O lobo das ações uiva
Brasileiro sofre. E brasileiro cinéfilo também sofre. É duro todo ano termos que esperar pela maioria dos filmes mais elogiados, enquanto boa parte do mundo já os conferiu. Nos Estados Unidos, os filmes mirados para premiações saem no final de cada ano. Por aqui, muitos só chegam depois do Oscar – principal prêmio do cinema, que fecha a temporada. O que tem acontecido em anos recentes é um vasto número de lançamentos em janeiro e fevereiro, meses que precedem a premiação final.
Nesta safra chega O Lobo de Wall Street, novo filme do que é considerado o maior diretor vivo, Martin Scorsese. O cineasta faz parte da onda reacionária que tomou Hollywood na década de 1970, e nela entregou Taxi Driver, considerado por muitos a melhor produção da época. Com Touro Indomável, em 1980, e Os Bons Companheiros, em 1990, Scorsese calcou as décadas citadas sempre entregando obras proeminentes. Embora o Oscar de melhor diretor só tenha vindo em 2007, com Os Infiltrados, não existia dúvidas de que Scorsese era o melhor há muitos anos. E o influenciador do cinema de gente boa, como Quentin Tarantino.
Com O Lobo de Wall Street, o cineasta volta a um terreno muito familiar, o de homens em bandos se comportando como animais. A mudança é apenas do universo criminoso da máfia (Os Bons Companheiros, Cassino e Os Infiltrados) para o universo criminoso dos investidores inescrupulosos de Wall Street. Baseado no livro do próprio Jordan Belfort (criado em cima de suas experiências pessoais), este é um projeto dos sonhos de Leonardo DiCaprio (O Grande Gatsby). Por anos o ator tentou levar para as telas a história de Belfort, mas era seguro de uma coisa: ninguém faria a não ser Scorsese.
Marcando o quinto trabalho de DiCaprio com Scorsese, o ator realiza eu terceiro filme consecutivo depois de O Grande Gatsby e Django Livre (foram filmados nessa ordem). DiCaprio em entrevista disse ter agarrado a oportunidade com uma vaga na agenda de Scorsese abriu. Ele não queria saber de descanso já que este é um projeto que visava há anos. Com função de produtor também (assim como Scorsese), DiCaprio vive Jordan Belfort, um jovem ambicioso que decide tentar a sorte no mundo das finanças de Wall Street.
No primeiro emprego é apadrinhado pelo patrão, vivido por um magro Matthew McConaughey (reflexo de Clube de Compras Dallas), que lhe ensina o essencial do negócio. McConaughey aparece pouco, mas é o suficiente para roubar suas cenas. Cheio de efeitos sonoros, rangidos e grunhidos, McConaughey está mesmo de volta. Seu personagem é quem ensina a música que serve como grito de guerra para os gananciosos comparsas de DiCaprio em sua empreitada. Mas é claro, o foco do filme é seu protagonista, e DiCaprio garante o show.
O ator nunca esteve tão bom. No ano passado, citei o papel inusitado e intimidador de DiCaprio, que roubava o show em Django Livre. Como atração principal em O Lobo de Wall Street, o artista entrega igualmente algo nunca tentado em sua carreira. O personagem é a definição da devassidão e da falta de controle e limite. DiCaprio dança, faz sexo, e cheira mais cocaína do que Tony Montana e Maradona em seus dias de glória (entre outras muitas drogas que consome, incluindo o infame Quaaludes). O filme é quase uma propaganda para a extinta droga citada. Particularmente sempre lembro do prazer culposo Férias do Barulho (1985), com Johnny Depp, quando penso no medicamento.
Uma cena em particular é impagável, e uma das melhores do filme por ser a mais inusitada e alucinada. Na cena em questão, DiCaprio sofre os efeitos retardados do super Quaaludes tentando chegar em casa e desligar uma ligação de seu sócio, já que seu telefone está grampeado. Essa é uma daquelas cenas que destacam o filme, e da qual todos lembrarão por muito tempo ao se referirem à obra. O Lobo de Wall Street mostra a ascensão (e eventual queda) de um sujeito sem qualquer bússola moral, e serve como forte retrato da geração yuppie, jovens empresários gananciosos.
Esta é também quase uma história de início para o personagem Gordon Gekko (vivido por Michael Douglas em Wall Street – Poder e Cobiça e Wall Street – O Dinheiro Nunca Dorme), mas muito mais visceral. Jonah Hill (É o Fim) possui um bom desempenho, mas sua caracterização chama mais a atenção. Temos ainda a participação de um grande elenco, que inclui até mesmo diretores e prestígio. Mas esse é um show de DiCaprio. Além do tour de force do ator, citaria a impactante revelação de Margot Robbie (Questão de Tempo), que além de boa atriz corre o risco de ser eleita a mulher mais linda de Hollywood. Com 180 minutos de projeção, poucas cenas de O Lobo poderiam de fato ser descartadas. Resultado: Outro golaço de Scorsese.