terça-feira , 5 novembro , 2024

‘O Porão da Rua do Grito’: ‘O Terror Dirigido por Mulheres é uma Tendência’, diz produtora Geórgia Costa Araújo [EXCLUSIVO]

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As produções cinematográficas vivem se reinventando! E, dentro das medidas do “novo normal”, muitas delas já estão com as gravações em andamento, como é o caso de ‘O Porão da Rua Grito’, primeiro longa de terror brasileiro totalmente filmado após a reabertura das cidades e dentro das medidas sanitárias necessárias para garantir a segurança de toda a equipe. Para entender melhor como foi essa inesquecível experiência, o CinePOP conversou com exclusividade com Geórgia Costa Araújo, produtora do filme. Confira!

Antes de mais nada, vamos conhecer um pouquinho de ‘O Porão da Rua do Grito’?

Geórgia: Bom, é um filme do subgênero da casa mal assombrada. Então, o filme se passa inteiro nessa locação, na casa. E conta a história de uma família e as relações dessa família com seus antepassados, que vão aos poucos ocupando espaço nessa história do presente. De grosso modo é mais ou menos isso.

CinePOP: É o primeiro projeto de Sabrina Greve como diretora, né?

G: É o primeiro longa, mas ela já dirigiu vários outros projetos, como curtas e telefilme. Ela tem formação em cinema como diretora universitária. Esse é realmente o seu longa de estreia. Ela é uma das roteiristas também e, como atriz, ela já tem até uma certa tradição de atuação no gênero. Agora, por exemplo, ela está no ar no streaming, com o projeto com a Globoplay que é o ‘Desalma’. E, também, outros projetos de gênero. Ela fez o curta da Juliana Rojas, que foi para Cannes, ‘O Duplo’. Então, ela já pesquisa o gênero e o processo de atuação há muito tempo, e no filme que ela aplica muito dessa bagagem que ela traz do sobrenatural e do terror.

CinePOP: Recentemente a gente tem tido muito debate sobre essa questão do gênero do filme de terror, do livro de terror. E costumam dizer que não atrai público e que ele não é valorizado no Brasil. Eu discordo, eu acho que ele está em uma grande ascensão, que está tendo muita procura e interesse. O que você acha?

G: Nós aqui, da Coração da Selva, sempre fomos pesquisadores e entusiastas dessa possibilidade de abrir o novo filão de interesse de público para o nosso audiovisual justamente porque o Brasil é um dos países que mais tem afeto pelo gênero. É, de longe, um dos países onde certos títulos atraem mais público, principalmente quando mistura o sobrenatural. Não sei se é uma tradição da superstição ou da religião, não sei exatamente por que, mas, pros filmes estrangeiros, o Brasil sempre foi muito interessante como mercado. Você vê filmes de grande produção, filmes de caráter bem independente sempre funcionaram muito bem, e a gente, já desde 2007, vem pesquisando possibilidades de produzir nesse gênero, e, a partir desse movimento, a gente fez um filme inédito. Deve ser lançado em breve, só não foi lançado agora em 2020 porque veio a pandemia, que é o ‘Terapia do Medo’. É um filme de sobrenatural que mexe com hipnose, e tem a Cleo e o Sérgio Guizé como protagonistas. Ele tem um diferencial que é um filme de sobrenatural mas que se passa todo numa paisagem de praia, que é uma coisa típica do Brasil. É até uma coisa impressionante como a gente tem todo esse litoral e não explora esse lugar como ambiente cinematográfico. E para esse gênero combina muito uma casa longe, afastada, numa praia. A gente filmou em Ilha Bela. Esse projeto que deve ser lançado em breve. Acho que agora que os cinemas reabriram, muito em breve mesmo. E ‘O Porão da Rua do Grito’ seria o segundo longa que a gente faz nesse formato, nesse gênero.

C: E você pretende ficar produzindo mais filmes de terror? A gente pode esperar de você bons filmes?
G: Com certeza. O que a gente está agora tateando justamente os subgêneros envolvidos. O que a gente realmente considera e leva muito a sério é atender os códigos de cada subgênero e ir em busca de achar o público certo para a obra certa, e realmente fazer uma entrega dos filmes que venha o encontro dessa expectativa. Então, justamente esses dois filmes são pra tatear ainda diferentes públicos dentro deste grande guarda-chuva e aperfeiçoar cada vez mais nossa forma de produzir para esse público.

C: Eu estava aqui pensando da questão do título. Você falou do ‘Terapia do Medo’ e uma coisa que me chamou muito a atenção em ‘O Porão da Rua do Grito’ é justamente o título. Primeiro porque ele é muito atraente por si só, mas, remete muito aqueles livros que eu lia quando eu era mais jovem. Eram livros de terror para criança tipo do Pedro Bandeira, como o ‘Pântano de Sangue’ ou ‘O Escaravelho do Diabo’, porque tinham uns títulos que eram muito assim. Teve essa influência dessa pegada desses livros ou até dos filmes de terror dos anos 80?

G: Olha, você agora tocou num ponto que está muito relacionado ao projeto. Tanto o título quanto o disparo da história para a Sabrina vêm justamente na fantasia infantil da infância dela e a história contada a partir do ponto de vista da memória dessas crianças personagens. Depois elas crescem e o filme se passa no ambiente dos adultos. Mas o disparo dramático vem justamente nesse lugar da fantasia. Ela cresceu aqui em São Paulo, no bairro do Ipiranga, e nele tem a Rua do Grito, que é o lugar onde Dom Pedro I deu o grito da “Independência ou Morte” e existe uma rua batizada como Rua do Grito. Só que as crianças do bairro, antes de estudar a história do Brasil, passavam naquela rua morrendo de medo, achando que justamente aquela rua era a rua de que algum dia alguém gritou de medo. E isso era parte do imaginário das crianças do bairro, e, a partir dessas memórias e das brincadeiras de porão das crianças da turma dela que que veio o projeto e a história. Não é para criança, mas justamente esse título se relaciona a esse imaginário do ponto de vista infantil, de quanto um nome desses, a imagem de um porão e o grito são imagens assustadoras para uma criança e desperta a imaginação.

C: Ai gente que delícia! Fiquei super animada agora. Porque tem isso, a gente cresce também. Agora ampliando um pouco mais, me parece que tem muitas histórias assim no Brasil. A gente é que não está sabendo colocar, talvez, ou não está indo com tanta rapidez colocando no cinema ou na literatura, porque se a gente parar para olhar a gente tem essas histórias aqui no Brasil conhecidas até.

G: Pois é, além das histórias a gente tem imaginação, esse afeto mesmo das pessoas pelo espírito, pelo sobrenatural, pelas mitologias. Então, eu acho que é achar a mão, achar o jeito de ser crível em situações ambientadas aqui no Brasil. Muito se discutiu: “Será que as pessoas querem ver gênero falado em português?” A gente tem aqui a Sabrina e tudo o mais, uma certeza que não tem a ver com isso, não tem a ver com a língua. O problema é que o nosso audiovisual foi muito construído em cima do naturalismo. O que a gente faz de melhor – e muito bem, inclusive – e o nosso público também está muito acostumado a ver, é as histórias brasileiras embaladas dentro desse naturalismo. Quando você sai desse lugar e vai para outro, que um gênero como esse pede, tem que existir muita segurança e adaptação de como você vai contar essa história com personagens e atores que façam a mise en scene que seja crível do ponto de vista do gênero. Então, está muito mais relacionado, por exemplo, na expressão do que na psicologia. Enquanto drama, que a gente faz muito bem, está muito relacionado às emoções reais da vida. E é justamente esse experimento que eu acho que cabe aos criadores brasileiros tatearem e jogarem no mercado, até para a gente escrever uma tradição brasileira de como contar essas histórias, como criar essas atmosferas que são diferentes do que as pessoas estão acostumadas a ver feitas aqui no Brasil. Então, é mesmo o tom da cinematografia, o tom da mise en scene, tudo isso.

C: E não me passou despercebido também que é um filme que o roteiro foi escrito por duas mulheres, foi dirigido por uma mulher, foi produzido por uma mulher, estrelado por uma mulher e é de terror. Coisa muito pouco vista nesse gênero.

G: É, exatamente. Mas é uma tendência. O projeto foi selecionado em um dos eventos mais importantes de laboratório do gênero, que é o Blood Window, que fica dentro do festival Ventana Sur, na Argentina. Vem gente do mundo inteiro com projetos e distribuidores especializados para ver os projetos que estão sendo desenvolvidos para incrementar, trocar, comprar. E lá mesmo, no ano passado, você já percebia o imenso interesse nos projetos de mulheres. E a Sabrina tem muito o que falar sobre isso, ela inclusive se inspira muito na leva desses projetos, como ‘Babadook’, por exemplo. São projetos dirigidos por mulheres e o mercado está muito interessado porque são filmes que conseguiram achar seu público. Tem pesquisas em que o público feminino é maior que o masculino nesse gênero. Mas um dia a Sabrina comentou comigo que muitos desses distribuidores tinham esse interesse específico – e é uma tendência mesmo – que é o terror feito por autoras. Até o próprio ‘Desalma’ é de uma autora.

C:O porão da Rua do Grito’ é o primeiro de uma trilogia, correto?
G: Correto. Só que é uma trilogia que deve tratar de prequels da história, que antecede essa história do presente. Então ela remonta até o final do século XIX, quando essa família fictícia chegou ao Brasil. E aí construiu essa casa, e depois são três gerações dentro da casa. Essa é a geração mais contemporânea.

C: E vocês reformaram o casarão que vocês escolheram para fazer a as filmagens, né? Eu me pergunto como é que foi a escolha dessa locação, porque a gente sabe que tem essa questão que você mesma pontuou, que tem muito esse contraste do contemporâneo com o antigo nesses casarões do século XIX, mas que eles não suportam a tecnologia. Então, como foi gravar num casarão desses, considerando essas limitações?

G: Exato. Na verdade, a casa que nos encontrou. A gente começou a disparar pesquisa de locação e na primeira semana essa casa apareceu, e a gente suspendeu a pesquisa imediatamente. Não tinha dúvida.

C: Receberam o chamado da casa.

G: É, a casa falou: “É aqui! É aqui que vocês escreveram essa história!”. De fato, é uma casa linda, toda original, mas em condições muito precárias e até insalubres para uma produção. Então a gente teve que fazer adaptações e estrutura para suportar a equipe e a produção. Trabalhamos com uma empresa especializada em móveis tombados. O imóvel é tão cinematográfico, tão lindo, que todo zelo é pouco para trabalhar ali dentro. Construímos os ambientes, o porão, e filmamos tudo lá. Uma ideia originalmente era “Será que vai precisar ir para estúdio para filmar o porão?” Mas lá não, lá tinha um porão perfeito, no sentido da imagem e também da generosidade do espaço pra filmagem.

C: E vocês gravaram agora, já com esses novos formatos de gravações de filmes, gravado em 2020, pensado em toda essa questão da pandemia. Como é que foi? Porque é um desafio extra você conseguir gravar nessas condições em que a realidade tem um terror.

G: Foi o primeiro longa. Faltavam duas semanas para começar as filmagens, em março, quando foi decretada a quarentena. E foi o primeiro filme que foi inteiro iniciado e concluído nessa época de pandemia. Foi muito curioso, na verdade, em muitos aspectos, mas eu vou tentar destacar aqui alguns. Primeiro o desafio e a missão. O desafio porque é muito diferente. A gente realmente teve que aprender, estudar muita coisa, adaptar várias questões, tanto logísticas quanto artísticas. Então, teve uma carga de trabalho adicional, mas ao mesmo tempo para a equipe toda que tinha ficado cinco meses, seis meses em casa se preparando para uma retomada, a gente na verdade só pôs em prática tudo aquilo que a gente veio se preparando nessa construção da retomada. Alguma produção ia ter que começar. Então eu falei: “Por que não a nossa?”. Porque a gente ainda tem um formato de projeto que caberia muito mais controle do que outros, por se passar inteiro em uma locação. E o gênero ele tem uma solenidade, as cenas têm uma questão solene. Eu tenho uma quantidade de cenas onde personagens estão isolado mesmo. Isso faz parte até mesmo do jeito daquele momento. Então, eu tenho um bom percentual disso. Então, é um filme, por essas características, muito adequado. Qualquer limitação, isolamento e clausura fazia parte da estética e do projeto. O filme ganhou muito artisticamente com essa contenção, com essa solenidade, com esse foco que a própria equipe teve que imprimir ao lidar com a produção em tempos de pandemia. A gente trabalhou muito a tecnologia, a base de tudo foi tecnológica. A camada de tecnologia que a gente agregou foi muito grande e operamos coisas que já existem, mas nunca foram usadas no audiovisual por não ter tido antes talvez uma premissa tão forte quanto essa do contato. A gente pôde abusar de coisas, por exemplo, como a câmera remota. Toda a situação de câmera não tinha operador, era tecnologia operada por um ser humano longe, mas a câmera era controlada por um robô que simulava os gestos do operador que estava em outro cômodo para não ter a presença dele com os atores.

C: Gente! Que maravilhoso!

G: Maravilhoso, né? Já tem tempo que essa tecnologia existe, mas nunca ninguém teve a ideia de usar. Essa tecnologia era usada para outras coisas. Uma outra coisa é a monitoração. Então, para evitar a presença das pessoas ao lado ali do ambiente da filmagem a gente distribuiu em todos os devices das pessoas (Ipads, tablets e celulares) o sinal que vinha da câmera para não ter aquela aglomeração no vídeo assiste. O vídeo assiste é aquela televisão que todo mundo fica em volta assistindo o que está sendo filmado. Foi distribuído, então, cada um monitorava. Eu monitorava coisas da minha casa e ficava às vezes trabalhando de casa, monitorando de lá as cenas. Fora tecnologias do backstage, que é triagem de saúde da equipe, questões de alimentação, uma série de outras tecnologias que a gente criou e desenvolveu e que hoje a gente está distribuindo para todas as produções que estão indo filmar agora. É um aplicativo que nós desenvolvemos para o controle de acesso das pessoas no ambiente de trabalho.

C: Que maravilha! Já quero saber qual é esse aplicativo.

G: É muito legal. Além da Coração da Selva, a gente o Cinehub, que é um coworking só do audiovisual, e também um espaço pro setor, além da própria produtora. A gente usa a produtora para desenvolver processos, conhecimento, e o Cinehub distribui para as outras produtoras. É um Hub do cinema, e o propósito do Cinehub, você pode até ver no site, é conectar o cinema com o futuro. Então esse laboratório tecnológico de carregar o setor inteiro para novos formatos de produção, para novas tecnologias. A gente é pioneiro e é através do CineHub que a gente troca com as outras produtoras.

C: Reza a lenda que quando se grava filmes de terror em casarões mal assombrados, sempre tem uma história meio assombrada ali nas gravações. Aconteceu alguma coisa do gênero?

G: Olha, a gente estava filmando ali na casa e a própria equipe se perguntando – isso antes da pré-produção em março –, o que que ia acontecer. A própria pandemia foi para a gente a grande força do sobrenatural sobre o projeto. Estávamos muito preparados e de repente veio a pandemia. O que eu diria da analogia da nossa vida na produção com esse embate do bem e do mal, eu acho até que a própria postura… a equipe e o elenco se juntarem meses depois, sem ainda nenhum exemplo a seguir, para levantar o projeto em torno de todos esses riscos e fazer isso em uma comunhão muito forte… Parecia, sim, uma convocatória, para através da produção do filme travar uma batalha. Então tinha esse espírito mesmo, de um grupo numa batalha contra um inimigo. Muito lindo como esse processo foi construído, e a gente, por exemplo, não se comunicou com o mundo externo. A gente ficou na casa esse tempo todo. Não houve nenhum trabalho com a imprensa ou com as redes sociais da própria equipe. A gente realmente se concentrou nessa batalha para só depois da batalha vencida falar sobre ela. Esse espírito pairou sobre o nosso projeto o tempo todo. Porque existia um ambiente de morte lá fora, e ali dentro do ambiente do filme a gente construiu um ambiente de resistência.

C: Que é bem essa pegada dos filmes de terror, né?

G: Exatamente, foi o terceiro ato. É como se estivéssemos no terceiro ato do filme.

Gostou da entrevista? Então fique ligado que em breve ‘O Porão da Rua do Grito‘ estreia num cinema perto de você!

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Janda Montenegrohttp://cinepop.com.br
Escritora, autora de 6 livros, roteirista, assistente de direção. Doutora em Literatura Brasileira Indígena UFRJ.

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As produções cinematográficas vivem se reinventando! E, dentro das medidas do “novo normal”, muitas delas já estão com as gravações em andamento, como é o caso de ‘O Porão da Rua Grito’, primeiro longa de terror brasileiro totalmente filmado após a reabertura das cidades e dentro das medidas sanitárias necessárias para garantir a segurança de toda a equipe. Para entender melhor como foi essa inesquecível experiência, o CinePOP conversou com exclusividade com Geórgia Costa Araújo, produtora do filme. Confira!

Antes de mais nada, vamos conhecer um pouquinho de ‘O Porão da Rua do Grito’?

Geórgia: Bom, é um filme do subgênero da casa mal assombrada. Então, o filme se passa inteiro nessa locação, na casa. E conta a história de uma família e as relações dessa família com seus antepassados, que vão aos poucos ocupando espaço nessa história do presente. De grosso modo é mais ou menos isso.

CinePOP: É o primeiro projeto de Sabrina Greve como diretora, né?

G: É o primeiro longa, mas ela já dirigiu vários outros projetos, como curtas e telefilme. Ela tem formação em cinema como diretora universitária. Esse é realmente o seu longa de estreia. Ela é uma das roteiristas também e, como atriz, ela já tem até uma certa tradição de atuação no gênero. Agora, por exemplo, ela está no ar no streaming, com o projeto com a Globoplay que é o ‘Desalma’. E, também, outros projetos de gênero. Ela fez o curta da Juliana Rojas, que foi para Cannes, ‘O Duplo’. Então, ela já pesquisa o gênero e o processo de atuação há muito tempo, e no filme que ela aplica muito dessa bagagem que ela traz do sobrenatural e do terror.

CinePOP: Recentemente a gente tem tido muito debate sobre essa questão do gênero do filme de terror, do livro de terror. E costumam dizer que não atrai público e que ele não é valorizado no Brasil. Eu discordo, eu acho que ele está em uma grande ascensão, que está tendo muita procura e interesse. O que você acha?

G: Nós aqui, da Coração da Selva, sempre fomos pesquisadores e entusiastas dessa possibilidade de abrir o novo filão de interesse de público para o nosso audiovisual justamente porque o Brasil é um dos países que mais tem afeto pelo gênero. É, de longe, um dos países onde certos títulos atraem mais público, principalmente quando mistura o sobrenatural. Não sei se é uma tradição da superstição ou da religião, não sei exatamente por que, mas, pros filmes estrangeiros, o Brasil sempre foi muito interessante como mercado. Você vê filmes de grande produção, filmes de caráter bem independente sempre funcionaram muito bem, e a gente, já desde 2007, vem pesquisando possibilidades de produzir nesse gênero, e, a partir desse movimento, a gente fez um filme inédito. Deve ser lançado em breve, só não foi lançado agora em 2020 porque veio a pandemia, que é o ‘Terapia do Medo’. É um filme de sobrenatural que mexe com hipnose, e tem a Cleo e o Sérgio Guizé como protagonistas. Ele tem um diferencial que é um filme de sobrenatural mas que se passa todo numa paisagem de praia, que é uma coisa típica do Brasil. É até uma coisa impressionante como a gente tem todo esse litoral e não explora esse lugar como ambiente cinematográfico. E para esse gênero combina muito uma casa longe, afastada, numa praia. A gente filmou em Ilha Bela. Esse projeto que deve ser lançado em breve. Acho que agora que os cinemas reabriram, muito em breve mesmo. E ‘O Porão da Rua do Grito’ seria o segundo longa que a gente faz nesse formato, nesse gênero.

C: E você pretende ficar produzindo mais filmes de terror? A gente pode esperar de você bons filmes?
G: Com certeza. O que a gente está agora tateando justamente os subgêneros envolvidos. O que a gente realmente considera e leva muito a sério é atender os códigos de cada subgênero e ir em busca de achar o público certo para a obra certa, e realmente fazer uma entrega dos filmes que venha o encontro dessa expectativa. Então, justamente esses dois filmes são pra tatear ainda diferentes públicos dentro deste grande guarda-chuva e aperfeiçoar cada vez mais nossa forma de produzir para esse público.

C: Eu estava aqui pensando da questão do título. Você falou do ‘Terapia do Medo’ e uma coisa que me chamou muito a atenção em ‘O Porão da Rua do Grito’ é justamente o título. Primeiro porque ele é muito atraente por si só, mas, remete muito aqueles livros que eu lia quando eu era mais jovem. Eram livros de terror para criança tipo do Pedro Bandeira, como o ‘Pântano de Sangue’ ou ‘O Escaravelho do Diabo’, porque tinham uns títulos que eram muito assim. Teve essa influência dessa pegada desses livros ou até dos filmes de terror dos anos 80?

G: Olha, você agora tocou num ponto que está muito relacionado ao projeto. Tanto o título quanto o disparo da história para a Sabrina vêm justamente na fantasia infantil da infância dela e a história contada a partir do ponto de vista da memória dessas crianças personagens. Depois elas crescem e o filme se passa no ambiente dos adultos. Mas o disparo dramático vem justamente nesse lugar da fantasia. Ela cresceu aqui em São Paulo, no bairro do Ipiranga, e nele tem a Rua do Grito, que é o lugar onde Dom Pedro I deu o grito da “Independência ou Morte” e existe uma rua batizada como Rua do Grito. Só que as crianças do bairro, antes de estudar a história do Brasil, passavam naquela rua morrendo de medo, achando que justamente aquela rua era a rua de que algum dia alguém gritou de medo. E isso era parte do imaginário das crianças do bairro, e, a partir dessas memórias e das brincadeiras de porão das crianças da turma dela que que veio o projeto e a história. Não é para criança, mas justamente esse título se relaciona a esse imaginário do ponto de vista infantil, de quanto um nome desses, a imagem de um porão e o grito são imagens assustadoras para uma criança e desperta a imaginação.

C: Ai gente que delícia! Fiquei super animada agora. Porque tem isso, a gente cresce também. Agora ampliando um pouco mais, me parece que tem muitas histórias assim no Brasil. A gente é que não está sabendo colocar, talvez, ou não está indo com tanta rapidez colocando no cinema ou na literatura, porque se a gente parar para olhar a gente tem essas histórias aqui no Brasil conhecidas até.

G: Pois é, além das histórias a gente tem imaginação, esse afeto mesmo das pessoas pelo espírito, pelo sobrenatural, pelas mitologias. Então, eu acho que é achar a mão, achar o jeito de ser crível em situações ambientadas aqui no Brasil. Muito se discutiu: “Será que as pessoas querem ver gênero falado em português?” A gente tem aqui a Sabrina e tudo o mais, uma certeza que não tem a ver com isso, não tem a ver com a língua. O problema é que o nosso audiovisual foi muito construído em cima do naturalismo. O que a gente faz de melhor – e muito bem, inclusive – e o nosso público também está muito acostumado a ver, é as histórias brasileiras embaladas dentro desse naturalismo. Quando você sai desse lugar e vai para outro, que um gênero como esse pede, tem que existir muita segurança e adaptação de como você vai contar essa história com personagens e atores que façam a mise en scene que seja crível do ponto de vista do gênero. Então, está muito mais relacionado, por exemplo, na expressão do que na psicologia. Enquanto drama, que a gente faz muito bem, está muito relacionado às emoções reais da vida. E é justamente esse experimento que eu acho que cabe aos criadores brasileiros tatearem e jogarem no mercado, até para a gente escrever uma tradição brasileira de como contar essas histórias, como criar essas atmosferas que são diferentes do que as pessoas estão acostumadas a ver feitas aqui no Brasil. Então, é mesmo o tom da cinematografia, o tom da mise en scene, tudo isso.

C: E não me passou despercebido também que é um filme que o roteiro foi escrito por duas mulheres, foi dirigido por uma mulher, foi produzido por uma mulher, estrelado por uma mulher e é de terror. Coisa muito pouco vista nesse gênero.

G: É, exatamente. Mas é uma tendência. O projeto foi selecionado em um dos eventos mais importantes de laboratório do gênero, que é o Blood Window, que fica dentro do festival Ventana Sur, na Argentina. Vem gente do mundo inteiro com projetos e distribuidores especializados para ver os projetos que estão sendo desenvolvidos para incrementar, trocar, comprar. E lá mesmo, no ano passado, você já percebia o imenso interesse nos projetos de mulheres. E a Sabrina tem muito o que falar sobre isso, ela inclusive se inspira muito na leva desses projetos, como ‘Babadook’, por exemplo. São projetos dirigidos por mulheres e o mercado está muito interessado porque são filmes que conseguiram achar seu público. Tem pesquisas em que o público feminino é maior que o masculino nesse gênero. Mas um dia a Sabrina comentou comigo que muitos desses distribuidores tinham esse interesse específico – e é uma tendência mesmo – que é o terror feito por autoras. Até o próprio ‘Desalma’ é de uma autora.

C:O porão da Rua do Grito’ é o primeiro de uma trilogia, correto?
G: Correto. Só que é uma trilogia que deve tratar de prequels da história, que antecede essa história do presente. Então ela remonta até o final do século XIX, quando essa família fictícia chegou ao Brasil. E aí construiu essa casa, e depois são três gerações dentro da casa. Essa é a geração mais contemporânea.

C: E vocês reformaram o casarão que vocês escolheram para fazer a as filmagens, né? Eu me pergunto como é que foi a escolha dessa locação, porque a gente sabe que tem essa questão que você mesma pontuou, que tem muito esse contraste do contemporâneo com o antigo nesses casarões do século XIX, mas que eles não suportam a tecnologia. Então, como foi gravar num casarão desses, considerando essas limitações?

G: Exato. Na verdade, a casa que nos encontrou. A gente começou a disparar pesquisa de locação e na primeira semana essa casa apareceu, e a gente suspendeu a pesquisa imediatamente. Não tinha dúvida.

C: Receberam o chamado da casa.

G: É, a casa falou: “É aqui! É aqui que vocês escreveram essa história!”. De fato, é uma casa linda, toda original, mas em condições muito precárias e até insalubres para uma produção. Então a gente teve que fazer adaptações e estrutura para suportar a equipe e a produção. Trabalhamos com uma empresa especializada em móveis tombados. O imóvel é tão cinematográfico, tão lindo, que todo zelo é pouco para trabalhar ali dentro. Construímos os ambientes, o porão, e filmamos tudo lá. Uma ideia originalmente era “Será que vai precisar ir para estúdio para filmar o porão?” Mas lá não, lá tinha um porão perfeito, no sentido da imagem e também da generosidade do espaço pra filmagem.

C: E vocês gravaram agora, já com esses novos formatos de gravações de filmes, gravado em 2020, pensado em toda essa questão da pandemia. Como é que foi? Porque é um desafio extra você conseguir gravar nessas condições em que a realidade tem um terror.

G: Foi o primeiro longa. Faltavam duas semanas para começar as filmagens, em março, quando foi decretada a quarentena. E foi o primeiro filme que foi inteiro iniciado e concluído nessa época de pandemia. Foi muito curioso, na verdade, em muitos aspectos, mas eu vou tentar destacar aqui alguns. Primeiro o desafio e a missão. O desafio porque é muito diferente. A gente realmente teve que aprender, estudar muita coisa, adaptar várias questões, tanto logísticas quanto artísticas. Então, teve uma carga de trabalho adicional, mas ao mesmo tempo para a equipe toda que tinha ficado cinco meses, seis meses em casa se preparando para uma retomada, a gente na verdade só pôs em prática tudo aquilo que a gente veio se preparando nessa construção da retomada. Alguma produção ia ter que começar. Então eu falei: “Por que não a nossa?”. Porque a gente ainda tem um formato de projeto que caberia muito mais controle do que outros, por se passar inteiro em uma locação. E o gênero ele tem uma solenidade, as cenas têm uma questão solene. Eu tenho uma quantidade de cenas onde personagens estão isolado mesmo. Isso faz parte até mesmo do jeito daquele momento. Então, eu tenho um bom percentual disso. Então, é um filme, por essas características, muito adequado. Qualquer limitação, isolamento e clausura fazia parte da estética e do projeto. O filme ganhou muito artisticamente com essa contenção, com essa solenidade, com esse foco que a própria equipe teve que imprimir ao lidar com a produção em tempos de pandemia. A gente trabalhou muito a tecnologia, a base de tudo foi tecnológica. A camada de tecnologia que a gente agregou foi muito grande e operamos coisas que já existem, mas nunca foram usadas no audiovisual por não ter tido antes talvez uma premissa tão forte quanto essa do contato. A gente pôde abusar de coisas, por exemplo, como a câmera remota. Toda a situação de câmera não tinha operador, era tecnologia operada por um ser humano longe, mas a câmera era controlada por um robô que simulava os gestos do operador que estava em outro cômodo para não ter a presença dele com os atores.

C: Gente! Que maravilhoso!

G: Maravilhoso, né? Já tem tempo que essa tecnologia existe, mas nunca ninguém teve a ideia de usar. Essa tecnologia era usada para outras coisas. Uma outra coisa é a monitoração. Então, para evitar a presença das pessoas ao lado ali do ambiente da filmagem a gente distribuiu em todos os devices das pessoas (Ipads, tablets e celulares) o sinal que vinha da câmera para não ter aquela aglomeração no vídeo assiste. O vídeo assiste é aquela televisão que todo mundo fica em volta assistindo o que está sendo filmado. Foi distribuído, então, cada um monitorava. Eu monitorava coisas da minha casa e ficava às vezes trabalhando de casa, monitorando de lá as cenas. Fora tecnologias do backstage, que é triagem de saúde da equipe, questões de alimentação, uma série de outras tecnologias que a gente criou e desenvolveu e que hoje a gente está distribuindo para todas as produções que estão indo filmar agora. É um aplicativo que nós desenvolvemos para o controle de acesso das pessoas no ambiente de trabalho.

C: Que maravilha! Já quero saber qual é esse aplicativo.

G: É muito legal. Além da Coração da Selva, a gente o Cinehub, que é um coworking só do audiovisual, e também um espaço pro setor, além da própria produtora. A gente usa a produtora para desenvolver processos, conhecimento, e o Cinehub distribui para as outras produtoras. É um Hub do cinema, e o propósito do Cinehub, você pode até ver no site, é conectar o cinema com o futuro. Então esse laboratório tecnológico de carregar o setor inteiro para novos formatos de produção, para novas tecnologias. A gente é pioneiro e é através do CineHub que a gente troca com as outras produtoras.

C: Reza a lenda que quando se grava filmes de terror em casarões mal assombrados, sempre tem uma história meio assombrada ali nas gravações. Aconteceu alguma coisa do gênero?

G: Olha, a gente estava filmando ali na casa e a própria equipe se perguntando – isso antes da pré-produção em março –, o que que ia acontecer. A própria pandemia foi para a gente a grande força do sobrenatural sobre o projeto. Estávamos muito preparados e de repente veio a pandemia. O que eu diria da analogia da nossa vida na produção com esse embate do bem e do mal, eu acho até que a própria postura… a equipe e o elenco se juntarem meses depois, sem ainda nenhum exemplo a seguir, para levantar o projeto em torno de todos esses riscos e fazer isso em uma comunhão muito forte… Parecia, sim, uma convocatória, para através da produção do filme travar uma batalha. Então tinha esse espírito mesmo, de um grupo numa batalha contra um inimigo. Muito lindo como esse processo foi construído, e a gente, por exemplo, não se comunicou com o mundo externo. A gente ficou na casa esse tempo todo. Não houve nenhum trabalho com a imprensa ou com as redes sociais da própria equipe. A gente realmente se concentrou nessa batalha para só depois da batalha vencida falar sobre ela. Esse espírito pairou sobre o nosso projeto o tempo todo. Porque existia um ambiente de morte lá fora, e ali dentro do ambiente do filme a gente construiu um ambiente de resistência.

C: Que é bem essa pegada dos filmes de terror, né?

G: Exatamente, foi o terceiro ato. É como se estivéssemos no terceiro ato do filme.

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Janda Montenegrohttp://cinepop.com.br
Escritora, autora de 6 livros, roteirista, assistente de direção. Doutora em Literatura Brasileira Indígena UFRJ.

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