segunda-feira , 4 novembro , 2024

Opinião | 15 anos depois, ‘Mamma Mia! O Filme’ não é tão bom quanto você se lembra

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Quando um musical da Broadway alcança um sucesso considerável que conquista uma legião de fãs, os olhos da indústria audiovisual logo se viram para o teatro e diminuem a já tênue linha entre os palcos e as telas, buscando traduzir toda a magia em questão para uma nova perspectiva que, esperançosamente, agradará boa parte do público. Foi partindo dessa ideia que a diretora Phyllida Lloyd resolveu trazer a obra escrita por Catherine Johnson aos cinemas e entregou-se a um projeto que tinha tudo para dar certo: Mamma Mia! O Filme’. Entretanto, mesmo contando com números musicais engenhosos e interessantes e um elenco de ponta, o longa-metragem pareceu não acreditar no próprio potencial e transformou-se em uma tentativa falha que recorreu ao pior dos clichês para se concretizar: o excesso de melodrama.

A história é um tanto quanto cômica: a jovem Sophie (Amanda Seyfried) vive na paradisíaca ilha grega de Kalokairi junto com sua mãe, Donna (Meryl Streep), e nunca conheceu seu pai, visto que foi criada sozinha e através da ajuda de outras figuras que participaram ativamente da jornada da matriarca. Agora, tendo encontrado seu suposto amor verdadeiro, Sophie irá se casar e gostaria muito que seu pai, caso ainda vivo, estivesse presente – porém ela nunca o conheceu e não tem ideia de quem possa ser. Até que, ao encontrar o misterioso diário da mãe, descobre que na verdade as possibilidades são maiores que imaginou: anos atrás, ao sair da universidade de Oxford, Donna teve três casos diferentes e nem mesmo ela sabe de quem a garota é filha.

Sophie, pois, decide tentar a sorte e convida os três supostos pais para seu casamento sem o conhecimento da mãe e tentando fazer uma surpresa de última hora: e quando menos imagina, Bill (Stellan Skarsgard), Sam (Pierce Brosnan) e Harry (Colin Firth) dão as caras na ilha e descobrem o real motivo de encontrarem a ex-amante após todos aqueles anos. A partir daí, a narrativa, adaptada pela própria Johnson, mergulha em uma aventura cíclica que se respalda na comédia e no musical puros, mas que também abre margens para temas como amadurecimento, relacionamentos familiares e o enfrentamento de fantasmas do passado – incluindo um amor que nunca deixou de existir entre Donna e Sam.

E basicamente isso é o que acontece. Isso e a já esperada re-eternização da banda sueca ABBA, que empresta suas músicas, assim como fez à versão teatral, para compor o escopo sonoro abraçado pelos personagens. Mamma Mia!’ vale-se muito de um sentimento nostálgico, nos transportando de volta para a década de 1970 e 1980 com as canções conhecidas por várias gerações; porém, em termos criativos e artísticos, inclina-se muito para os convencionalismos de gênero, como os escapes cômicos, os momentos de drama matrimonial e o obrigatório momento em que a protagonista percebe como sua vida está prestes a mudar. Tudo é movido com a maior fluidez possível – mas, se prestarmos bastante atenção, o elemento principal que permite essa sutil transição é a trilha sonora.

Claro, não podemos tirar mérito de Streep encarnando mais um icônico personagem e entregando-se de corpo e alma para Donna, cuja personalidade irreverente, rebelde e totalmente livre conversa diretamente com a própria construção imagética – ou seja, com as paisagens oníricas perscrutadas pelas cristalinas águas do Mediterrâneo e pelo pôr-do-sol que mais se assemelha a uma pintura em tinta a óleo. Ainda que não ouse muito mais da zona de conforto, a fotografia elaborada por Haris Zambarloukos consegue captar a atmosfera em questão, afastando-se dos retratos panfletários que costumamos encontrar em filmes de tal vertente. Mas não espere algo extremamente minucioso – ainda mais porque o foco da história é fazer com que o público saia do cinema cantando diversas vezes a discografia de ABBA.

Além de Streep, duas outras figuras roubam a cena em caricaturas tão bem-feitas que fica muito difícil não se deliciar com o que nos é apresentado: Christine Baranski e Julie Walters encarnam, respectivamente, Tanya e Rosie e parecem concentrar toda a química existente dentro da iteração. As duas são amigas de longa data de Donna e são dotadas de tamanha complexidade que fica muito difícil não se conectar em alguma instância com essas coadjuvantes – fato que não é verdadeiro, por exemplo, com grande parte dos outros personagens, incluindo alguns estereótipos descartáveis trazidos pelo roteiro. Baranski, em especial, protagoniza com esmero a sequência intitulada Does Your Mother Know: e no que a cena falta em coreografia cênica, ganha vários pontos pela potência vocal da atriz e por suas expressões hilárias.

Ainda que Seyfried brinque pouco com a oportunidade que lhe é dada, ela até consegue momentos emocionantes ao lado de Streep: em uma arquitetura que mais parece um videoclipe promocional, ambas cantam Slipping Through My Fingers” enquanto contracenam em momentos de puro amor idealizado e utópico que esbarra nas características românticas próprias do musical. E, ao invés de criar uma atmosfera realmente catártica para os espectadores, insurge, bem como o restante das investidas da obra – com exceção, talvez, de The Winner Takes It All” -, em um pedantismo extremo.

Mamma Mia! O Filme’ é uma adaptação falha em diversos aspectos e que reside na mediocridade fílmica, salvando-se da total ruína pela capacidade de seu elenco em transcender as expectativas quando falamos em atuação e química. Em suma, algo esquecível – e que seria ofuscado por uma continuação mil vezes melhor.

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Thiago Nollahttps://www.editoraviseu.com.br/a-pedra-negra-prod.html
Em contato com as artes em geral desde muito cedo, Thiago Nolla é jornalista, escritor e drag queen nas horas vagas. Trabalha com cultura pop desde 2015 e é uma enciclopédia ambulante sobre divas pop (principalmente sobre suas musas, Lady Gaga e Beyoncé). Ele também é apaixonado por vinho, literatura e jogar conversa fora.

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A história é um tanto quanto cômica: a jovem Sophie (Amanda Seyfried) vive na paradisíaca ilha grega de Kalokairi junto com sua mãe, Donna (Meryl Streep), e nunca conheceu seu pai, visto que foi criada sozinha e através da ajuda de outras figuras que participaram ativamente da jornada da matriarca. Agora, tendo encontrado seu suposto amor verdadeiro, Sophie irá se casar e gostaria muito que seu pai, caso ainda vivo, estivesse presente – porém ela nunca o conheceu e não tem ideia de quem possa ser. Até que, ao encontrar o misterioso diário da mãe, descobre que na verdade as possibilidades são maiores que imaginou: anos atrás, ao sair da universidade de Oxford, Donna teve três casos diferentes e nem mesmo ela sabe de quem a garota é filha.

Sophie, pois, decide tentar a sorte e convida os três supostos pais para seu casamento sem o conhecimento da mãe e tentando fazer uma surpresa de última hora: e quando menos imagina, Bill (Stellan Skarsgard), Sam (Pierce Brosnan) e Harry (Colin Firth) dão as caras na ilha e descobrem o real motivo de encontrarem a ex-amante após todos aqueles anos. A partir daí, a narrativa, adaptada pela própria Johnson, mergulha em uma aventura cíclica que se respalda na comédia e no musical puros, mas que também abre margens para temas como amadurecimento, relacionamentos familiares e o enfrentamento de fantasmas do passado – incluindo um amor que nunca deixou de existir entre Donna e Sam.

E basicamente isso é o que acontece. Isso e a já esperada re-eternização da banda sueca ABBA, que empresta suas músicas, assim como fez à versão teatral, para compor o escopo sonoro abraçado pelos personagens. Mamma Mia!’ vale-se muito de um sentimento nostálgico, nos transportando de volta para a década de 1970 e 1980 com as canções conhecidas por várias gerações; porém, em termos criativos e artísticos, inclina-se muito para os convencionalismos de gênero, como os escapes cômicos, os momentos de drama matrimonial e o obrigatório momento em que a protagonista percebe como sua vida está prestes a mudar. Tudo é movido com a maior fluidez possível – mas, se prestarmos bastante atenção, o elemento principal que permite essa sutil transição é a trilha sonora.

Claro, não podemos tirar mérito de Streep encarnando mais um icônico personagem e entregando-se de corpo e alma para Donna, cuja personalidade irreverente, rebelde e totalmente livre conversa diretamente com a própria construção imagética – ou seja, com as paisagens oníricas perscrutadas pelas cristalinas águas do Mediterrâneo e pelo pôr-do-sol que mais se assemelha a uma pintura em tinta a óleo. Ainda que não ouse muito mais da zona de conforto, a fotografia elaborada por Haris Zambarloukos consegue captar a atmosfera em questão, afastando-se dos retratos panfletários que costumamos encontrar em filmes de tal vertente. Mas não espere algo extremamente minucioso – ainda mais porque o foco da história é fazer com que o público saia do cinema cantando diversas vezes a discografia de ABBA.

Além de Streep, duas outras figuras roubam a cena em caricaturas tão bem-feitas que fica muito difícil não se deliciar com o que nos é apresentado: Christine Baranski e Julie Walters encarnam, respectivamente, Tanya e Rosie e parecem concentrar toda a química existente dentro da iteração. As duas são amigas de longa data de Donna e são dotadas de tamanha complexidade que fica muito difícil não se conectar em alguma instância com essas coadjuvantes – fato que não é verdadeiro, por exemplo, com grande parte dos outros personagens, incluindo alguns estereótipos descartáveis trazidos pelo roteiro. Baranski, em especial, protagoniza com esmero a sequência intitulada Does Your Mother Know: e no que a cena falta em coreografia cênica, ganha vários pontos pela potência vocal da atriz e por suas expressões hilárias.

Ainda que Seyfried brinque pouco com a oportunidade que lhe é dada, ela até consegue momentos emocionantes ao lado de Streep: em uma arquitetura que mais parece um videoclipe promocional, ambas cantam Slipping Through My Fingers” enquanto contracenam em momentos de puro amor idealizado e utópico que esbarra nas características românticas próprias do musical. E, ao invés de criar uma atmosfera realmente catártica para os espectadores, insurge, bem como o restante das investidas da obra – com exceção, talvez, de The Winner Takes It All” -, em um pedantismo extremo.

Mamma Mia! O Filme’ é uma adaptação falha em diversos aspectos e que reside na mediocridade fílmica, salvando-se da total ruína pela capacidade de seu elenco em transcender as expectativas quando falamos em atuação e química. Em suma, algo esquecível – e que seria ofuscado por uma continuação mil vezes melhor.

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