Sejamos sinceros, por um bom tempo o diretor Tim Burton errou a mão em suas superproduções. Marte Ataca (1996), Planeta dos Macacos (2001) e mais recentemente Alice no País das Maravilhas (2010) e Sombras da Noite (2012) são exemplos claros disso. Grandes Olhos (2014) prometia ser o novo filme sério do cineasta, um Ed Wood (1994) ou Peixe Grande (2003), dois favoritos em sua filmografia, mas o resultado ficou bem abaixo.
Nada disso, no entanto, desmerece um dos diretores mais criativos visualmente da história do cinema, que recentemente nos entregou o ótimo Os Fantasmas Ainda se Divertem (2024).
Porém, um dos seus bons filmes chegou na Netflix e finalmente está encontrando seu público. O Lar das Crianças Peculiares pode não ser algo novo ou sequer especial, mas é um dos melhores trabalhos do cineasta nesta nova década (Além de Os Fantasmas Ainda se Divertem e a animação Frankenweenie).
Baseado no livro de Ransom Riggs (que ainda guarda mais três exemplares literários nesta série), O Lar das Crianças Peculiares é uma fantasia infanto-juvenil que mistura desde Harry Potter até X-Men nos elementos de sua história. Além disso, o núcleo da obra é a conhecida jornada do cidadão ordinário, aqui o menino Jake (o ótimo Asa Butterfield), que descobre um novo mundo mágico, cheio de possibilidades, no qual, não por menos, será “o escolhido”, a figura libertadora que fará toda a diferença.
Jake é um menino comum, que trabalha numa grande loja de departamentos, até que em uma fatídica noite sua vida muda para sempre. Tal noite, infelizmente, vem junto com a morte de seu avô (Terence Stamp), figura que sempre teve como sinônimo de histórias fantásticas, todas desacreditadas por seus pais (Chris O´Dowd e Kim Dickens). Este trecho do filme é o que mais se assemelha a um filme de Tim Burton, com momentos sombrios o suficiente para assustar os pequeninos. Logo, o menino, ao lado do pai, parte para o local onde seu avô afirmava ter passado a infância: o citado lar para crianças do título.
O Lar das Crianças Peculiares tem muitas pitadas de elementos que constroem a fantasia, como um local onde ninguém envelhece (inspirado pela Terra do Nunca de Peter Pan), viagem no tempo, fendas escondidas para outras dimensões, monstros, criaturas, além de personagens, quase todos eles inspirados por outros ícones clássicos, como Frankenstein, por exemplo. Felizmente, tantos itens mesclados não causam confusão e o filme faz um trabalho bem satisfatório ao explorar cada detalhe deste universo, colocando o público (e não apenas os fãs do livro) a par das regras estabelecidas e do que está ocorrendo.
A belíssima Eva Green vive a personagem título, Alma Peregrine, a tutora das crianças e figura materna. A francesa a interpreta com certo vigor, mas comprometimento maior vem de Samuel L. Jackson, no papel do vilão Barron, que rouba todas as cenas, entregando as melhores tiradas e sendo responsável pelos momentos de humor no longa. As crianças em si, e seus dons peculiares, também são um chamariz à parte. Uma menina superforte (que lembra a Maísa do SBT), outra que tem presas na nuca, uma que controla o fogo, outra o vento, um menino que cospe abelhas, um que projeta seus sonhos e um que dá vida a seres inanimados, todos possuem seu espaço de destaque no roteiro. Ah, sem esquecer os gêmeos creepy, que mais parecem saídos de um típico filme de terror.
O Lar das Crianças Peculiares acerta em cheio o alvo para os fãs de fantasia e este tipo de material. É engraçado, mantém um ritmo bom de aventura e não destoa no tom. A maior acusação que poderá receber é justamente não ter a cara de um filme de Tim Burton. Bem, em partes não, apesar dos personagens bizarros, estranhos e melancólicos estarem todos a postos. Não está perto das melhores produções assinadas pelo diretor, mas em um ano de blockbusters bem insatisfatórios, o novo trabalho do cineasta chega peculiarmente de forma sorrateira, se mostrando um espécime interessante.