Todo gênero do cinema está restrito às suas convenções. Mas isso não quer dizer que mesmo dentro de uma caixinha, uma produção não possa ser confeccionada com muita criatividade, e algumas inclusive quebrando o molde e transcendendo para outros gêneros. Onde existe originalidade, existe um caminho. Infelizmente esse não é o caso com nenhuma das produções que iremos abordar nessa nova matéria.
Como dito acima, todos os gêneros possuem suas convenções e podem ser considerados repetitivos por parte de uma audiência que não os aprecia. Por exemplo, para uma determinada parcela do público, os filmes de super-heróis podem parecer todos iguais, mesmo que essa afirmação não seja de toda verdade. O mesmo acontece, por exemplo, com os filmes slasher, subgênero dentro do terror no qual a fórmula depende quase sempre de um assassino mascarado perseguindo e eliminando suas vítimas das formas mais criativas possíveis – até eventualmente ser derrotado no desfecho.
E bem, a maioria dos críticos já reclamava desta fórmula, digamos, de mau-gosto, desde a criação e consolidação do subgênero no fim dos anos 70 / início dos anos 80. Isso não impediu, porém, o sucesso de franquias como ‘Sexta-Feira 13’, ‘A Hora do Pesadelo’ e ‘Halloween’, ainda referências no estilo. Agora, mais velho, me pergunto se estes filmes significavam para mim e meus amigos na pré-adolescência, o mesmo que essas produções trash atuais significam para o público de hoje. Pode até ser, em seu conteúdo o significado é o mesmo, porém, existia um artesanato mais elaborado antes, tais filmes eram propriedade de estúdios que hoje são considerados majors, e entraram para a história.
Por comparação, as três franquias citadas estão mais para ‘Pânico’ e outros slasher mais renomados, do que estão para os filmes que iremos apresentar nessa lista. Estes são o lado B da coisa, e seriam mais equivalentes aos slasher mequetrefes dos anos 80 que tentaram pegar carona justamente no sucesso de franquias como as três citadas.
O que nos traz finalmente ao tópico da matéria. Na década de 2000, a dupla de diretores, produtores e roteiristas Jason Friedberg e Aaron Seltzer ficaram conhecidos de uma maneira muito negativa em Hollywood. A dupla entrou para a história por enterrar um subgênero: o das comédias paródias, cimentadas por ‘Apertem os Cintos, o Piloto Sumiu’ e ‘Corra que a Polícia Vem Aí’. Tais filmes atingiram o seu ápice nos anos 90, mas nos anos 2000 seriam usados à exaustão no mais baixo denominador comum pela dupla, em uma série de filmes desprezíveis, que entrariam para a história como alguns dos piores de todos os tempos.
A dupla apenas usava como mote o nonsense e sugava de uma fórmula sem dar nada em troca. Assim surgiam “preciosidades” do nível de ‘Uma Comédia Nada Romântica’, ‘Deu a Louca em Hollywood’, ‘Espartalhões’, ‘Super-heróis: A Liga da Injustiça’, ‘Os Vampiros que se Mordam’, ‘Jogos Famintos’ e ‘Super Velozes, Mega Furiosos’, algumas das produções mais desprezíveis da história da sétima arte, que sequer podem ser consideradas obras cinematográficas.
O mesmo fenômeno se repete hoje, mas com um gênero diferente. O slasher sempre teve uma má reputação. E alguns produtores do cinema B estão dispostos a jogar seu nome mais ainda na lama. Isso porque esses oportunistas se aproveitaram do fato de que alguns dos personagens mais icônicos da cultura pop caíram em domínio público, perdendo seus direitos autorais, de propriedade de grandes estúdios, e resolveram lançar filmes slasher usando de suas figuras a fim de chamar atenção do público.
Porém, a maioria repete apenas uma fórmula pré-estabelecida, mudando apenas a máscara ou a forma do assassino, para que se assemelhe de alguma forma a um personagem clássico. Ah sim, e fazem o mínimo esforço para tentar inserir nas poucas linhas de diálogo alguma referência ao universo clássico destes personagens. É o famoso “fale, não mostre”, até porque orçamento nenhum deles possui.

Abaixo traremos algumas das mais desavergonhadas produções recentes do gênero, de uma verdadeira enxurrada que promete não ter hora para acabar. Confira.
Ursinho Pooh: Sangue e Mel (2023)
O primeiro filme que chamou atenção para este subgênero de utilizar personagens queridos da infância dentro do subgênero slasher foi ‘Ursinho Pooh: Sangue e Mel’. Como diz o título, aproveitando o fato de que o Ursinho amarelo da Disney (antes conhecido como Ursinho Puff), criado por A. A. Milne ainda em 1924, e todos os personagens deste universo, caíram em domínio público, estes produtores resolveram transformá-lo em vilão assassino de filme de terror. Guardem este nome: Rhys Frake-Waterfield. Pois o diretor, produtor e roteirista é o responsável por vários filmes do tipo e em breve irá criar seu próprio universo cinematográfico. ‘Sangue e Mel’ fez sucesso suficiente para gerar uma continuação logo no ano seguinte. E não se espante se vier este ano um terceiro filme. O curioso é notar que este tipo de filme tem tido uma base de fãs grande o suficiente que justifique seu lançamento nos cinemas brasileiros.
O Malvado: O Horror do Natal (2022)
Todos acham que essa moda sangrenta com personagens infantis começou com o ‘Ursinho Pooh’, mas no ano anterior, o Grinch, personagem verde que odeia o Natal, criado pelo Dr. Seuss em 1950, já virava um maníaco homicida, trucidando jovens incautos na data mais festiva de todas. De certa forma, essas produções soam muito como as sátiras pornográficas de personagens conhecidos e até infantis. Todo filme ou personagem da cultura pop de sucesso acaba recebendo sua versão marginalizada em alguma produção imprópria para menores.
Essas produções de censura máxima até lembram o que estes produtores fazem com os personagens agora no terror, e sem dúvida existe público para tudo. ‘O Malvado’ foi outro que recebeu sinal verde para habitar nossas telas de cinema, e conta com produção de Steven LaMorte (que também dirige e roteiriza o longa) e Amy Schumacher. Já na frente das telas, David Howard Thornton, que dá vida ao vilão verde, também ficou conhecido como o palhaço Art, da franquia sanguinolenta ‘Terrifier’.
Mouse Trap: A Diversão Agora é Outra (2024)
Outro que caiu em domínio público foi o símbolo da Disney: o ratinho Mickey. Bem, pelo menos a sua primeira versão em preto e branco no curta conhecido como ‘Steamboat Willie’, datando de 1928. Essa foi a primeira aparição do personagem nas telas, e seu nome ainda não era Mickey, e sim Willie. Essa é a versão que agora pode ser usada por todos. E, é claro, que alguns produtores de filmes B de Hollywood não conversaram e correram para transformar em um filme slasher. E claro, o filme ganhou os cinemas brasileiros, fazendo a alegria dos aficionados.
Popeye: The Slayer Man (2025)
Este ano, até o heroico marinheiro Popeye vai entrar na dança e será transformado em vilão de filme terror trash de baixo orçamento por algum produtor picareta. Isso porque… sim, você acertou, os direitos do personagem caíram em domínio público, já que foi criado em 1929, por Elzie Crisler Segar. O trocadilho no título original está em mudar a palavra “sailor” (ou marujo, marinheiro) por “slayer” (assassino, matador). O filme terá lançamento este ano e não duvidamos que irá parar nas salas de cinema brasileiros.
O Pesadelo da Terra do Nunca de Peter Pan (2025)
Esse longa foi lançado no início deste ano nos EUA e em alguns outros países. O filme faz parte do universo que está sendo costurado pelo mesmo Rhys Frake-Waterfield com os personagens que certa vez foram de propriedade exclusiva da Disney. O produtor e cineasta já havia inclusive produzido uma “cópia” de ‘Five Nights at Freddy’s’, intitulada ‘Freddy’s Fridays’ em 2023. Aqui, é claro, temos uma paródia sangrenta de Peter Pan, Sininho e o universo criado por J. M. Barrie em 1902.
Bambi: O Acerto de Contas (2025)
O ano de 2025 nos trará muitos filmes aguardadíssimos, como o novo ‘Superman’, o novo ‘Quarteto Fantástico’ e o novo ‘Avatar’. Mas trará também uma verdadeira leva de produções questionáveis – todos parte dessa nova onda. E muitos deles com produção de Rhys Frake-Waterfield. Como, por exemplo, o filme do Bambi virado no Jiraiya. Não bastasse ter perdido a mãe assassinada por um caçador, agora, o veadinho mais famoso da cultura pop irá realizar uma vingança à altura. ‘Bambi’ foi criado pelo austríaco Felix Salten em 1923.
Pinocchio Unstrung (2025)
Também já em fase de pós-produção para o lançamento prometido para 2025, Waterfield será o responsável pela produção de ‘Pinocchio Ustrung’, que, como diz o título, terá como foco o boneco de madeira Pinóquio em sua forma mais homicida. A ideia, no entanto, não é novidade, já que em 1996 foi lançado o terror ‘Pinóquio: O Perverso’. A diferença é que o novo filme tem como finalidade a união de todos estes personagens em uma “produção-evento” que será o ápice das obras Waterfield – filme que até o momento tem o título de Poohverse, considerado ‘Os Vingadores’ (2012) do cinema B.
ScreamBoat (2025)
Outro que deverá aportar nos cinemas em 2025 é ‘ScreamBoat’, uma adaptação macabra do citado ‘Steamboat Willie’. A produção aqui é dos mesmos responsáveis por ‘O Malvado: O Horror do Natal’, Amy Schumacher e Steven LaMorte (novamente com direção do último). O longa também contará com David Howard Thornton, que viveu O Malvado e o palhaço Art, como o assassino da vez “Screamboat Willie”. Mesmo tendo “papado mosca” para ‘Mouse Trap’ (que se aproveitou mais rápido do domínio público do Mickey), ‘Screamboat’ deverá manter mais a fidelidade do conto original.
Mas não irá parar por aí, pois os produtores do cinema B irão caçar dólares de qualquer jeito. Por exemplo, Popeye será alvo de duas outras duas produções trash de terror somente esse ano: ‘A Vingança de Popeye’ e ‘Popeye: Maré de Horror’. O mesmo pode ser dito do ratinho Mickey, que além de ‘Screamboat’ e ‘Mouse Trap’, irá aparecer em ‘A Casa do Mickey: Parque da Morte’ e ‘Mickey: O Rato dos Horrores’. Nem mesmo a Cinderela teve descanso e estrelou os slashers ‘A Maldição de Cinderela’ e ‘A Vingança de Cinderela’. Qual será o próximo alvo destes produtores picaretas?
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