sábado , 2 novembro , 2024

Os 40 Anos de O Iluminado | Uma Verdadeira Obra-Prima do Cinema

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Considerado por grande parte dos cinéfilos, críticos, fãs de cinema e terror em geral um dos expoentes do gênero, O Iluminado (The Shining) completa 40 anos em 2020. Tendo base no livro criado por Stephen King, o filme foi apenas a segunda adaptação de uma obra do autor para o cinema – após o sucesso de Carrie, A Estranha (1976), de Brian De Palma. Em O Iluminado quem comanda o show é nenhum outro senão o cultuado Stanley Kubrick, um dos melhores cineastas de todos os tempos.

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A estreia de O Iluminado ocorreu no dia 23 de maio de 1980, de forma restrita nos EUA. O filme ganharia circuito ampliado a partir de 13 de junho do mesmo ano pelo país. No Brasil, o longa chegaria seis meses depois, em 25 de dezembro. Envolto em muito misticismo, e redescoberto a todo instante (inclusive sendo constantemente tema de documentários e vídeos na internet), O Iluminado é o filme de número 61 dentre os melhores de todos os tempos na opinião do grande público no IMDB, e tem 85% de aprovação da imprensa especializada no Rotten Tomatoes; além de seguir incluído em listas de preferência dos especialistas e veículos renomados.

Ainda tópico constante na cultura popular, O Iluminado já ganhou uma minissérie e até mesmo uma continuação – tanto em livro, quanto em filme. Desta forma, o CinePOP resolve deixar aqui também sua homenagem a este verdadeiro ícone da sétima arte. Vem conhecer mais sobre este épico do terror com a gente.

Livro vs. Filme

Depois da recepção morna de Barry Lyndon (1975) – apesar das vitórias no Oscar e do status de cult que viria adquirir anos depois – Stanley Kubrick estava buscando em livros seu próximo projeto cinematográfico. Relatos de sua secretária na época afirmam que o diretor arremessava contra a parede diversas obras literárias nessa busca, até ser cativado pela escrita do autor Stephen King em The Shining.

A história todos já conhecem – ou deveriam – e fala sobre um sujeito aspirante a escritor aceitando o emprego de zelador em um enorme hotel nas montanhas geladas chamado Overlook, enquanto ele está fechado ao público fora de temporada, ou seja, durante o intenso inverno. Para a empreitada, Jack Torrence, o protagonista, leva sua dedicada esposa Wendy e o pequeno filho Danny com ele para morarem no local durante alguns meses. A pegadinha está no fato de que o Hotel é amaldiçoado, já que foi construído sobre um cemitério indígena, e possui diversas lendas macabras sobre assombrações. Além, é claro, de levar todos que passam ali algum tempo lentamente à loucura. Fora isso, o pequeno Danny possui por sua vez dons premonitórios e extrassensoriais, sentindo na pele a ameaça do local.

Curiosamente, um dos fortes temas do texto é a condição psicológica conhecida como “febre da cabana” – que fala sobre como indivíduos obrigados a permanecer muito tempo confinados num mesmo espaço podem vir a ter surtos de raiva, depressão, insanidade e violência – reflexão muito condizente com nossa realidade atual.

O Iluminado foi a terceira obra de King adaptada ao audiovisual – seguindo o citado sucesso de Carrie (1976) nos cinemas e Os Vampiros de Salem (Salem’s Lot, 1979), produzido na forma de uma minissérie em dois episódios e exibido pela rede americana CBS com distribuição da Warner Television. A mesma empresa iria desembolsar algo em torno dos US$19 milhões para Stanley Kubrick levar sua visão da história de King aos cinemas.

Apesar do entusiasmo inicial do autor, King viria a desmerecer O Iluminado como uma das piores adaptações de uma obra sua. O motivo? Kubrick fez inúmeras modificações no texto do escritor, ao lado da roteirista Diane Johnson, deixando de fora momentos específicos do livro, motivações, alterando a descrição de alguns personagens e, inclusive, o desfecho da trama. Além de ter recusado o roteiro escrito pelo próprio autor. Como resultado, King, apesar de reconhecer Kubrick como um cineasta de visual rico e único, considera esta adaptação vazia de conteúdo. Em suas palavras: “um carro chique, mas sem motor”.

Kubrick, um Carrasco Metódico

Stanley Kubrick não obteve aprovação do criador da história, mas ao final das gravações do longa seus atores igualmente lhe tinham pouco apreço. Os relatos dos bastidores de O Iluminado se tornaram lenda urbana e contribuíram para a mística em torno do diretor metódico. Kubrick transcendia o perfeccionismo, beirando o transtorno compulsivo obsessivo. Tudo precisava ser milimetricamente confeccionado, o que para as atuações se traduzia em repetir uma mesma tomada centenas de vezes em muitas ocasiões. O que deixava os atores principais em estado de nervos.

Fora isso, naquela época, o cinema era muito tratado como “verdade”, e diretores deste porte gostavam que seus intérpretes estivessem realmente num estado mental e físico parecido com o de seus personagens, a fim de extrair deles o sentimento preciso. Este é o chamado “método”, no qual muitos artistas gostam de operar. A diferença é a escolha do ator em utilizá-lo ou não. Quando fica a cargo de um diretor, como Kubrick ou tantos outros, ficamos situados na tênue linha do abuso no ambiente de trabalho. Alfred Hitchcock, Bernardo Bertolucci, John Landis, James Cameron e, recentemente, Joss Whedon são cineastas conhecidos pelas acusações de exceder sua autoridade no set – o que em alguns casos resultou em tragédia.

O protagonista Jack Nicholson se deu bem com Kubrick, mas telefonou para o colega Roger Corman, cineasta com quem começou sua carreira, para contar o método de trabalho exaustivo usado pelo diretor de 2001: Uma Odisseia no Espaço (1968), muito estranho para ambos. Scatman Crothers, que vive Hallorann no filme, teve um colapso nervoso ao ter que repetir a mesma cena inúmeras vezes. Mas quem mais sofreu nas mãos de Kubrick foi Shelley Duvall, a Wendy Torrence. Para mantê-la num constante estado de tensão e medo, o diretor a tratava de forma ríspida, abusando dela psicologicamente a fim de deixá-la fragilizada. Além disso, exigia que Nicholson fizesse o mesmo – tudo devidamente registrado pela filha do diretor, que gravava um documentário de bastidores e se pronunciou publicamente diversas vezes contra o comportamento abusivo de seu pai. Apesar de tudo isso, o diretor só teve elogios para a performance de Duvall e seu empenho.

Curiosamente, o cultuado David Lynch teve influência na visão de Kubrick para O Iluminado. Bem, ao menos um de seus filmes teve. Trata-se do pesadelo em forma de celulose Eraserhead (1977), primeiro longa-metragem de Lynch, e um dos filmes favoritos de Kubrick. Para que pegassem o clima que o diretor queria imprimir em seu filme, ele o exibiu para os atores e a equipe.

Jack Nicholson – O Bom Soldado

Um dos maiores atrativos de O Iluminado é sem dúvida a atuação inspiradíssima de Jack Nicholson, um verdadeiro tesouro mundial do cinema, na pele do pseudo escritor Jack Torrence. Segundo Stephen King, igualmente contra a escalação do ator, a impressão que Nicholson passa no papel é a de ser louco antes da experiência claustrofóbica. Seja como for, antes dele, outros atores foram considerados por Stanley Kubrick para o papel protagonista, entre eles: Robert De Niro, Robin Williams e Harrison Ford. Vocês conseguem imaginar outro vivendo o personagem?

Apesar do bom relacionamento com o excêntrico cineasta, Nicholson não se viu longe das técnicas bizarras de Kubrick e também sofreu na pele em sua participação. Além da exaustão física que o fazia despencar na cama ao fim de cada dia – sem dar muita atenção para sua então namorada na época, Anjelica Huston; a fim de extrair do ator o desconforto e os nervos à flor da pele, o diretor somente o alimentava com sanduíches de queijo por duas semanas. O detalhe: Nicholson odeia sanduíches de queijo.

Fora isso, por ter morado na Inglaterra por grande parte da sua vida, Kubrick não entendeu inicialmente o improviso de Nicholson na cena clássica após arrebentar a porta a machadas e proferir “Heeeere’s Johnny”. O agora famoso “Aqui está Johnny” é referência ao programa Tonight Show e seu apresentador Johnny Carson, anunciado assim todas as noites de 1962 a 1992.

A Sofrida Shelley Duvall

Em relação a diversos elementos, Stephen King expressou sua insatisfação com o filme de Kubrick. E assim como Nicholson para o papel de Torrence, o autor não aprovava a escalação de Shelley Duvall para a personagem Wendy, sua esposa. King criou Wendy no papel como uma bela mulher loira, uma espécie de esposa troféu, uma dondoca que nunca passou por problemas ou dificuldades em sua vida, enfatizando assim seu desafio em superar tudo o que ocorre durante sua estadia no hotel Overlook. Segundo King, Duvall é o completo oposto de sua criação, tendo a aparência fragilizada de uma mulher que já precisou enfrentar muita coisa em sua vida.

E não foi só King que não queria Duvall no papel, seu companheiro de tela Jack Nicholson percebendo as gritantes diferenças entre a atriz e a personagem no papel, sugeriu insistentemente a escalação de Jessica Lange. Na época, Lange havia estrelado apenas dois filmes: King Kong (1976) e All That Jazz – O Show Deve Continuar (1979). Mas Kubrick foi enfático e bateu o pé sobre a versão de Wendy que queria no cinema – uma mulher mais fragilizada.

No mesmo ano, Shelley Duvall viveria a icônica Olivia Palito na adaptação cinematográfica de Popeye, do diretor Robert Altman – que viveu para se tornar um fracasso e ser redescoberto depois como obra cult. Curiosamente, o desejo de Nicholson em trabalhar com Lange se realizaria no ano seguinte do lançamento de O Iluminado, no remake de O Destino Bate à Sua Porta. Após o lançamento do filme, Nicholson disse que a atuação de Duvall foi uma das melhores performances de uma atriz que ele já havia visto.

Recepção

Assim como costumam sofrer diversas obras hoje cultuadas, O Iluminado dividiu opiniões em seu lançamento. O filme chegou até mesmo a figurar no famigerado “prêmio” Framboesa de Ouro, com as indicações de pior atriz e diretor para, respectivamente, Duvall e Kubrick. Seria apenas o prazer de indicar alguém da estatura de Kubrick ao prêmio? Alguma vez hoje imaginaríamos que o diretor chegou a ser cogitado como “o” pior qualquer coisa por alguém? Pois bem, mesmo tendo passado longe do Oscar (uma grande injustiça), como dito, hoje O Iluminado é um dos filmes mais queridos do cinema por crítica e público.

Para termos uma ideia, no “prêmio” descarado daquele ano figuraram obras hoje muito queridas como Vestida para Matar, A Lagoa Azul, Parceiros da Noite, Bronco Billy, Glória, Loucos de Dar Nó, e os cult Sexta-Feira 13, Xanadu e Flash Gordon.

Seja como for, em matéria de bilheteria O Iluminado não foi um sucesso estrondoso. Com um orçamento de US$19 milhões, trouxe de volta aos cofres da Warner algo em torno de US$46 milhões mundialmente. Mesmo assim foi o suficiente para figurar como a 15ª maior bilheteria de 1980 nos EUA.

A Infame Minissérie

A insatisfação de Stephen King com o filme de Kubrick se tornou notória. E durante anos o escritor desejou uma produção audiovisual mais fiel de um de seus livros mais adorados pelos fãs. Assim, em 1997, finalmente saía do papel uma produção que abraçava mais o que o autor havia planejado. No entanto, este caminho não foi tão suave quanto se imagina. Kubrick possuía os direitos de adaptação do livro, e só liberou King para uma nova versão depois que este assinasse um documento legal. O contrato estipulava que King teria que parar de fazer críticas públicas a seu filme.

Assim, dezessete anos depois do clássico de Kubrick, Stephen King finalmente lançaria a obra que sempre imaginou. Bancado pela mesma Warner, que desembolsou novos US$25 milhões para a produção, a minissérie em três episódios (no total de 4h33min de duração) ia ao ar no dia 27 de abril de 1997, exibido pela rede ABC.

Dirigido por Mick Garris (Sonâmbulos e Abracadabra) e adaptado pelo próprio King, o programa trazia Rebecca De Mornay como principal nome do elenco, no papel de Wendy Torrance. A atriz estava mais nos conformes do imaginado pelo autor para a personagem. Steven Weber pegou a ingrata tarefa de substituir Jack Nicholson na pele de Jack Torrence, e o filme conta ainda com as participações do próprio King, do diretor Mick Garris e de cineastas como Sam Raimi e Frank Darabont em pontas.

As principais diferenças são a arma usada por Jack para caçar sua família (um taco de críquete ao invés de um machado), a exclusão do labirinto de plantas, a inclusão do ataque das esculturas do jardim (com o uso de efeitos especiais risíveis), e o desfecho com a explosão da caldeira e destruição de parte do hotel. O resultado, você pergunta. Bem, digamos que King seja o único ser humano neste planeta que tenha ficado satisfeito com esta obra e, mais ainda, que a ache superior ao filme de Kubrick. Que segundo muitos, melhora até mesmo o livro de King.

Doutor Sono – A Continuação

Praticamente 40 anos depois do lançamento de O Iluminado, surgiu algo que nenhum fã jamais imaginou: uma continuação. Mas calma, este não é um caça-níquel sem qualquer imaginação – apesar do conceito de continuações tardias ser bem legal. Bem, se for considerado caça-níquel, ao menos devemos saber que saiu da mente do próprio Stephen King, já que Doctor Sleep é originalmente um livro lançado pelo autor em 2013. A ideia é revisitar o personagem Danny, o filho do casal, o tal “iluminado do título”, hoje um homem de meia idade.

Como dito na obra original, existem mais iluminados pelo mundo, e a nova trama resolve expandir este conceito apresentando novos portadores de tais dons pelo mundo. O resultado é uma bela homenagem às obras originais, tanto livro quanto filme; igualmente assustadora e criativa. Ewan McGregor vive Danny adulto, e o filme foi dirigido por Mike Flanagan, um dos mais talentosos cineastas da nova geração e um dos grandes nomes do terror na atualidade.

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A estreia de O Iluminado ocorreu no dia 23 de maio de 1980, de forma restrita nos EUA. O filme ganharia circuito ampliado a partir de 13 de junho do mesmo ano pelo país. No Brasil, o longa chegaria seis meses depois, em 25 de dezembro. Envolto em muito misticismo, e redescoberto a todo instante (inclusive sendo constantemente tema de documentários e vídeos na internet), O Iluminado é o filme de número 61 dentre os melhores de todos os tempos na opinião do grande público no IMDB, e tem 85% de aprovação da imprensa especializada no Rotten Tomatoes; além de seguir incluído em listas de preferência dos especialistas e veículos renomados.

Ainda tópico constante na cultura popular, O Iluminado já ganhou uma minissérie e até mesmo uma continuação – tanto em livro, quanto em filme. Desta forma, o CinePOP resolve deixar aqui também sua homenagem a este verdadeiro ícone da sétima arte. Vem conhecer mais sobre este épico do terror com a gente.

Livro vs. Filme

Depois da recepção morna de Barry Lyndon (1975) – apesar das vitórias no Oscar e do status de cult que viria adquirir anos depois – Stanley Kubrick estava buscando em livros seu próximo projeto cinematográfico. Relatos de sua secretária na época afirmam que o diretor arremessava contra a parede diversas obras literárias nessa busca, até ser cativado pela escrita do autor Stephen King em The Shining.

A história todos já conhecem – ou deveriam – e fala sobre um sujeito aspirante a escritor aceitando o emprego de zelador em um enorme hotel nas montanhas geladas chamado Overlook, enquanto ele está fechado ao público fora de temporada, ou seja, durante o intenso inverno. Para a empreitada, Jack Torrence, o protagonista, leva sua dedicada esposa Wendy e o pequeno filho Danny com ele para morarem no local durante alguns meses. A pegadinha está no fato de que o Hotel é amaldiçoado, já que foi construído sobre um cemitério indígena, e possui diversas lendas macabras sobre assombrações. Além, é claro, de levar todos que passam ali algum tempo lentamente à loucura. Fora isso, o pequeno Danny possui por sua vez dons premonitórios e extrassensoriais, sentindo na pele a ameaça do local.

Curiosamente, um dos fortes temas do texto é a condição psicológica conhecida como “febre da cabana” – que fala sobre como indivíduos obrigados a permanecer muito tempo confinados num mesmo espaço podem vir a ter surtos de raiva, depressão, insanidade e violência – reflexão muito condizente com nossa realidade atual.

O Iluminado foi a terceira obra de King adaptada ao audiovisual – seguindo o citado sucesso de Carrie (1976) nos cinemas e Os Vampiros de Salem (Salem’s Lot, 1979), produzido na forma de uma minissérie em dois episódios e exibido pela rede americana CBS com distribuição da Warner Television. A mesma empresa iria desembolsar algo em torno dos US$19 milhões para Stanley Kubrick levar sua visão da história de King aos cinemas.

Apesar do entusiasmo inicial do autor, King viria a desmerecer O Iluminado como uma das piores adaptações de uma obra sua. O motivo? Kubrick fez inúmeras modificações no texto do escritor, ao lado da roteirista Diane Johnson, deixando de fora momentos específicos do livro, motivações, alterando a descrição de alguns personagens e, inclusive, o desfecho da trama. Além de ter recusado o roteiro escrito pelo próprio autor. Como resultado, King, apesar de reconhecer Kubrick como um cineasta de visual rico e único, considera esta adaptação vazia de conteúdo. Em suas palavras: “um carro chique, mas sem motor”.

Kubrick, um Carrasco Metódico

Stanley Kubrick não obteve aprovação do criador da história, mas ao final das gravações do longa seus atores igualmente lhe tinham pouco apreço. Os relatos dos bastidores de O Iluminado se tornaram lenda urbana e contribuíram para a mística em torno do diretor metódico. Kubrick transcendia o perfeccionismo, beirando o transtorno compulsivo obsessivo. Tudo precisava ser milimetricamente confeccionado, o que para as atuações se traduzia em repetir uma mesma tomada centenas de vezes em muitas ocasiões. O que deixava os atores principais em estado de nervos.

Fora isso, naquela época, o cinema era muito tratado como “verdade”, e diretores deste porte gostavam que seus intérpretes estivessem realmente num estado mental e físico parecido com o de seus personagens, a fim de extrair deles o sentimento preciso. Este é o chamado “método”, no qual muitos artistas gostam de operar. A diferença é a escolha do ator em utilizá-lo ou não. Quando fica a cargo de um diretor, como Kubrick ou tantos outros, ficamos situados na tênue linha do abuso no ambiente de trabalho. Alfred Hitchcock, Bernardo Bertolucci, John Landis, James Cameron e, recentemente, Joss Whedon são cineastas conhecidos pelas acusações de exceder sua autoridade no set – o que em alguns casos resultou em tragédia.

O protagonista Jack Nicholson se deu bem com Kubrick, mas telefonou para o colega Roger Corman, cineasta com quem começou sua carreira, para contar o método de trabalho exaustivo usado pelo diretor de 2001: Uma Odisseia no Espaço (1968), muito estranho para ambos. Scatman Crothers, que vive Hallorann no filme, teve um colapso nervoso ao ter que repetir a mesma cena inúmeras vezes. Mas quem mais sofreu nas mãos de Kubrick foi Shelley Duvall, a Wendy Torrence. Para mantê-la num constante estado de tensão e medo, o diretor a tratava de forma ríspida, abusando dela psicologicamente a fim de deixá-la fragilizada. Além disso, exigia que Nicholson fizesse o mesmo – tudo devidamente registrado pela filha do diretor, que gravava um documentário de bastidores e se pronunciou publicamente diversas vezes contra o comportamento abusivo de seu pai. Apesar de tudo isso, o diretor só teve elogios para a performance de Duvall e seu empenho.

Curiosamente, o cultuado David Lynch teve influência na visão de Kubrick para O Iluminado. Bem, ao menos um de seus filmes teve. Trata-se do pesadelo em forma de celulose Eraserhead (1977), primeiro longa-metragem de Lynch, e um dos filmes favoritos de Kubrick. Para que pegassem o clima que o diretor queria imprimir em seu filme, ele o exibiu para os atores e a equipe.

Jack Nicholson – O Bom Soldado

Um dos maiores atrativos de O Iluminado é sem dúvida a atuação inspiradíssima de Jack Nicholson, um verdadeiro tesouro mundial do cinema, na pele do pseudo escritor Jack Torrence. Segundo Stephen King, igualmente contra a escalação do ator, a impressão que Nicholson passa no papel é a de ser louco antes da experiência claustrofóbica. Seja como for, antes dele, outros atores foram considerados por Stanley Kubrick para o papel protagonista, entre eles: Robert De Niro, Robin Williams e Harrison Ford. Vocês conseguem imaginar outro vivendo o personagem?

Apesar do bom relacionamento com o excêntrico cineasta, Nicholson não se viu longe das técnicas bizarras de Kubrick e também sofreu na pele em sua participação. Além da exaustão física que o fazia despencar na cama ao fim de cada dia – sem dar muita atenção para sua então namorada na época, Anjelica Huston; a fim de extrair do ator o desconforto e os nervos à flor da pele, o diretor somente o alimentava com sanduíches de queijo por duas semanas. O detalhe: Nicholson odeia sanduíches de queijo.

Fora isso, por ter morado na Inglaterra por grande parte da sua vida, Kubrick não entendeu inicialmente o improviso de Nicholson na cena clássica após arrebentar a porta a machadas e proferir “Heeeere’s Johnny”. O agora famoso “Aqui está Johnny” é referência ao programa Tonight Show e seu apresentador Johnny Carson, anunciado assim todas as noites de 1962 a 1992.

A Sofrida Shelley Duvall

Em relação a diversos elementos, Stephen King expressou sua insatisfação com o filme de Kubrick. E assim como Nicholson para o papel de Torrence, o autor não aprovava a escalação de Shelley Duvall para a personagem Wendy, sua esposa. King criou Wendy no papel como uma bela mulher loira, uma espécie de esposa troféu, uma dondoca que nunca passou por problemas ou dificuldades em sua vida, enfatizando assim seu desafio em superar tudo o que ocorre durante sua estadia no hotel Overlook. Segundo King, Duvall é o completo oposto de sua criação, tendo a aparência fragilizada de uma mulher que já precisou enfrentar muita coisa em sua vida.

E não foi só King que não queria Duvall no papel, seu companheiro de tela Jack Nicholson percebendo as gritantes diferenças entre a atriz e a personagem no papel, sugeriu insistentemente a escalação de Jessica Lange. Na época, Lange havia estrelado apenas dois filmes: King Kong (1976) e All That Jazz – O Show Deve Continuar (1979). Mas Kubrick foi enfático e bateu o pé sobre a versão de Wendy que queria no cinema – uma mulher mais fragilizada.

No mesmo ano, Shelley Duvall viveria a icônica Olivia Palito na adaptação cinematográfica de Popeye, do diretor Robert Altman – que viveu para se tornar um fracasso e ser redescoberto depois como obra cult. Curiosamente, o desejo de Nicholson em trabalhar com Lange se realizaria no ano seguinte do lançamento de O Iluminado, no remake de O Destino Bate à Sua Porta. Após o lançamento do filme, Nicholson disse que a atuação de Duvall foi uma das melhores performances de uma atriz que ele já havia visto.

Recepção

Assim como costumam sofrer diversas obras hoje cultuadas, O Iluminado dividiu opiniões em seu lançamento. O filme chegou até mesmo a figurar no famigerado “prêmio” Framboesa de Ouro, com as indicações de pior atriz e diretor para, respectivamente, Duvall e Kubrick. Seria apenas o prazer de indicar alguém da estatura de Kubrick ao prêmio? Alguma vez hoje imaginaríamos que o diretor chegou a ser cogitado como “o” pior qualquer coisa por alguém? Pois bem, mesmo tendo passado longe do Oscar (uma grande injustiça), como dito, hoje O Iluminado é um dos filmes mais queridos do cinema por crítica e público.

Para termos uma ideia, no “prêmio” descarado daquele ano figuraram obras hoje muito queridas como Vestida para Matar, A Lagoa Azul, Parceiros da Noite, Bronco Billy, Glória, Loucos de Dar Nó, e os cult Sexta-Feira 13, Xanadu e Flash Gordon.

Seja como for, em matéria de bilheteria O Iluminado não foi um sucesso estrondoso. Com um orçamento de US$19 milhões, trouxe de volta aos cofres da Warner algo em torno de US$46 milhões mundialmente. Mesmo assim foi o suficiente para figurar como a 15ª maior bilheteria de 1980 nos EUA.

A Infame Minissérie

A insatisfação de Stephen King com o filme de Kubrick se tornou notória. E durante anos o escritor desejou uma produção audiovisual mais fiel de um de seus livros mais adorados pelos fãs. Assim, em 1997, finalmente saía do papel uma produção que abraçava mais o que o autor havia planejado. No entanto, este caminho não foi tão suave quanto se imagina. Kubrick possuía os direitos de adaptação do livro, e só liberou King para uma nova versão depois que este assinasse um documento legal. O contrato estipulava que King teria que parar de fazer críticas públicas a seu filme.

Assim, dezessete anos depois do clássico de Kubrick, Stephen King finalmente lançaria a obra que sempre imaginou. Bancado pela mesma Warner, que desembolsou novos US$25 milhões para a produção, a minissérie em três episódios (no total de 4h33min de duração) ia ao ar no dia 27 de abril de 1997, exibido pela rede ABC.

Dirigido por Mick Garris (Sonâmbulos e Abracadabra) e adaptado pelo próprio King, o programa trazia Rebecca De Mornay como principal nome do elenco, no papel de Wendy Torrance. A atriz estava mais nos conformes do imaginado pelo autor para a personagem. Steven Weber pegou a ingrata tarefa de substituir Jack Nicholson na pele de Jack Torrence, e o filme conta ainda com as participações do próprio King, do diretor Mick Garris e de cineastas como Sam Raimi e Frank Darabont em pontas.

As principais diferenças são a arma usada por Jack para caçar sua família (um taco de críquete ao invés de um machado), a exclusão do labirinto de plantas, a inclusão do ataque das esculturas do jardim (com o uso de efeitos especiais risíveis), e o desfecho com a explosão da caldeira e destruição de parte do hotel. O resultado, você pergunta. Bem, digamos que King seja o único ser humano neste planeta que tenha ficado satisfeito com esta obra e, mais ainda, que a ache superior ao filme de Kubrick. Que segundo muitos, melhora até mesmo o livro de King.

Doutor Sono – A Continuação

Praticamente 40 anos depois do lançamento de O Iluminado, surgiu algo que nenhum fã jamais imaginou: uma continuação. Mas calma, este não é um caça-níquel sem qualquer imaginação – apesar do conceito de continuações tardias ser bem legal. Bem, se for considerado caça-níquel, ao menos devemos saber que saiu da mente do próprio Stephen King, já que Doctor Sleep é originalmente um livro lançado pelo autor em 2013. A ideia é revisitar o personagem Danny, o filho do casal, o tal “iluminado do título”, hoje um homem de meia idade.

Como dito na obra original, existem mais iluminados pelo mundo, e a nova trama resolve expandir este conceito apresentando novos portadores de tais dons pelo mundo. O resultado é uma bela homenagem às obras originais, tanto livro quanto filme; igualmente assustadora e criativa. Ewan McGregor vive Danny adulto, e o filme foi dirigido por Mike Flanagan, um dos mais talentosos cineastas da nova geração e um dos grandes nomes do terror na atualidade.

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