Desde meados da década de 1990, Pedro Almodóvar deixava as comédias para trabalhar o melodrama. Depois da consagração com comédias como Mulheres a Beira de Um Ataque de Nervos e Ata-me, expôs a maturidade com filmes como Volver, Fale Com Ela e Tudo Sobre Minha Mãe (ainda seu melhor trabalho, jamais superado). Seus últimos 20 anos foram de filmes densos, com pequenos toques de humor, promovendo uma renovação do melodrama comparável à de Rainer Fassbinder. Ponto fora da curva, A Pele Que Habito foi um terror (para meninos, rsrs), com toques de dramas, um mergulho pelo lado mais obscuro do homem.
Com Os Amantes Passageiros (Los Amantes Pasajeros), Almodóvar retorna ao cômico, com um filme de humor rasgado, mas, infelizmente, sem resultar em riso frouxo. As piadas nem sempre são eficientes, embora consigam manter o um bom ritmo. Parte dessa “falta de humor”, atribuo ao fato do filme surgir como um negativo dos melodramas do diretor: se nestes, tínhamos toques de humor no meio do drama, em Os Amantes Passageiros o humor prevalece, abrindo alguns espaços para instantes emotivos. O Sr. Más (José Luis Torrijo) é bom exemplo: mais dramático, tem apenas alguns momentos de graça.
É um trabalho que deve figurar como menor na carreira de Almodóvar. Mesmo menor, mesmo sem a genialidade das antigas comédias, mesmo não sendo muito engraçado, é perceptível, entre um frame e outro, traços do gênio e de maturidade.
Primeiro, o uso das cores. Não é um filme com cores estouradas. Não! Neste, Almodóvar demonstra que a contenção no uso das cores se tornou uma de seus traços. As cores surgem de forma harmônica, compondo naturalmente o espaço. Não são usadas para detonar o riso, como em suas comédias da década retrasada. Também há contenção nos enquadramentos, cada vez mais elegantes.
A alegoria política foi destacada pelo próprio diretor. A ideia de um avião voando em círculos com uma equipe inoperante é a imagem da Espanha atual. A classe econômica (maior parte dos tripulantes) é anestesiada enquanto alguns tomam a decisão (tripulação e classe executiva), estas limitadas pelas condições concretas (falta de aeroportos). Intencional ou não, podemos interpretar o final do filme como uma ideia otimista de que, depois das turbulências, vem o céu de brigadeiro. Apesar disso, essa alegoria não provoca o espectador; é apenas mais um elemento.
Entre qualidades e defeitos, Os Amantes Passageiros deve dividir os fãs. De qualquer forma, é uma delícia ver alguns dos atores ícones do diretor novamente em comédia almodovariana.