Para a geração de hoje é difícil imaginar um tempo em que os filmes de super-heróis não fossem uma realidade. No entanto, é só voltarmos algumas décadas no passado para compreender um pouco mais o quanto tais produções penaram para chegar até aqui. A toda poderosa Marvel então era considerada um caso perdido. O fato chega para mostrar mais do que nunca o quanto o mundo dá voltas e é cheio de altos e baixos para estes que habitam o grande hospício azul que é nosso planetinha.
Atualmente a Marvel Studios é “o que há”, não somente em matéria de adaptações de quadrinhos bem sucedidas, mas como A fonte mais rentável dentro da indústria, ditando inclusive tendências no mercado audiovisual como entretenimento, fazendo funcionar planos extremamente ambiciosos – como universos (e franquias) interligadas, se conectando inclusive com séries de TV. É claro, fazendo girar o capital do serviço de streaming da Disney – ou você acha que a decisão é meramente criativa e não financeira? Não importa, o que vale é sua potência no cinema, coisa que cada estúdio tenta recriar – em especial a Warner/DC que chega em segundo, correndo atrás do tempo perdido.
No passado, porém, esta ambição não era sonhada e tudo o que os executivos queriam era legitimar os filmes baseados em quadrinhos – que haviam se mostrado uma possibilidade real com Superman (1978) e Batman (1989), mas se esforçavam para adentrar de forma eficiente nos anos 1990. Por mais louco que possa parecer, quadrinhos underground e pouco conhecidos eram apostas mais seguras para os estúdios do que medalhões da Marvel e DC.
Pensando nisso, resolvemos revisitar algumas das apostas (umas bem inusitadas) dos estúdios para filmes baseados em HQs alternativas. Vamos relembrar.
A Máscara do Zorro
Outro personagem que parece tão antigo quanto o próprio tempo (ou o cinema), o Zorro é um justiceiro mascarado que, com sua roupa preta, capa, chapéu, máscara e espada, luta para ajudar os pobres e oprimidos em Los Angeles, na era da Califórnia Espanhola. E para os que não sabem, Zorro é raposa em espanhol. O herói foi criado por Johnston McCulley ainda no ano de 1919 nas revistas e livros pulp, os predecessores dos quadrinhos. Apesar de ter aparecido em quase todas as mídias durante sua longa trajetória, a primeira grande produção moderna do personagem no cinema ocorreu em 1998, neste filme igualmente produzido por Spielberg, tendo Antonio Banderas e Anthony Hopkins como protagonistas. A Máscara do Zorro foi um sucesso, uma bela homenagem ao cinema de matinê, serviu para transformar a então desconhecida Catherine Zeta-Jones numa estrela e ganhou uma sequência tardia em 2005.
Blade – O Caçador de Vampiros
No mesmo ano de Zorro, as adaptações de quadrinhos viriam sua sorte mudar radicalmente. Isso porque no fim de 1998 era lançado Blade – O Caçador de Vampiros, o primeiro filme da Marvel bem sucedido no cinema. Bem, hoje é fácil dizer isso, mas na época nem mesmo os fãs dos quadrinhos da casa sabiam quem diabos era Blade, ou tinham noção de ser um produto da casa. Blade é um personagem do time C, bem obscuro, que nunca sequer havia tido um título próprio. Justamente por isso a New Line se sentiu à vontade de leva-lo aos cinemas, porque não existiria tanta pressão. O filme se tornou um sucesso e gerou duas sequências. Além disso, o filme que ainda misturava elementos de terror em sua trama serviria para mostrar todo o potencial que o gênero poderia ter, abrindo portas para os vindouros X-Men (2000) e Homem-Aranha (2002). O resto é história.
Dick Tracy
Completando 30 anos de seu lançamento em 2020, Dick Tracy foi a resposta da Disney para o fenômeno Batman, da Warner, que havia estreado no ano anterior. Até mesmo a trilha sonora de Danny Elfman era reprisada, mostrando as inúmeras similaridades entres os projetos. E se Batman contava com Jack Nicholson, um dos maiores astros da época, protagonizando e dando credibilidade a “um filme de quadrinhos”, Dick Tracy tratou de trazer em seu elenco nomes como Al Pacino, Dustin Hoffman e Madonna. Porém, Dick Tracy não fez o mesmo barulho que seu colega citado, talvez pela ego trip do dono do projeto, o ator Warren Beatty – que produziu, estrelou e dirigiu o filme. Segundo informações, os direitos do personagem ainda estão com o ator, por isso nada mais foi feito com ele desde então. Dick Tracy, é claro, é um dos personagens mais clássicos dos quadrinhos, um detetive incorruptível com uma galeria de criminosos excêntricos e deformados de fazer inveja ao Batman. O personagem foi criado por Chester Gould nas tirinhas de jornais em 1931.
As Tartarugas Ninja
Esqueçam os filmes produzidos por Michael Bay (2014 e 2016), o quarteto esverdeado com nomes de pintores renascentistas foi uma verdadeira febre para toda uma geração no fim da década de 1980. Sem perder tempo e aproveitando o hype de sua popularidade, algumas produtoras independentes resolveram lançar uma adaptação cinematográfica dos personagens com atores de carne e osso logo em 1990 – também completando 30 anos em 2020. E o sucesso do longa foi tanto (em parte graças às fantásticas criações de Jim Henson – que deu vida aos heróis através de fantasias e bonecos animatrônicos altamente funcionais) que além de gerar mais duas continuações, quando foi lançado o primeiro As Tartarugas Ninja se tornou o filme independente mais lucrativo do cinema. Uma das distribuidoras foi a New Line, que na época apenas engatinhava e hoje se tornou subsidiária da Warner. Os personagens foram criados como sátiras de heróis em quadrinhos em preto e branco ainda em 1984, por Peter Laird e Kevin Eastman, antes de se tornarem sensação num desenho animado mais voltado ao público infantil.
Darkman: Vingança Sem Rosto
Tudo bem, aqui trapaceamos um pouco. Embora tenha todo o jeitão de um filme de super-herói baseado em quadrinhos (e essa era a proposta mesmo), Darkman nasceu de uma rejeição do diretor Sam Raimi. Uma das mentes mais criativas do fim dos anos 1980, Raimi queria realizar uma adaptação do personagem Cult O Sombra, mas foi incapaz de objetor os direitos para sua visão. Assim, coube ao articulado cineasta criar sua própria versão de um herói. Protagonizado por Liam Neeson, o protagonista é um inventor trabalhando numa fórmula para uma espécie de pele humana artificial. Após ser atacado por mafiosos, ele fica desfigurado e se torna um justiceiro, capaz de mudar de rosto. A trilha sonora é feita por… acertou, Danny Elfman, o nome mais procurado para o som em filmes de heróis na época. Darkman também completa 30 anos em 2020.
Rocketeer
Apesar da boa ideia e visual retrô incrível, Rocketeer (1991) não se tornou um sucesso, ajudando na mitologia de que tais filmes não funcionavam. Completamente desconhecido, o herói foi criado numa graphic novel ainda em 1982, por Dave Stevens, cuja trama se passa em 1950, onde o herói batalha mafiosos e simpatizantes nazistas. Tal argumento e época foram levados para as telonas também, o que garantiu ao filme um ar Indiana Jones – sucesso na época tendo lançado seu terceiro longa dois anos antes. O protagonista é um piloto que se depara com uma tecnologia nova de um jato propulsor, o qual ele usa nas costas para voar, portando também um visual cool com um capacete dourado com uma barbatana e grandes olhos espelhados. No elenco, Jennifer Connelly e o eterno James Bond Timothy Dalton no papel do vilão. Quem dirige é Joe Johnston, que anos mais tarde apostaria de novo no clima retrô com Capitão América: O Primeiro Vingador (2011).
O Sombra
Por falar em O Sombra, o diretor Sam Raimi pode não ter conseguido os direitos para o personagem em 1990 (coisa que ele tentou de novo em 2006), mas a Universal terminaria o levando às telonas quatro anos depois, num filme dirigido por Russell Mulcahy (Highlander) e tendo Alec Baldwin como protagonista. Mais uma vez a investida foi por um filme retrô de época, passado nos glamorosos anos 1930. O Sombra é o milionário Lamont Cranston, clara inspiração para Bruce Wayne. Na verdade um ser imortal, no passado ele aprendeu artes sombrias, como hipnose, telecinesia e outras formas de manipulação. Originário da década de 1930, o Sombra estreou como personagem em programas de rádios, logo após levado para a literatura em 1931 por Walter B. Gibson.
Timecop – O Guardião do Tempo
Sim, Jean Claude Van Damme já fez um filme de quadrinhos. Em uma de suas maiores e mais ambiciosas produções, o astro belga interpreta um policial trabalhando num projeto revolucionário. Anos depois, a viagem no tempo se torna uma realidade, e todos querem tirar vantagem disso. Assim, uma força tarefa especial se torna uma espécie de “policiais do tempo”, monitorando e prendendo os que tentam lucrar em cima da fato de alguma forma. Se ao menos tivessem impedido Biff em levar o almanaque. Timecop, bancado pela Universal, é baseado numa minissérie em quadrinhos, dividida em três partes, publicada pela Dark Horse Comics em 1992 – dois anos antes do filme – e criada por Mike Richardson e Mark Verheiden.
O Corvo
A tragédia marcou essa produção. Infelizmente, esta obra se tornou o último filme do ator Brandon Lee, filho do lendário Bruce Lee, morto durante as filmagens. Brandon interpretou o protagonista, um roqueiro que junto de sua namorada são assassinados numa cidade dominada pelo crime, muito semelhante à Gotham City. Neste conto gótico, um corvo traz o protagonista de volta dos mortos para se vingar de seus assassinos, eliminando um a um os membros de uma gangue. A história foi criada por James O’Barr e publicada originalmente em 1989. O Corvo (1994), no entanto, ganharia atmosfera cult após a trágica morte do protagonista – que não chegou a terminar as gravações e teve que ser substituído por dublês e efeitos
O Máskara
Outra cria da Dark Horse Comics, O Máskara foi publicado pela primeira vez no fim dos anos 1980, com um teor subversivo e bem violento, criado por Mike Richarson (o mesmo de Timecop). Isso é muito diferente do que vemos em tela na adaptação para o cinema na forma de uma superprodução da New Line, protagonizada por Jim Carrey e dirigida por Chuck Russell (A Bolha Assassina). Embora ainda um tanto subversivo, o filme possui uma atmosfera igualmente apropriada para crianças e adolescentes – mesmo utilizando de algumas piadas “mais sujas”. Dono de efeitos de virar a cabeça (um dos carros-chefe do aperfeiçoamento do CGI no cinema), O Máskara serviu para fazer de Jim Carrey um astro nos anos 1990.
O Juiz
Após Batman (1989), todos queriam a casquinha de uma possível franquia para chamar de sua. Até mesmo o astro Sylvester Stallone, que viu em populares quadrinhos britânicos a oportunidade de se tornar um super-herói nos cinemas – não que a essa altura ele não fosse. Mas aqui ele saía oficialmente das páginas para as telonas. É claro que falamos do hoje famoso universo das HQs inglesas 2000 AD, e seu agora icônico Juiz Dredd, homem da lei que carrega as funções de juiz, júri e executor dado à polícia no futuro. Criado por John Wagner e Carlos Ezquerra, os quadrinhos são muito ricos e repletos de possibilidades. No entanto, no cinema, bancado pela Disney (através da Hollywood Pictures), O Juiz viveu para se tornar apenas um filme de Stallone, e um que não deu o retorno financeiro esperado. Uma das polêmicas mais comentadas na época foi que Stallone, por puro ego, exigiu passar a maior parte do filme sem o capacete característico do herói (que nunca o remove). Em 2012, uma versão muito mais fiel e dona de inúmeras qualidades foi lançada no cinema.
Tank Girl – Detonando o Futuro
No mesmo ano de lançamento de O Juiz, e igualmente completando 25 anos de seu lançamento em 2020, estreava no cinema uma adaptação dos quadrinhos pós-apocalípticos totalmente girl power Tank Girl. Criado por Jamie Hewlett e Alan Martin para os quadrinhos britânicos da Dark Horse ainda em 1988, Tank Girl é uma mistura de Radical Chic com Mad Max. No cinema, porém, o filme protagonizado pela sumida Lori Petty e dirigido por Rachel Talalay (A Hora do Pesadelo 6 – A Morte de Freddy) não fez o barulho esperado. E se você acha a protagonista acelerada semelhante com uma certa palhacinha que virou rainha da cultura pop, saiba que a mesma Margot Robbie que deu vida à Arlequina no cinema está produzindo e irá estrelar um reboot de Tank Girl.
O Fantasma
Voltando ao tema de heróis clássicos, passado em décadas glamorosas, O Fantasma foi outro longa que tentou pegar este filão, mas terminou morrendo na praia. Um dos mais icônicos personagens de tirinhas de jornais, criado por Lee Falk na chamada era de ouro – década de 1930 – o herói teve diversas interpretações ao longo de todos esses anos e nunca deixou de permanecer na mídia, fosse em desenhos animados, games e brinquedos. No cinema fez sua estreia em 1996, numa produção grandiosa da Paramount com ares do cinema de matinê – que foi muito da influência para o universo do herói. Porém, a falta de grandes nomes envolvidos no projeto, com o protagonista sendo interpretado por Billy Zane, fez o longa amargar uma bilheteria abaixo do esperado.
Spawn – O Soldado do Inferno
Saído das páginas de uma nova editora, a Image Comics, que reunia talentos oriundos da Marvel e DC, Spawn era um dos carros-chefe desta sensação da década de 1990. Criado pelo quadrinista Todd MacFarlane é seguro dizer que Spawn foi a criação que deu mais certo da editora. Na trama, Al Simmon é um assassino do governo, traído por seus superiores e morto, ele vai direto para o inferno. Lá, ele faz um pacto com o demônio e volta à Terra para acertar as contas. Propriedade milionária, um acordo logo surgiu para levar o personagem demoníaco, cuja história utiliza muitos elementos do terror, para os cinemas através de uma produção da New Line. Talvez pela falta de estrada do personagem ou pela qualidade da obra em si, Spawn (1997) não vingou. No entanto, uma nova tentativa vem aí, dona de mais prestígio com Jamie Foxx no papel principal e Jeremy Renner no elenco. O criador McFarlane cuida do roteiro e direção e garante que o filme será um terror de censura alta.
Homens de Preto
No mesmo ano de fracassos como Spawn e Batman & Robin, surgia um sucesso que viria a ser tornar um verdadeiro fenômeno mundial. O curioso é que poucos talvez saibam de suas raízes nos quadrinhos, na época então nem se fala. Homens de Preto é oriundo de quadrinhos obscuros da Malibu Comics, criado por Lowell Cunninghan, e fala sobre uma organização secreta do governo destinada a monitorar e policiar a vida extraterrestre no nosso planeta, sem que a população saiba. Homens de Preto foi a combinação de vários fatores que deram muito certo. A produção é de Steven Spielberg, a direção de Barry Sonnenfeld (A Família Addams) e no elenco, Will Smith se tornou um astro graças ao papel do malandro Jay. O filme viveu para se tornar o terceiro filme mais lucrativo de seu ano e gerou mais três continuações.
Heróis Muito Loucos
Fechando a década de 1990, uma estreia tão obscura que sequer passou pelos cinemas brasileiros – apesar do potencial já que conta com Ben Stiller como protagonista. O ano era 1999, e os Mystery Men faziam sua transição para as telonas se tornando imediatamente uma produção subestimada. O público não entendeu a proposta e não comprou a ideia, fazendo o longa passar em branco. Aqui tínhamos um grande sarro com os filmes de heróis, antes mesmo deles engatarem no cinema como subgênero de respeito. De muitas formas este é um filme visionário. Na trama, perdedores com “dons” que julgam especiais iniciam sua carreira como heróis de uma cidade sombria, após o único ser realmente poderoso bater as botas da maneira mais inusitada possível. Criados por Bob Burden ainda na década de 1980, os personagens são heróis considerados esquisitos demais para fazer parte dos times principais como os Vingadores ou a Liga da Justiça, por exemplo. É claro, a finalidade principal deste grupo de underdogs é o humor.