Há exatamente 26 anos, o piloto Ayrton Senna sofria o acidente fatal no GP de San Marino, na cidade italiana de Ímola. Há uma crença no Brasil de que todo mundo se lembra o que estava fazendo quando foi dado o anúncio da morte de Senna naquele 1º de maio de 1994. Só isso já demonstra o tamanho que esta lenda do esporte teve no país. Em uma época em que a moral do brasileiro estava em baixo, dados os problemas sócio-econômicos do país, Ayrton começou a encantar o público com seu estilo de direção ousado e a sede por vitória. Com o tempo, o icônico capacete que ostentava as cores da bandeira nacional foi virando símbolo para o povo, e ver o piloto subir ao pódio e realizar as voltas da vitória sempre com a bandeira do Brasil em mãos trouxe um pouco de conforto em meio ao sofrimento de uma nação à beira da miséria. Senna era mais que um atleta, era um sinal da esperança em dias melhores.
Mas não era só no Brasil que o povo acordava de madrugada para acompanhar as curvas no limite e a determinação super-humana de Senna. O piloto foi parte fundamental do processo de consolidação da Honda no mundo da Fórmula-1 e do sucesso do esporte no país. Praticamente como um embaixador da marca, o brasileiro foi elevado ao status de entidade no país nipônico e logo se tornou um marco na Cultura Pop Japonesa.
O ano era 1985. A montadora japonesa Honda fornecia os motores para os carros da Williams e para a escuderia Lotus. Adquirindo os direitos de transmissão da Fórmula-1 para a TV aberta japonesa, a Honda precisava de um “herói” para consolidar o esporte no imaginário do povo japonês. Com a derrota por conta de más decisões da gestão da Williams na temporada de 1986, a McLaren tomou conhecimento da insatisfação da Honda com a escuderia azul. Em 1987, a Lotus tinha o surpreendente Ayrton Senna. Mesmo com um carro mecanicamente limitado, o brasileiro conseguiu vitórias em Mônaco e Estados Unidos, além de conseguir o impressionante segundo lugar no GP de Suzuka, no Japão. Desde então, Senna fazia sugestões de como melhorar a aerodinâmica dos carros e dava detalhes do que precisava para um motor mais potente. Sua obsessão por vencer e ser o piloto mais rápido da Fórmula-1, sem perder a humildade, fascinou os engenheiros japoneses da Honda, que passaram a tê-lo como exemplo.
A necessidade de um “herói” para fazer o esporte crescer era simples. A maioria das provas da Fórmula-1 eram disputadas no período da manhã, que, por conta do fuso-horário, eram transmitidas nas madrugadas nipônicas. Para fazer o povo acordar tão cedo, somente com um ícone nas pistas.
Com o interesse da McLaren em contar com os motores Honda, que eram considerados os melhores da competição, chegando a dar 1 segundo de vantagem nas voltas, a empresa japonesa impôs uma condição: contratar Ayrton Senna. A parceria foi histórica e deu mais do que certo. Logo no primeiro ano pela McLaren, Senna foi campeão mundial, conquistando esse título justamente no GP de Suzuka, no Japão, assim como seus outros dois títulos mundiais.Com esse projeto vitorioso de um novo esporte na terra do sol nascente, a revista japonesa Shonen Jump fechou um acordo de patrocínio com a McLaren para estampar o logo no bico dos carros. Acontece que as aventuras de Goku em Dragon Ball eram publicadas na revista semanal, desenhadas pelos marcantes traços de Akira Toriyama. Dragon Ball fez tanto sucesso que virou um dos animes mais populares do país em 1989, ano da estreia nas TVs. Tendo sua imagem atrelada a dois dos maiores ícones do Japão, a Shonen Jump não foi boba e começou a publicar histórias e reportagens sobre Fórmula-1 ilustradas pelos grandes mestres do mangá. Foi dessa parceria que surgiram os mangás GP Boy e F. no Senkou: Ayrton Senna no Chousencomo, que foram sucessos instantâneos. E foi com a reportagem ilustrada BattleMan F-1 GP, em que um personagem disputava provas contra os principais nomes da F-1, que Toriyama conheceu seu ídolo, Ayrton Senna.
A foto viralizou em tempos de internet como um dos encontros mais legais entre o mundo dos esportes e o mundo da Cultura Pop. Além da determinação e das vitórias, que renderam os apelidos de Samurai e Príncipe Supersônico, Senna conquistou os fãs japoneses com seu carisma. Ele era um homem muito mais bonito e simpático que seu companheiro de equipe e principal rival, o francês Alain Prost. O brasileiro conquistou o público com sua humildade e simpatia ao atender todos os fãs que paravam apenas para observá-lo caminhar em solo japonês.
A identificação entre Senna e o Japão também tinha relação com um sentimento de exclusão. Historicamente, a Fórmula-1 é um esporte europeu. Então, quando um latino surge representando os ideais de perseverança tão disseminados no Oriente, surge o casamento perfeito dentre aqueles que tinham o sentimento de não pertencerem àquele esporte.
Ícones da velocidade
Em 1993, a empresa de videogames SEGA era uma das maiores patrocinadoras da Fórmula-1. Era um patrocínio que fazia muito sentido, já que a mascote da empresa japonesa era o simpático ouriço Sonic, famoso por sua velocidade absurda. Além do torneio, a SEGA era um dos patrocinadores máster da escuderia Williams, que mandava seus pilotos para as pistas trajados com um macacão azul, calçados vermelhos e luvas brancas, tal qual o Sonic. Além disso, a carinha do ouriço era estampada no aerofólio dos carros e os pezinhos dele eram desenhados na lataria dos veículos, de modo que parecia ser o próprio Sonic pilotando durante as provas.
Foi uma estratégia de marketing intensa e que deveria ter seu ápice com a vitória de Alain Prost, principal piloto da escuderia na época, ou Damon Hill no XXXVIII Sega European Grand Prix – ou, como ficou conhecido no Brasil, o GP da Europa de 93. Com a vitória da equipe, a marca da SEGA ficaria exposta de maneira total em todos os grandes veículos de imprensa esportiva do mundo.
O que a empresa japonesa não esperava era que Ayrton Senna, ainda pela McLaren, não apenas ganhasse a prova com seu carro, que era considerado inferior às máquinas inteligentes da Williams, mas também realizasse a “melhor primeira volta da história” do esporte.
Resultado: o plano de um pódio todo azul foi frustrado por um brasileiro de vermelho, que acabou faturando um dos troféus mais icônicos da história da Fórmula-1. A nível publicitário, a invasão vermelha acabou sendo benéfica para a SEGA, que tem a foto compartilhada anualmente pelos fãs das corridas por reunir o ícone da velocidade virtual com o ícone da velocidade do mundo real.
Para os fãs do piloto, fica sempre a recomendação do filme Senna: O Brasileiro, O Herói, O Campeão, que é um dos documentários esportivos mais bem avaliados de todos os tempos, e acompanha a trajetória do jovem Ayrton desde os tempos do Kart até a mobilização popular insana no dia do funeral em São Paulo. Quem quiser acompanhar o GP de Suzuka de 1988, corrida do primeiro título mundial, a Rede Globo irá exibir a prova na íntegra neste domingo (3) a partir das 10h.