O cineasta uruguaio, de Montevideo, Fede Alvarez era um ilustre desconhecido até lançar seu curta Ataque de Pânico (2009) na internet e chamar atenção de forma massiva. Não existe dúvida quanto ao poder da internet como ferramenta máxima do boca a boca atual. O diretor Neill Blomkamp, por exemplo, conseguiu emprego no próximo filme da franquia Alien colocando suas artes conceituais online e sendo ouvido pela Fox. Alvarez, por sua vez, se tornou um diretor de prestígio ao cair nas graças de um certo Sam Raimi, após este ter percebido seu quarto curta-metragem.
O emprego que Alvarez conseguiu foi como diretor do remake A Morte do Demônio (2013), produzido por Raimi – criador do original. O remake polarizou opiniões do público e crítica, mas o que não podia ser negado era o talento do marinheiro de primeira viagem, ao entregar momentos de plena tensão, bom uso de efeitos práticos combinados com efeitos de CGI imperceptíveis, além de retirar da novata Jane Levy uma das melhores atuações dos últimos tempos dentro do gênero. E o melhor de tudo, apesar das opiniões mistas, A Morte do Demônio, mesmo com a censura alta, não foi um fiasco de bilheteria, dando continuidade para a carreira do uruguaio.
Três anos depois e Alvarez reaparece no mundo do cinema, para entregar um filme bem diferente de seu debute. Este é um suspense, que não faz uso de elementos sobrenaturais, mas igualmente promete deixá-lo sem respirar (com o perdão do trocadilho com o título original) em seus 88 minutos de duração. O cineasta, que de bobo não tem nada, reafirma a parceria com a ótima Levy, e o entrosamento da dupla continua afiado. A menina de 29 anos (mas jeitinho de 20) segue demonstrando talento na pele da protagonista Rocky (muito mais charmosa do que o garanhão italiano de mesmo nome), sofredora heroína trágica, parte de um trio de ladrões de araque.
Daí O Homem nas Trevas, que possui roteiro do próprio Alvarez em parceria com Rodo Sayagues (usual colaborador nos textos do cineasta), começa a puxar suas referências e aplicá-las na trama de forma bem construída, confeccionando seu próprio produto. A primeira parada é em O Quarto do Pânico (2002), de David Fincher, no qual um trio de criminosos invade uma propriedade, com a dona dentro, para reaver um item no cofre da casa. Aqui, um dos bandidos possui inclusive trancinhas no cabelo – como Jared Leto no filme de Fincher. Substitua apenas um dos sujeitos pela loirinha Levy, e o objetivo final, simplesmente dinheiro.
Momento dois: Um Clarão nas Trevas (1967). Essa a garota talvez não pegue. Trata-se de um filme antigo, no qual a musa Audrey Hepburn estrela em seu único suspense da carreira, na pele de uma cega, vítima de criminosos que desejam um objeto implantado em sua casa. Aqui, também temos uma “vítima” cega, na pele do militar aposentado, papel de Stephen Lang, em seu papel mais marcante desde Avatar (2009) – o ator veterano impressiona e rouba o filme.
É aqui também que a criatividade do roteiro sobressai ao simples “pegar emprestado”, adicionando elementos verdadeiramente excitantes, enervantes e assustadores na mistura. A “vítima” não poderia estar mais longe da definição, a cada momento se tornando o verdadeiro antagonista da história e rendendo um dos vilões mais memoráveis do ano – ou dos últimos anos. Diabos, o personagem sequer possui nome, ele é tratado apenas como The Blind Man, ou o Homem Cego. Se queriam marcá-lo em nossas mentes, objetivo alcançado.
O Homem nas Trevas cria uma boa atmosfera claustrofóbica, centralizando quase toda a ação dentro da casa macabra, cenário explorado detalhadamente pelo cineasta. Ganhamos a dimensão exata do ambiente, passando junto aos personagens de um local para o outro, esgueirando-nos pelas estantes do porão, saindo pela janela e através da claraboia voltando.
E, como os personagens, quando achamos finalmente estar fora do local, somos tragados novamente para o pesadelo interminável. Definitivamente estes assaltantes azarados escolheram o sujeito errado para roubar. Invocação do Mal 2 pode ser sido o maior sucesso de 2016 no gênero, mas num ano em que tivemos obras mainstream como Quando as Luzes se Apagam (Warner), Águas Rasas (Sony) e este O Homem nas Trevas (Sony), a concorrência não fica muito atrás.