O ator Keanu Reeves viu sua carreira reascender recentemente, graças a um fenômeno moderno: os memes da internet providos pelos milênios. Reeves se tornou um astro ainda na década de 1990, graças a filmes de ação repletos de adrenalina, como Caçadores de Emoção (1991) e Velocidade Máxima (1994). Como todos os profissionais desta área, ele também viveu seus baixos, com escorregadas no período (Johnny Mnemonic e Reação em Cadeia), mas receberia uma segunda onda de popularidade – esta ainda maior – com a franquia Matrix (1999 e 2003).
Este novo auge em sua carreira se deve em especial a esta realidade tecnológica na qual estamos inseridos. Hoje, existe uma grande proximidade entre as estrelas de Hollywood e o público, que as segue de perto através das redes sociais. No mundo politicamente correto de hoje, onde julgamentos são fervorosos, qualquer deslize pode ser imperdoável. Keanu, por outro lado, se tornou uma personalidade acima de qualquer suspeita, altruísta, simples e sofrido por tragédias pessoais. Nem precisa dizer que foi catapultado ao status de crush por esta nova geração que abraça o bom moço e rechaça o bad boy. Os memes do Sad Keanu – que come sozinho na praça e anda de metrô – viraram sensação. As pessoas começaram a conhecer um pouco mais quem era este ator reservado.
Nesta mesma época, Reeves estrelou De Volta ao Jogo (2014), primeiro capítulo na saga do assassino John Wick – que se tornou o mais recente sucesso estrondoso do astro. O longa ganhou duas continuações (em 2017 e 2019) e mais uma é prometida para 2022, e logo Keanu estava de volta ao jogo, com aparições em filmes cult e até mesmo em produções adoradas da Netflix por esta geração… bem, Netflix. Isso sem falar em sua dublagem em Toy Story 4 (2019), aparição em Bob Esponja: O Incrível Resgate (2020) e o vindouro Matrix 4 (2021). O ator parece estar em todo lugar, e nesta época de reviver o passado em que estamos, nada mais natural do que Keanu ter voltado à sua primeira franquia de sucesso, mesmo que seja um sucesso cult: Bill &Ted.
Bill & Ted: Encare a Música, terceira e tardia produção para o cinema com os personagens amalucados, teve o lançamento no fim agosto de 2020 – em meio a pandemia do coronavírus e talvez não tenha tido a atenção que merecia. Aproveitando o aniversário do astro Keanu Reeves, que completa hoje 57 anos de vida, o CinePOP resolveu recapitular para você todas as obras desta franquia, que talvez nem todos conheçam bem. Vem com a gente nesta viagem pelo tempo.
Bill & Ted: Uma Aventura Fantástica (1989)
Tudo começou no fim dos anos 1980 – época que acolheu diversas produções sobre amigos adolescentes se metendo em muitas encrencas – algumas inclusive fantásticas e sobrenaturais, como é o caso desta. Também era propício da época dois elementos que são os pilares dos personagens principais Bill e Ted: jovens aficionados por rock ‘n roll, e não muito espertos. Neste segundo item, vale dizer também que este estereótipo do jovem desmiolado, quase sempre vinha atrelado ao seu carisma, que mesmo sem muita inteligência era o suficiente para conquistar todos ao redor e superar os problemas e desafios. Sua simpatia também criava moda, estilo de se vestir e frases de efeito – as daqui sendo “dude”, “excellent” e “bogus” para algo ruim.
Pode-se dizer que esta persona representada no filme serviu ainda para duplas famosas como Wayne e Garth de Quanto Mais Idiota Melhor (Wayne’s World) e a animação Beavis e Butt-Head, entre outros. Ambos igualmente dividiam a paixão pelo rock, também vista no sucesso dos anos 1980, De Volta para o Futuro (1985). Este guardando, inclusive, outra semelhança com Bill & Ted, a viagem no tempo. Marty McFly (Michael J. Fox) tinha como principal preocupação em sua vida adolescente ganhar um concurso de bandas e iniciar uma carreira na música. Sonho que move, igualmente, a dupla protagonista aqui.
Na trama, Bill (Alex Winter) e Ted (Keanu Reeves) são dois jovens que querem ser roqueiros famosos, mas antes precisam passar de ano no colégio. Caso sejam reprovados, caminho que percorrem rápido, serão separados, já que o pai severo de Bill irá alistá-lo no colégio militar. É então que uma ajuda mágica chega ao resgate da dupla. Rufus (George Carlin), um visitante do futuro, chega para ajudá-los a passar nas provas. Segundo o sujeito, é sua permanência juntos o motivo da paz do mundo no futuro. Este viajante do tempo empresta sua máquina, uma cabine telefônica, para que a dupla possa se transportar para qualquer época e aprender sobre história. Assim, Bill & Ted vão pulando de década em década, de século em século, através do tempo, vivendo períodos diferentes de nossa civilização e no fim das contas trazendo consigo personalidades como Sócrates, Joana D’Arc, Sigmund Freud, Napoleão, Beethoven, Abraham Lincoln, Billy the Kid, entre outros.
Reeves tinha 22 anos e Alex Winter tinha 21 anos quando começaram a filmar Uma Aventura Fantástica. A dupla foi descoberta pelos produtores na frente de um McDonald’s enquanto interagiam entre si, de forma muito parecida com o que viria a ser a definição de seus personagens. Antes de Reeves e Winter serem contratados, no entanto, atores como Sean Penn e River Phoenix fizeram teste para viver Bill, e Pauly Shore fez teste para ser Ted. Outro personagem que quase teve aparência diferente também foi o tutor da dupla Rufus, já que os produtores estavam decididos a ir atrás de gente graúda como Sean Connery. Muito ambiciosos?
Bill & Ted foi escrito por Chris Matheson e Ed Solomon, que criaram o roteiro à mão em quatro dias. Neste texto original, a máquina do tempo era uma van, mas os envolvidos terminaram achando muito parecido com o carro usado em De Volta para o Futuro (1985) e resolveram optar por uma cabine telefônica – sem se importar (ou saber) que esta “máquina” já estivesse sendo usada na série Doctor Who. A ideia original também mostraria a dupla “pulando” entre eventos trágicos reais, como o Titanic afundando (1912) e o desastre aéreo do dirigível Hindenburg (1937).
Reza a lenda que antes de se tornarem populares personagens de cinema com a garotada, Bill & Ted começaram as carreiras como um ato em comédias stand up, no qual os humoristas que os interpretavam faziam comentários sobre assuntos complexos que não dominavam, tudo sob o ponto de vista dos jovens descerebrados.
Por falar em suas carreiras no cinema, os personagens quase foram lançados direto na TV a cabo. Acontece que a produtora responsável pelo longa, a De Laurentiis, do italiano Dino De Laurentiis, estava pedindo falência antes do lançamento de Bill & Ted, e uma das opções era lança-lo como um filme para a TV a cabo. Por sorte, a Nelson Entertainment comprou e estreou a produção em 17 de fevereiro de 1989 nos cinemas dos EUA. O longa ficou em terceiro lugar nas bilheterias americanas em seu fim de semana de lançamento (que era um feriado), atrás do Oscarizado Rain Man (2º), com Tom Cruise e Dustin Hoffman, e da outra estreia da semana Meus Vizinhos São um Terror (1º), com Tom Hanks. Uma Aventura Fantástica chegava ao Brasil no dia 4 de maio do mesmo ano.
O primeiro Bill & Ted teve o orçamento folgado de US$10 milhões e, com direção de Stephen Herek, de Criaturas (1986) e Os Três Mosqueteiros (1993), viu o retorno de US$40.5 milhões só nos EUA – se tornando assim um sucesso moderado, e um cult graças ao crescente mercado de vídeo. Curiosamente, Keanu Reeves chegou a lamentar ter feito o filme, e não queria ser associado ao papel. Tudo que vai, volta. E agora o ator não poderia se mostrar mais empolgado em reviver o otimista de neurônios a menos Ted.
As Aventuras de Bill & Ted (1990-1991)
Ninguém tinha dúvidas sobre o público-alvo da aventura: os jovens. Assim, antes mesmo da estreia do segundo filme, as crianças e os adolescentes ganhavam um presente logo no ano seguinte de Uma Aventura Fantástica: um desenho animado com seus personagens favoritos. Bill & Ted saíam das telonas diretamente para as telinhas na forma de animação, para expandir ainda mais suas aventuras pelo tempo. E o melhor: dublados pelos mesmos intérpretes originais. Desta forma, Keanu Reeves e Alex Winter voltavam aos personagens, e eram acompanhados por George Carlin como Rufus.
O programa, produzido pela icônica Hanna-Barbera, em parceria com a Orion Television Entertainment, braço de TV da produtora Orion, durou duas temporadas, de 1990 a 1991, num total de 21 episódios. Quem lembrava desta?
Bill & Ted: Dois Loucos no Tempo (1991)
Completando 30 anos de lançamento em 2021 e gravado no período de 12 semanas, com o orçamento elevado para US$20 milhões, estreava no dia 19 de julho de 1991 a segunda, maior e mais ambiciosa aventura dos amigos desmiolados Bill & Ted. A data corajosa, em pleno verão americano – época dos maiores lançamentos dos estúdios – prova isso. No Brasil, o filme estreava em 13 de setembro do mesmo ano.
O sucesso cult do primeiro garantiu a volta dos personagens que, a esta altura com um filme de sucesso e seu próprio desenho animado, faziam parte do imaginário coletivo da cultura popular norte-americana. Sendo assim, nada mais justo que para esta segunda investida a escala fosse aumentada. Desta vez, Bill & Ted precisam parar um tirano do futuro (papel de Joss Ackland) que está tentando tomar o poder e para isso envia ao passado cópias robôs dos heróis para assassiná-los (interpretados pelos mesmos). E os “exterminadores do futuro” conseguem completar sua missão, mesmo possuindo o intelecto parecido com o dos reais, e tomam seus lugares. Bill & Ted, por outro lado, mortos, vão do inferno ao céu, e voltam à vida tendo derrotado A Morte (papel de William Sadler).
Apesar de ser uma comédia besteirol mirada ao público jovem, o segundo Bill & Ted faz referência a clássicos como O Sétimo Selo (1957), do sueco Ingmar Bergman. Aqui, no entanto, vemos uma morte um pouco diferente do emblemático filme em preto e branco. Outra menção a um clássico ocorre com o filme Neste Mundo e no Outro (1946), quando os personagens chegam ao céu e conversam com Deus, conseguimos ver estátuas do ator David Niven e do diretor do filme, Michael Powell. No filme citado, Niven consegue ludibriar a morte, mas é julgado em um “tribunal celestial”, onde precisa defender sua permanência na Terra. São os roteiristas Chris Matheson e Ed Solomon, que retornaram no texto desta sequência, mostrando que são mais inteligentes do que o filme que criaram. E cinéfilos de carteirinha.
Na cadeira de diretor, uma substituição. Stephen Herek não aceitou o convite para retornar, afirmando já ter feito este filme, e que a sequência seria uma paródia do original – que por si só já era uma paródia. Assim, em seu lugar foi escalado Peter Hewitt (Garfield – O Filme), contratado devido ao curta The Candy Show (1989), seu único trabalho até então.
Dentre as ideias descartadas do roteiro original está o primeiro título que o filme teria, “Bill & Ted Go to Hell”, que de fato é parte da trama. O estúdio não topou por achar que ter a palavra “inferno” no título não desceria bem com grande parte do público. Por falar nisso, sequer a ideia de ver os heróis morrendo agradou os produtores de início, mas os roteiristas bateram o pé quanto a esta porque consideravam uma premissa boa demais para ser modificada.
O primeiro tratamento do roteiro tinha maior conexão com o filme original, fazendo a trama girar em torno de um novo trabalho acadêmico da dupla, desta vez para a aula de Inglês e Literatura. Assim, os heróis visitariam grandes obras do gênero, fazendo parte de sua história e criação, como Romeu e Julieta, Crime e Castigo e Tom Sawyer. Além disso, Rufus (Carlin), o mentor da dupla, seria originalmente o vilão deste segundo filme.
Dois Loucos no Tempo (1991) estreou recuperando metade de seu orçamento, com mais de US$10 milhões só em seu primeiro fim de semana nos EUA, ficando atrás somente do fenômeno O Exterminador do Futuro 2 nas bilheterias em sua estreia. Mesmo assim, a longo prazo, o filme terminou sua estadia nos cinemas americanos rendendo menos que o filme original, com um pouco mais de US$38 milhões em caixa. O que pôs fim nas aventuras da dupla permanentemente. Isso é, por trinta anos pelo menos.
Bill & Ted: Encare a Música (2020)
Com sua estreia em agosto de 2020, a terceira e tardia aventura dos amigos finalmente saiu do papel. Sequências com dez, vinte, trinta ou mais anos são a nova “onda” de Hollywood. De Indiana Jones, Rambo, O Iluminado e Rocky, passando por Blade Runner, Karate Kid e Evil Dead até Wall Street, Tron, Top Gun e Um Príncipe em Nova York, grande parte dos produtos da década de 1980 foram reformulados para a nova geração. Seguindo a tendência, Bill & Ted também saem da geladeira.
Alex Winter, Keanu Reeves e os criadores Chris Matheson e Ed Solomon retornaram para este terceiro longa, o primeiro com os protagonistas já cinquentões. A trama mostra a dupla na meia idade, ambos pais, cada um de uma jovem, ainda tentando emplacar na carreira musical e fazer sucesso. Suas companheiras, as princesas Joanna e Elizabeth (interpretadas aqui por Jayma Mays e Erinn Hayes respectivamente) também voltaram. Assim como a Morte, novamente vivida por William Sadler. Infelizmente, o ator George Carlin, intérprete de Rufus, o terceiro personagem mais importante desta saga, faleceu em 2008, aos 71 anos.
As filhas dos protagonistas, que igualmente são importantes para a nova trama, receberam as formas de Samara Weaving (Casamento Sangrento) e Brigette Lundy-Paine (O Escândalo). A direção é de Dean Parisot (Heróis Fora de Órbita). O terceiro Bill & Ted obteve sucesso de crítica, com 82% de aprovação da imprensa especializada. Porém, em questão de bilheteria, sofreu com cinemas ainda fechados, arrecadando um pouco mais que US$6 milhões em cofre, mas se mostrando igualmente um dos primeiros a receber lançamento simultâneo em VOD e streaming em meio à crise no mercado audiovisual trazida pela pandemia. E você já conferiu o terceiro filme? Comente.