sexta-feira, abril 19, 2024

O que a onda de cancelamentos na pandemia diz sobre o futuro da TV

Desde que o mundo é mundo, fãs de séries de TV se acostumaram a respirar aliviados quando viam o anúncio de suas produções favoritas renovadas para a temporada seguinte. O verbo ‘renovar’ se tornou sinônimo de paz na mente daqueles que estavam preocupados com a possibilidade de nunca saberem se aquele casal ficaria junto, de nunca descobrirem a resolução daquela trama, de serem obrigados a dizer adeus para sempre para aqueles personagens que se tornaram amigos, amores, irmãos. Renovação virou sinal de vitória, objetivo de campanhas e mais campanhas, uma conquista. E, em 2020, virou apenas mais uma coisa que perdeu o significado por causa da pandemia.

Isso porque foram, até agora, sete séries “desrenovadas” em virtude do COVID-19: ‘Stumptown’ (ABC), ‘Evel’ (USA Network), ‘GLOW’, ‘The Society’, ‘I Am Not Okay With This’ (Netflix), ‘I’m Sorry’ (TruTV) e ‘On Becoming a God in Central Florida’ (Showtime). O que era raro na indústria aos poucos vira rotina e levanta uma questão: quantas outras séries a pandemia ainda vai levar embora?

O motivo dos cancelamentos sempre tem a ver com custos. Segundo o produtor Alex Kurtzman, arcar com os procedimentos de segurança para elenco e equipe durante e após a pandemia aumenta os gastos em uma média que varia de 300 a 500 mil dólares por episódio. Isso pensando apenas em testes de temperatura, reforço da higiene e distanciamento, sem levar em conta a dificuldade que é conciliar as agendas de atores e atrizes depois de tudo ter sido adiado desde março deste ano. A minissérie Evel, por exemplo, foi cancelada porque a agenda de Milo Ventimiglia, que seria o protagonista, simplesmente não encaixava mais depois do retorno das gravações de This Is Us.

Caçadoras de Recompensas (Netflix)

Para séries como The Society e GLOW, outros fatores também entram na equação. Na primeira, um drama adolescente da Netflix que trouxe na primeira temporada uma “guinada moderna” para o clássico literário O Senhor das Moscas, um dos desafios estava ligado ao fato de a série reunir um elenco bastante numeroso, e isso contribuir para aumentar ainda mais os custos. Com a segunda, uma série sobre luta livre, há obviamente muito contato físico, o que também complica a continuidade. Quando a série poderia ser gravada de forma segura? O quanto isso atrasaria o seu retorno? Falamos, então, de uma série que está fora do ar desde 2019 e cujo retorno seria, no mínimo, em 2022. Tudo isso levanta ainda mais gastos.

Neste bolo de novos cancelamentos, a Netflix acaba levando uma carga maior. Foram três séries “desrenovadas” por causa do COVID-19, além de Caçadoras de Recompensas, cancelada após uma temporada. Embora essa onda de séries canceladas pela gigante do streaming assuste, muito por se tratar de uma plataforma que ficou conhecida inicialmente por não cancelar nada, o volume acaba sendo consequência justamente da grande quantidade de séries que o streaming põe no ar semanalmente. O que move as renovações e os cancelamentos não é audiência, mas a pergunta: quantos novos potenciais assinantes essas novas temporadas poderiam render? Se a resposta não compensar os gastos durante a pandemia, então o cancelamento é o caminho, mesmo que um dinheiro já tenha sido investido com o que seriam as futuras temporadas.

O paradoxo é frustrante, porque estamos diante de um volume de séries chegando ao cancelamento não porque foram mal recebidas por público e/ou crítica, mas porque ficaram caras demais. Isso é assustador por dois motivos. O primeiro é porque denuncia o quanto o método de produção de séries atual beira o insustentável, com gastos exorbitantes que não deixam espaço para qualquer imprevisto. Se, há cinco ou seis anos, séries que custassem US$ 5 milhões por episódio eram um luxo dedicado à TV a cabo, hoje é comum que até algumas produções da TV aberta cheguem a esse valor.

GLOW

O segundo diz respeito ao volume de produções seriadas com que lidamos anualmente — um volume que há alguns anos analistas consideram excessivo e que, mesmo durante a pandemia, não diminuiu. Estamos em outubro, as filmagens estão interrompidas desde março e, mesmo assim, a Netflix segue despejando semanalmente muito mais conteúdo do que um assinante seria capaz de consumir em tempo hábil. A gigante do streaming também já prometeu que não vai ficar sem conteúdo mesmo se não voltar a filmar integralmente em 2020, o que escancara o volume de séries programadas. Será tudo isso realmente necessário se o resultado depois for uma onda de cancelamentos porque os gastos não estão exatamente equilibrados?

O resultado dessa equação é menos catastrófico do que se imagina, já que foi essa obsessão com volume que fez a Netflix não ficar sem conteúdo. Concorrentes fortes como HBO, FX e Prime Video, por exemplo, também não ficaram sem programação, mas a ausência de carros-chefe como Euphoria, Succession (HBO), American Crime Story e Atlanta (FX) acabam sendo muito mais sentidos do que a falta de Stranger Things, por exemplo, em meio a The Crown, A Maldição da Mansão Bly e Umbrella Academy. O jogo do volume, neste caso, acaba virando rei.

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Laysa Zanettihttps://cinepop.com.br
Repórter, Crítica de Cinema e TV formada em Twin Peaks, Fringe, The Leftovers e The Americans. Já vi Laranja Mecânica mais vezes que você e defendo o final de Lost.

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