Os filmes musicais costumam ter um espaço especial no coração dos cinéfilos – principalmente por aqueles que são apaixonados por teatro musical. Afinal, ambos estão conectados por características bastante similares, visto que as produções cinematográficas do gênero também são acompanhadas de canções intrinsecamente conectadas com a narrativa e com o arco de cada um dos personagens, além de dança e de um ensemble que serve de apoio a determinado protagonista ou coadjuvante.
Desde o início da sétima arte, produções variadas conquistaram o público e a crítica – e, nas últimas duas décadas, é notável como o interesse do público continuou firme em relação a produções do gênero. Apenas a encargo de exemplificação, títulos como ‘Moulin Rouge – Amor em Vermelho’ e ‘Chicago’ ajudaram a revitalizar a popularização dos musicais, enquanto ‘La La Land: Cantando Estações’ e o remake de ‘Amor, Sublime Amor’ mergulharam em um sucesso instantâneo.
Pensando nisso, preparamos uma breve lista elencando os dez melhores filmes musicais da década (até agora). Para tanto, não estamos levando em consideração produções animadas (como as da Walt Disney Studios), e sim obras em live-action.
Veja abaixo as nossas escolhas e conte para nós qual o seu favorito:
10. EM UM BAIRRO DE NOVA YORK (2021)
“A cena de abertura, sem dúvida alguma, aumenta ainda mais nossas expectativas. Através da música homônima, Chu se junta ao incrível coreógrafo Christopher Scott para fornecer algo que ressoe familiar àqueles que já assistiram à produção original, mas criando uma identidade única que estende-se, diferente de outros musicais, a várias facetas de uma mesma atmosfera – aglutinando-os em uma espécie de flash mob irretocável. O mesmo pode ser dito de sequências estupendas que incluem “Carnaval Del Barrio” e “96 000”, que resgata elementos da salsa, do hip hop e da cumbia para um afastamento do que se esperaria de uma construção hollywoodiana – e, nesse quesito, exaltar a cultura latino-americana é uma jogada espetacular e que funciona em quase todos os aspectos” – Thiago Nolla
9. TODOS ESTÃO FALANDO SOBRE JAMIE (2021)
“O drama coming-of-age encontra bastante sucesso estético ao diferenciar os dois mundos do protagonista: na escola, ele se amalgama em meio a pessoas que contentam-se com a zona de conforto e que almejam a carreiras que darão a elas o mínimo para sobreviver; nos palcos e na loja de roupas delegada por Hugo, ele é envolvido pelo glamour dos vestidos e pelo libertação promovida pelos sapatos de salto alto e pelas maquiagens carregadas de glitter. Não é surpresa que, prestes a fazer sua estreia como Mimi Me, Jamie sinta a euforia dos artistas, dominando os palcos como ninguém e tornando-se tópico principal de discussão na cidade” – Thiago Nolla
8. HAMILTON (2020)
“Transformar a estrutura didática e solidificada do ensino do governo estadunidense em um musical não seria uma tarefa fácil – mas Lin-Manuel Miranda sabe como colocar tudo nos eixos: diferente do classicismo orquestral e operístico de tantos musicais conterrâneos, fosse na elegíaca narrativa romântica de ‘O Fantasma da Ópera’, fosse no sensual jazz de ‘Chicago’, a ideia era resgatar o poder da contracultura fonográfica e colocá-la em voga para um público não acostumado. Foi nesse exuberante pano de fundo que abriram-se portas para o R&B, o pop e o rap, com incursões seletivas para o blues e o soul, culminando em simplesmente uma das maiores e mais importantes obras deste século” – Thiago Nolla
7. BLACK IS KING (2020)
“‘Black Is King’ tem como principal artifício a mistura cultural: Beyoncé, liderando um grupo diverso de pessoas que tiveram suas histórias apagadas, emerge como Cleópatra e Hathor, como Maria e Madona, como mãe e filha. Ela é dotada de um emblema que não se reduz apenas à sua presença, mas espalha-se como símbolo de renascimento e de permanência que ninguém pode apagar. E, enquanto receptáculo de um poder quase hegemônico, dança através do gbese e do hip-hop conforme reencontra sua identidade, convidando os outros a se juntarem a ela em um compasso descompassado que não tem quaisquer equívocos. Como bem pontuado no terceiro ato, “as pessoas não se lembram de quem eram, de quem são”; suas identidades foram apagadas por forças imprevisíveis e aterrorizantes e, mais do que nunca, está na hora dessa majestosa herança sair do esquecimento e ser enaltecida da melhor forma possível” – Thiago Nolla
6. A COR PÚRPURA (2024)
“[É] preciso comentar sobre a sólida direção de Bazawule. Diferente de outras produções musicais lançadas nos últimos anos, como ‘Wonka’, ‘O Rei do Show’ e ‘O Retorno de Mary Poppins’, por exemplo, o cineasta tenta se afastar ao máximo da espetacularização imagética, construindo sequências mais críveis e que refletem o cenário em que a história se desenrola. Levando os espectadores às vibrantes e quentes terras do sul dos Estados Unidos, décadas antes das políticas segregativas dominarem a sociedade norte-americana, ele preza por uma arquitetura amarelada – indicando a jornada de amadurecimento pela qual Celie irá passar -, em contraste com uma celebração do blues, do jazz e do gospel que permeiam cada uma das soberbas tracks. Além disso, é notável como Bazawule emula clássicos do gênero, como ‘Cantando na Chuva’ e ‘Chicago’, sem abandonar sua original identidade e as mensagens a que se propõe a entregar” – Thiago Nolla
5. A VOZ SUPREMA DO BLUES (2020)
“Reunindo alguns dos aspectos comumente debatidos pela arte preta, a peça aborda questões raciais, artísticas e de religião, sob um pano de fundo que explora de forma propositalmente efêmera a exploração histórica de artistas negros por parte de empresários brancos. Essa combinação explosiva é novamente trazida na versão adaptada pelo roteirista Ruben Santiago-Hudson (‘O Gângster‘), que abusa dos diálogos profundos e que faz do seu discurso o grande pilar de toda a produção. Aqui, debates profundos sobre racismo e abuso dos mais diversos se desenrolam de forma quase caótica e consequentemente instável, proporcionando momentos de grandeza que são hipnotizantes” – Thiago Nolla
4. TICK, TICK… BOOM! (2021)
“[N]essa eclosão simbólica projetada em tela, Andrew Garfield adquire uma nova persona, provando uma vez mais sua versatilidade em cena. Migrando de ‘The Eyes of Tammy Faye’, onde interpretou um pastor corrupto, para a efervescência da Broadway neste musical, o indicado ao Oscar transforma sua expressividade como quem troca de roupa e entrega o seu próprio show para a audiência. Com uma caracterização mais dramática e toda gesticular, Garfield entende o seu protagonismo e faz de sua versão de Jonathan Larson atraente, cativante e apaixonante” – Rafaela Gomes
3. WICKED (2024)
“O longa-metragem fica a encargo do talentoso diretor Jon M. Chu, que já possui uma história significativa com ótimas adaptações. Afinal, em 2018, ele presenteou os fãs de comédias românticas com o ótimo ‘Podres de Ricos’, e encabeçou a releitura fílmica de ‘Em um Bairro de Nova York’ em 2021 – denotando um olho perspicaz e cauteloso em produções de grande calibre. Agora, Chu mergulha no primeiro blockbuster de sua carreira com um acerto aplaudível, garantindo que todos os elementos da amada peça original sejam transpostos com honrarias às telonas, conforme expande essa mitologia com incursões apaixonantes e envolventes. É notável o domínio de câmera do cineasta e a que forma com que conduz as vibrantes sequências musicais, sabendo dosar frenesis dançantes e momentos dramáticos e íntimos a fim de fornecer dinamismo à obra – e, é claro, homenageando seus predecessores” – Thiago Nolla
2. SUMMER OF SOUL (2021)
“[O] que faz do documentário ‘Summer of Soul’ algo tão único não é apenas sua riquíssima, exclusiva e inédita coleta documental, que reúne imagens e momentos jamais vistos. O longa se destaca dentro do seu gênero por sua profundidade narrativa, capaz de usar todos os elementos computados e apurados em um belo emaranhado histórico e social. A partir das performances do festival de música apresentado, a trajetória do povo afro-americano é relatada com maestria. E com a morte de King ainda latente e fresca na mente do seu povo, observamos como Summer of Soul também se mostrava como um grito sofrido de uma comunidade que perdera o seu último grande líder social” – Rafaela Gomes
1. AMOR, SUBLIME AMOR (2021)
“O principal feito da obra é sua atemporalidade: Steven Spielberg em momento algum resvala no anacronismo – pelo contrário, se mostra ciente do que quer fazer e conduz cada enquadramento e sequência com naturalidade invejável, resplandecendo cores vivazes e uma fotografia requintada que nunca deseja ser mais do que consegue. Mas isso não é tudo, visto que a própria estética oferecida aos espectadores abraça a arte teatral e rompe as barreiras entre as telonas e os palcos, levando-nos a conhecer um pedacinho esquecido de uma antiga Broadway. No topo de tudo isso, coreografias cuidadosamente demarcadas e absorvidas por um corpo de baile on point que nunca decepciona – e um roteiro assinado pelo vencedor do Pulitzer Tony Kushner, que imprime sua identidade sem perder a bem-vinda reverência ao clássico” – Thiago Nolla