Mesmo em meados dos anos 2020, há inúmeras pessoas que enxergam o cinema nacional como uma anomalia da sétima arte que produz apenas filmes de comédia pastelão ou produções esquecíveis e cópias de Hollywood.
Todavia, para aqueles que resolvem esquadrinhar um pouco mais as várias décadas do entretenimento nacional, vemos que a nossa cultura não deve nada à internacional – e, muitas vezes, ultrapassa a qualidade dos bombardeios que vêm lá de fora.
Pensando nisso, preparamos uma breve lista elencando os dez melhores filmes nacionais do século XXI (até agora), acompanhando a recente lista de Melhores Filmes Nacionais de Todos os Tempos que publicamos em junho.
Confira abaixo as nossas escolhas:
10. TATUAGEM (2013)
Em 2013, o diretor e roteirista Hilton Lacerda promoveu um convite para analisar as questões de gênero e de sexualidade quando tais pautas não tinham lugar sólido o suficiente na mídia e no cenário mainstream – e fez isso com o lançamento do ovacionado ‘Tatuagem’. Nos levando de volta para a década de 1970, em que a Ditadura Civil-Militar açoitava o povo brasileiro, o filme coloca em xeque ideologias e preza por uma diversidade que, à época, era alvo de constantes represálias.
Na trama, Clécio Wanderley é o líder da trupe teatral Chão de Estrelas. Paulete é a principal estrela da equipe. Um dia, Paulette recebe a visita de seu cunhado, o jovem Fininha, que é militar. Encantado com o universo criado pela companhia, ele logo é seduzido por Clécio. Os dois engatam um tórrido relacionamento, que coloca Fininha em situação complicada: ele precisa lidar com a repressão existente no meio militar em plena ditadura.
9. CARANDIRU (2003)
No clássico ‘Carandiru’, um médico sanitarista se oferece para realizar o trabalho de prevenção ao vírus HIV no Carandiru, maior presídio da América Latina, durante a década de 1990. Convivendo diariamente com a dura realidade dos detentos, ele presencia a violência agravada pela superlotação, a precariedade dos serviços prestados e a animalização dos presos. Paradoxalmente, ele conhece o sistema de organização interna e o lado frágil, romântico e sonhador dos homens cumprindo pena.
Dirigido por Hector Babenco em mais uma de suas icônicas incursões nacionais, o filme “caminha por conflitos violentos, mentes perturbadas, ações impulsivas, dilemas, dentro do mais famoso presídio do país, o grande protagonista, que fechou as portas 21 anos atrás”, conforme aponta nosso crítico Raphael Camacho.
8. QUE HORAS ELA VOLTA? (2015)
Mesmo com tantas produções muito bem construídas, é notável como a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas parece ter um impasse com produções brasileiras – e ‘Que Horas Ela Volta?’, comandado por Anna Muylaert, se tornou apenas mais um dos títulos a injustamente não ter sido indicado ao Oscar de Melhor Filme Internacional. A impecável narrativa arquitetada pela cineasta faturou inúmeros prêmios, incluindo no Festival de Sundance, e marcou época pelo retrato composto sobre a disparidade social no brasil.
Na trama, a pernambucana Val se mudou para São Paulo com o intuito de proporcionar melhores condições de vida para a filha, Jéssica. Anos depois, a garota lhe telefona, dizendo que quer ir para a cidade prestar vestibular. Os chefes de Val recebem a menina de braços abertos, porém o seu comportamento complica as relações na casa.
7. EDIFÍCIO MASTER (2002)
Em 2002, Eduardo Coutinho tomava as rédeas de um ambicioso documentário intitulado ‘Edifício Master’ – que, em pouco tempo, tornou-se sua magnum opus pela honesta narrativa arquitetada. Mostrando a realidade entre a classe alta e a classe média-baixa do Rio de Janeiro, a produção levou para casa diversos prêmios, incluindo o de Melhor Documentário no Festival de Gramado.
O filme registra o cotidiano dos moradores do Edifício Master, em Copacabana, e apresenta um rico painel de histórias. Com 276 apartamentos e 12 andares, o local serve de moradia aos entrevistados, que revelam dramas, solidões, desejos e vaidades.
6. ESTÔMAGO (2010)
O aclamado ‘Estômago’ não poderia ter ficado de fora da nossa lista. Estrelado por João Miguel e Fabiula Nascimento em interpretações de tirar o fôlego, o longa-metragem dirigido por Marcos Jorge aposta fichas em uma profunda narrativa de uma vida dúbia que oscila entre a loucura e a insanidade de modo inesperado, sutil e recheado de subtextos.
Na trama, Raimundo Nonato mudou-se para a cidade grande na esperança de ter uma vida melhor. Ele trabalha como faxineiro em um bar e descobre que seu talento é mesmo na cozinha. Raimundo faz do local um sucesso e acaba sendo contratado para trabalhar em um restaurante italiano da região como assistente de cozinheiro. A cozinha italiana é uma grande descoberta para Raimundo, que agora tem uma casa, roupas melhores, relacionamentos sociais e um amor, a prostituta Íria.
5. O LOBO ATRÁS DA PORTA (2014)
Em ‘O Lobo Atrás da Porta’, uma criança é sequestrada e seus pais, Bernardo e Sylvia, decidem ir até a delegacia. O delegado resolve interrogá-los separadamente e descobre que Bernardo tinha uma amante, Rosa, que também é levada ao local para averiguações. A partir de depoimentos do trio, o delegado descobre uma rede de mentiras, amor, vingança e ciúmes.
Segundo o nosso crítico Raphael Camacho, o longa é “considerado por muitos um dos grandes filmes brasileiros da última década. Nos mostrando o sumiço de uma criança, um tenso interrogatório com versões de uma mesma história, o filme passa um raio-x na obsessão, impulsividade, na violência. Quem está mentindo? Qual a verdade? Ao longo dos 101 minutos de projeção detalhes de um chocante crime vão sendo revelados dentro de um alto clima de tensão”.
4. TROPA DE ELITE (2007)
Ninguém poderia nos preparar para o que José Padilha estava arquitetando ao lançar o visceral ‘Tropa de Elite’. Estrelado por Wagner Moura em um papel definidor de sua carreira – e que o reiterou como um dos melhores atores de sua geração -, o longa-metragem quebrou os convencionalismos do gênero tratado ao romper as barreiras maniqueístas entre bem e mal e fornecer um cru retrato da realidade carioca.
Vencedor do Urso de Ouro de Melhor Filme, a trama acompanha Nascimento, capitão da Tropa de Elite do Rio de Janeiro, é designado para chefiar uma das equipes que tem como missão apaziguar o Morro do Turano. Ele precisa cumprir as ordens enquanto procura por um substituto para ficar em seu lugar. Em meio a um tiroteio, Nascimento e sua equipe resgatam Neto e Matias, dois aspirantes a oficiais da PM. Ansiosos para entrar em ação e impressionados com a eficiência de seus salvadores, os dois se candidatam ao curso de formação da Tropa de Elite.
3. O SOM AO REDOR (2012)
Se há um cineasta que merece nossa atenção no cenário brasileiro, este é Kleber Mendonça Filho. Antes mesmo de comandar produções como ‘Bacurau’ e ‘Aquarius’, que receberam ovações dos principais veículos de imprensa do planeta, ele nos presenteou com o suspense dramático ‘O Som ao Redor’ – que foi escolhido para representar o Brasil no Oscar 2013 (mas não foi selecionado na listagem final).
O filme discorre sobre a vida dos residentes de uma rua de classe média do Recife que toma um rumo inesperado quando uma empresa de segurança particular é contratada para trazer paz aos moradores. Para alguns deles, a presença dos guardas cria mais tensão do que alívio.
2. LAVOURA ARCAICA (2001)
‘Lavoura Arcaica’ não é um dos melhores filmes de todos os tempos por qualquer motivo: baseado no romance homônimo de Raduan Nassar, que conquistou o Prêmio Jabuti e, posteriormente, o Prêmio Camões pelo conjunto da obra, a adaptação recebeu mais de cinquenta prêmios ao redor dos principais festivais de cinema do mundo – mas, infelizmente, foi esnobado na corrida pelo Oscar.
A narrativa nos leva de volta ao Brasil da década de 1940 e acompanha André, um jovem que resolve sair de casa por se sentir sufocado pelos pais. Anos depois, ele cede aos apelos da mãe e retorna. Pouco depois de voltar ao lar, o rapaz quebra definitivamente os alicerces da família ao se apaixonar por sua bela irmã.
1. CIDADE DE DEUS (2002)
Se o século XX abriu espaço para explorações artísticas dentro da sétima arte nacional, o século XXI foi ao encontro de produções de temática bastante visceral e que refletiriam um olhar ainda mais crítico sobre a sociedade brasileira – e nenhum outro título conseguiu delinear tão bem esses objetivos quanto ‘Cidade de Deus’.
Além de ter se firmado como uma das maiores e mais cruas produções de todos os tempos, a obra conquistou nada menos que quatro indicações ao Oscar – Melhor Direção para Fernando Meirelles, Melhor Roteiro Adaptado para Bráulio Mantovani, Melhor Edição para Daniel Rezende e Melhor Fotografia para César Charlone (sendo injustamente esnobado na categoria de Melhor Filme). A trama apresenta um retrato realista da batalha entre o bem e o mal que é travada todos os dias pela população periférica da cidade do Rio do Janeiro, focada em questões como tráfico de drogas, pobreza extrema e violência de todos os tipos.