinha como alicerce três livros distintos, de arcos fechados e definidos, as aventuras de Bilbo Bolseiro, conto de leitura assumidamente rápida, nunca teria conteúdo suficiente pra ser a base de três longos filmes. E, mesmo que Jackson, com inteligência, engranze subtramas de outras obras Tolkienianas, ou mesmo crie elementos que enriqueçam a trama, é fato que ainda estará, de certo modo, preso a essa forma – que, sim, incomoda, mas pode ser relevada, pelos seus vários outros atributos.
Logo em seu primeiro plano, entendemos a necessidade do diretor utilizar estratégias ditas nostálgicas, quando revisitamos a antiga aldeia de Bree, relembrando o marcante encontro deAragorn e Frodo, em A Sociedade do Anel; no intuito de nos transportar, quase que de imediato, para a Terra Média. Algo necessário, pois, como bem sabemos, os personagens estão em plena escapada e fugindo dos orcs; assim, se a fita fosse iniciada in media haas, seria muita audácia e soaria, de pronto, como uma continuação assaz direta – o que, felizmente, não acontece por aqui.
Além de conseguir prender a atenção do espectador, numa tomada de muito suspense, somos rapidamente apresentados a uma das figuras mais icônicas do romance original, o troca-peleBeorn, que ganha vida e personalidade com a imponente presença do ator sueco Mikael Persbrandt. De trejeitos próprios e olhar penetrante, Persbrandt empalidece todos ao seu redor. Servindo, também, como elo para a próxima etapa e fim do primeiro ato, que fará com que os anões entrem na temida Floresta das Trevas, e deem inicio a uma das passagens mais interessantes da jornada. Tendo, por assim, a função de despontar a valentia e transformação do nosso protagonista.
O que, imediatamente, nos faz enxergar o belíssimo trabalho fotográfico de Andrew Lesnie, um já antigo parceiro de Jackson, que é hábil ao conferir uma atmosfera extremamente soturna, quase morta, ao local aludido. Criando uma sensação sufocante, semelhante a que os personagens estão vivendo. Tal feito não seria tão eficaz, não fosse sua brilhante equipe de efeitos visuais e uma direção de arte absolutamente fantástica, que nos faz crer, piamente, no mundo que está sendo exposto em tela. Não ficarei surpreso, e seria justiça, o longa conseguir faturar inúmeras categorias técnicas, em premiações como o Oscar, por exemplo.
Com boa parte do segundo ato completamente carregado de cenas de ação, fugas e combates, somos, então, surpreendidos com um romance peculiar do anão Kili (Aidan Turner) e da elfa Tauriel (Evangeline Lilly) – a eterna Kate do seriado LOST –, que ganha forte sobrevida e acaba se tornando uma das figuras mais importantes da trama. O que não acontece com o orc Azog (Manu Bennett), que parece estar ali, apenas, para preencher o espaço vazio de possível vilão. Uma deficiência que também esteve presente em O Hobbit: Uma Jornada Inesperada, onde a rasa criatura aparecia só nas batalhas, mas não possuía profundidade, limando, dessa forma, o básico processo de identificação. Nessa segunda investida, a figura do Necromante é revelada, definindo, portanto, o real antagonista da história e maquiando o problema recorrente.
A direção de Peter Jackson flui bem, e sua habitual narrativa esquemática, vista em outros títulos, parece caminhar de maneira orgânica. Tanto que mesmo possuindo longa duração, a fita, em nenhum momento, torna-se prolixa. Embora tenha algumas cenas expositivas, diria que, dessa vez, poucos planos soaram desnecessários, dentro do que o filme se propôs ser. O auxilio do montador Jabez Olssen, é fundamental por criar um ritmo eletrizante e mesclar bem as várias subtramas presentes, sem que a plateia possa se confundir com o que está sendo explanado. Como igualmente é inegável a competência do maestro Howard Shore, que reutiliza alguns de seus temas e pontua, impecavelmente, todas as passagens da obra.
O roteiro assinado pelo quarteto Fran Walsh, Philippa Boyens, Peter Jackson e Guillermo del Toro, possui diálogos espertos e alguns até interessantes. Principalmente quando Bilbo (Martin Freeman) e Smaug (Benedict Cumberbatch) – quem conhece a série Sherlock, ganhará um bônus aqui – iniciam uma conversa que, mesmo tendo um forte teor hilariante, sintetiza bem os traços típicos dos dois personagens, e resume o conto por uma ótica antagônica. Não posso deixar de citar, também, o esplendido desempenho de Cumberbatch, que através de sussurros e voz impostada, confere um ar malicioso e cheio de soberba ao dragão. Assim comoMcKellen e Armitage, realizam performances eficientes e já estão marcados como Gandalf e Thorin.
É reconfortante a satisfação de constatar uma aparente evolução deste para o título anterior, pois, ainda que não seja uma grande saga, artisticamente falando, ao mote de se equiparar comO Senhor dos Anéis – e não existe potencial para isso –, O Hobbit parece, enfim, ter se achado e alcançado um lugar dentro do gênero. Creio que após a conclusão do próximo filme, que também será lançado em dezembro do ano que vem, teremos uma obra fechada admirável, do ponto de vista temático. O problema é, justamente, aguardar todo esse tempo – sobretudo depois de A Desolação de Smaug, possuir, em seu final, o cliffhanger mais angustiante já feito dos trabalhos de Tolkien no cinema.