O ano de 2020 foi complicado. E chega a ser até injusto apontar os fracassos de bilheteria destes 12 meses. Como sabemos, este foi um ano atípico, diferente de qualquer outro onde apontar sucessos e fracassos de público nunca foi problema, pelo contrário, é um exercício de informação ao público. Em 2020, no entanto, os filmes não puderam demonstrar seu verdadeiro potencial já que as salas de cinema do mundo inteiro se fechavam apenas três meses depois do início de sua corrida pelas maiores arrecadações dos estúdios.
E se as coisas continuarem assim, e o futuro do cinema for mesmo as exibições em streaming, ficará cada vez mais difícil este tipo de serviço de utilidade pública, já que a medida nestes casos é o número de visualizações (audiência) que determinada obra obteve em sua respectiva plataforma. É claro que sempre poderemos contar com a avaliação e aprovação da crítica especializada, mas para todos os efeitos, aqui nesta coluna, costumamos sempre levar em consideração, acima de tudo, o valor do orçamento de determinadas produções versus o quanto de fato elas arrecadaram nas bilheterias.
Verdade seja dita, muitos longas, em especial superproduções, foram atrapalhadas pela pandemia, com alguns filmes inclusive estreando no fim de semana do fechamento das salas. Não dá para fazer uma projeção certa do valor que arrecadariam caso contrário, mas o que podemos afirmar com certeza é que seria um valor bem acima do que obtiveram. Mesmo não sendo 100% justos, ainda podemos olhar para as produções lançadas nos primeiros três meses, antes da pandemia atacar. E também analisar filmes que tentaram emplacar na janela que se abriu com o afrouxamento momentâneo da quarentena – no alarme falso de que a contaminação estava diminuindo.
Sem mais delongas, levando em conta a pandemia ou não, vamos conferir abaixo os filmes que mais sofreram em 2020.
Aves de Rapina
Este primeiro derivado “solo” com a personagem Arlequina não atingiu o esperado. Muitos concordam que a musa Margot Robbie foi a escolha perfeita para viver o papel, e que seu desempenho na estreia com a personagem em Esquadrão Suicida (2016) foi a melhor coisa de tal longa malfadado. E a Warner concordou, a ponto de logo confeccionar um veículo próprio para ela estrelar. Completamente empoderado, com uma diretora mulher, um elenco majoritariamente feminino e com Robbie arregaçando as mangas como produtora igualmente, Aves de Rapina parecia ter todos os atrativos para o sucesso. Novamente, porém, o que todos parecem concordar: é Margot Robbie como Arlequina a melhor coisa da obra, com todo o resto sendo relativamente descartável. O que podemos dizer é que Robbie realmente impulsiona o material, e que ela está inclusive melhor e mais confortável no papel. E sua vontade foi que rendeu ao filme a aprovação da crítica. Mas o público não compareceu como deveria, em partes porque o filme foi lançado em fevereiro, um mês antes de estourar a pandemia.
Precisamos levar em conta também que, para o que geralmente é gasto no gênero, o valor de produção de Aves de Rapina foi baixo, com US$84 milhões gastos pela Warner no orçamento. Tal valor foi apenas igualado em bilheteria nos EUA, e no mundo ao todo o longa fez US$201 milhões – um valor bom, mas tinha potencial para bem mais. Para termos uma ideia, Lanterna Verde (2011), considerado um fracasso, fez US$219 milhões.
Tenet
Aqui temos um dos casos mais recentes e mais polêmicos. Os grandes estúdios não sabiam muito bem o que fazer com seus maiores lançamentos de 2020 quando a pandemia se concretizou. Enquanto alguns pularam rapidamente para o próximo ano, vide Velozes e Furiosos 9 – um dos primeiros a abandonar o barco -, outros seguiram batendo o pé. Entre eles, a Warner era, provavelmente, o estúdio mais notório. Enquanto Mulher Maravilha 1984 era jogado de um lado para o outro, Christopher Nolan, diretor de Tenet, fincou sua ideia de lançar seu mais recente produto neste ano, assim que a situação aliviasse um pouco.
Realmente, inúmeros países relaxaram e afrouxaram as medidas de segurança – e assim os cinemas voltaram a abrir. No entanto, muitos ainda não se sentiam à vontade para frequentar as salas de cinema. Assim, com um orçamento na casa dos US$205 milhões, um dos filmes mais caros e mais aguardados de 2020 viu o retorno de “apenas” US$360 milhões mundiais, sendo o valor mais baixo de um filme do cineasta desde que se transformou num superstar. O espetáculo visual de Nolan, porém, foi bem de crítica.
Mulan
Deixando a Warner quieta, agora vamos de Disney, a toda poderosa do momento. Quando as primeiras informações foram surgindo sobre o live action de Mulan, e o primeiro trailer foi divulgado, o longa já começou a ser cercado com inúmeras polêmicas. O orçamento do filme mais que inflado de US$200 milhões não permitia muito espaço para arriscar e se tornar um fracasso. Assim, com medo de um backlash (o famoso tiro pela culatra), mesmo contando com pré-estreias nos EUA e Reino Unido ainda em março, o estúdio do Mickey optou por uma estreia no streaming para que o filme pudesse ser assistido em casa – igualmente ajudando a promover sua própria plataforma.
Assim, o filme estreava em setembro direto em vídeo em diversos países, como por aqui no Brasil. No entanto, Mulan chegou sim a ser lançado em salas de cinema em alguns lugares do mundo, como na China, Rússia e países da Ásia e Europa. Embora a Disney tenha anunciado que foi a melhor opção para eles e que serviu para minimizar seu prejuízo na pandemia (ou quem sabe mesmo sem ela), Mulan arrecadou algo em torno de US$66.8 milhões nos lugares onde foi exibido nos cinemas. Ah sim, a crítica deu seu aval à produção.
Dois Irmãos: Uma Jornada Fantástica
Essa animação da Disney/Pixar se tornou uma produção elogiadíssima por crítica e público, e os que de fato puderam conferir foram completamente cativados pela road trip de dois irmãos em busca de seu pai desaparecido. Ah sim, já que é uma animação da casa, esta aventura se passa num mundo onde criaturas mitológicas são uma realidade em nosso dia a dia. Aqui, dois elementos agiram muito contra o filme. O primeiro foi seu lançamento, uma semana antes da explosão da pandemia em vários países do mundo, incluindo EUA e Brasil – precisando ser retirado às pressas dos cinemas, já que as salas estavam fechando suas portas.
O segundo aspecto foi que dublando um dos personagens principais na voz original está o ator Chris Pratt, que se envolveu em algumas polêmicas em sua vida pessoal por motivo de sua escolha de religião – mal vista por grande parte dos fãs. Muitos já começam a boicotar o ator, que está meio sumido das telas. Mesmo assim, com um orçamento estimado entre aproximadamente US$175 e US$200 milhões, Dois Irmãos conseguiu recuperar US$140 milhões, ou seja, mais da metade neste tempo ridículo em cartaz. Imagina quanto faria se tivesse chance de uma trajetória normal nas telonas, ficando em cartaz por meses?
Ameaça Profunda
Agora, deixando a Disney em paz, mas não totalmente, chegamos à sua subsidiária, Fox. Como todos sabem a 20th Century Fox foi comprada pela Disney e anexada a seu acervo. Assim, o estúdio se torna 20th Century Studios, e em 2020 algumas produções iriam começar a ser lançadas com o novo “selo”. Uma delas foi esta Ameaça Profunda, ficção científica/filme catástrofe estrelada pela jovem Kristen Stewart. Passada numa base submarina, Stewart protagoniza como uma cientista precisando sobreviver ao mau funcionamento de sua instalação submersa, enquanto descobre que forças desconhecidas podem estar em vigor no fundo do mar.
Ameaça Profunda não teve muito a desculpa da pandemia para se proteger, já que fez sua estreia nos cinemas ainda no início de janeiro, e pôde usufruir de três meses para tentar lucrar. No entanto, jogando contra o filme estavam as avaliações negativas que recebeu da imprensa. Assim, com orçamento de US$80 milhões, o longa arrecadou somente US$17 milhões nos EUA e US$40 milhões totais ao redor do mundo, não conseguindo sequer empatar seu valor de produção.
O Chamado da Floresta
Seguindo com a FOX, este foi o segundo lançamento do ano com o selo “20th Century Studios”, já nos domínios da Disney. Baseado no livro de Jack London sobre um cão da raça São Bernardo sendo sequestrado de seu lar e vendido como puxador de trenó nos territórios gelados e inóspitos do Canadá. A história já foi adaptada diversas vezes ao cinema, em filmes de 1935, 1972 e 1997, por exemplo, protagonizados por gente como Clark Gable, Charlton Heston e Rutger Hauer. Na mais recente roupagem do conto, quem estrela é o eterno Indiana Jones, Harrison Ford.
Essa produção agradável para toda a família contou com um orçamento de US$135 milhões e foi lançado com menos de um mês para o estouro da pandemia. Como resultado, o longa só teve tempo para a largada, onde conseguiu arrecadar US$62 milhões nos EUA. Ao total, fez uma bilheteria mundial de US$110 milhões, ficando abaixo do seu custo de produção.
Os Novos Mutantes
Não podemos falar de filmes polêmicos sem mencionarmos Os Novos Mutantes. Adiado inúmeras vezes com os mais variados argumentos para tanto, esta produção da Fox chegou a se tornar praticamente uma lenda urbana, fazendo os fãs se questionarem inclusive se algum dia veriam o filme – fosse na telona ou na TV. É claro que quando a Disney comprou a Fox a coisa só piorou, já que a casa do Mickey (que é dona da Marvel) tinha planos de reformular todo o universo dos heróis trazendo os X-Men para o MCU. Assim, mais perdidos que cego em tiroteio, o longa foi lançado (ou despejado) nos cinemas no meio da pandemia, num caso similar ao de Tenet.
Com um orçamento de US$67 milhões e debaixo de críticas bem negativas, o tão alardeado primeiro filme de “terror de super-heróis” da história do cinema viu de volta aos cofres do estúdio “apenas” US$23 milhões nos EUA, e ao total pelo mundo US$46 milhões, não sendo capaz de igualar seu custo de produção.
O Ritmo da Vingança
Tudo bem você nunca ter ouvido falar deste filme, ele chegou em nosso país num lançamento direto em vídeo. Os outros itens da lista acima podem ser mais famosos, mas O Ritmo da Vingança leva o prêmio de maior fracasso financeiro do ano de 2020. Mostrando que um raio não cai no mesmo lugar duas vezes, esta é uma produção da companhia EON, encabeçada pelos executivos Barbara Broccoli e Michael G. Wilson, os mesmos da franquia 007 – James Bond no cinema. De Fato, 60 membros da equipe da produtora trabalharam em ambos os filmes, O Ritmo da Vingança e 007 Sem Tempo para Morrer – que foi adiado para 2021.
Igualmente baseado num livro de espionagem, Blake Lively é quem protagoniza na pele de uma mulher que tem a família morta num acidente de avião. Então ela descobre que o desastre foi planejado e começa a orquestrar sua vingança contra os envolvidos. Durante o treinamento para as cenas de luta, Lively quebrou a mão ao socar o peito do colega Jude Law (isso que é “peito de aço”), e a produção teve que ser interrompida, começando assim o mau agouro deste longa da Paramount. De fato, o filme viveu para se tornar A PIOR estreia de um lançamento em grande circuito na HISTÓRIA dos EUA – o que não é um recorde nada positivo. Com um orçamento de porte mediano para uma produção destas, de US$50 milhões, O Ritmo da Vingança arrecadou US$5 milhões nos EUA, e fora do país, algumas centenas de milhares de dólares a mais, já que caiu no mercado de vídeo em muitos lugares do mundo. Ou seja, foi o baque mais dolorido do ano, e nem se pode culpar a pandemia aqui, já que seu lançamento ocorreu logo em janeiro.
Bloodshot
O filme mais azarado da pandemia, esta obra da Sony/Columbia pareceu “marido traído”, sendo o último a saber da gravidade do Coronavírus. Enquanto a maioria das grandes produções dos estúdios eram adiadas para o fim de 2020 e até mesmo para 2021, Bloodshot achou que seria algo passageiro e manteve sua data de estreia para… O DIA QUE TODOS OS CINEMAS ESTAVAM FECHANDO PELO MUNDO. Adaptação de quadrinhos alternativos, o filme é estrelado por Vin Diesel tentando emplacar uma franquia de sucesso que não seja Velozes e Furiosos.
Com orçamento de US$45 milhões – menor que O Ritmo da Vingança, por exemplo -, Bloodshot recuperou US$12 milhões somente nos EUA (um bom valor, levando em conta as circunstâncias) e US$33 milhões totais pelo mundo. A solução encontrada foi correr com o filme, assim como outros itens acima, para um lançamento em VOD, minimizando o prejuízo total. E parece que deu certo, já que existe plano para uma sequência. Mesmo assim, o valor de sua produção não foi igualado.
Jovens Bruxas – Nova Irmandade
Pareceria entre a Sony e a Blumhouse (um dos estúdios mais lucrativos da atualidade, especializado em terror), esta é uma espécie de continuação/reboot do neoclássico adolescente de fantasia e horror de 1996, Jovens Bruxas. O novo filme parece realmente coexistir entre uma sequência (já que cita personagens do original) e uma refilmagem (já que recicla a mesma história, cenas idênticas e até mesmo diálogos). Os estúdios estavam engavetando o longa, e resolveram lança-lo no mesmo esquema de Tenet e Os Novos Mutantes, nos cinemas durante o “descanso” que a quarentena teve. No entanto, ao contrário dos citados, Jovens Bruxas – Nova Irmandade além dos cinemas, também estreou simultaneamente em VOD, para os que ainda não se sentiam confortáveis de ir ao cinema. Assim, com um orçamento reportado de US$25 milhões, o longa rendeu nas telonas somente US$1.8 milhões mundiais.
Dolittle
Um dos filmes mais massacrados pela crítica no início de 2020, Dolittle foi uma investida pesada do astro Robert Downey Jr em pegar para si uma franquia nos moldes de Piratas do Caribe. Muitos já tentaram e quase ninguém conseguiu. E com Downey não foi exceção. Esta superprodução da Universal serve como releitura do clássico indicado ao Oscar da década de 1960. O longa para toda a família, que mostra um médico capaz de falar com os animais, custou a “bagatela” de US$175 milhões para o estúdio, sendo um dos mais caros do ano.
Aqui também não podemos culpar a pandemia, já que Dolittle começou a pipocar em cinemas pelo mundo logo em janeiro, dando bastante tempo para uma carreira nas bilheterias. Nos EUA, porém, o filme fez apenas um terço de seu orçamento, arrecadando US$77 milhões. Como dito, o que salva muitos filmes hoje é o mercado internacional, onde diversos blockbusters lucram mais do que em seu próprio território. Assim, somada à bilheteria mundial, Dolittle obteve de volta aos cofres US$245 milhões, o que perto do valor investido ainda soa baixo.
A Caçada
Por falar em Blumhouse, este foi um dos títulos mais polêmicos do estúdio de todos os tempos. Seja por estratégia de marketing ou não, o estúdio divulgou que pensava em não lançar o longa, após a controvérsia em sua exibição teste devido ao conteúdo: conservadores americanos organizando uma verdadeira caçada humana. Apesar de ser uma sátira, é uma bem pesada, e terminou ofendendo muita gente. Assim, boicotes começaram contra o filme. De qualquer forma, a pandemia explodiu logo, e intencionalmente ou não, a Blumhouse resolveu lança-lo no esquema que se popularizou no período (na verdade já sendo realizado antes do coronavírus): uma estreia nas telonas e simultânea em VOD.
O orçamento de A Caçada foi de US$14 milhões, mas o estúdio recuperou apenas US$10 milhões mundiais, no Brasil estreando direto em vídeo. No elenco, a duas vezes vencedora do Oscar Hilary Swank, e duas atrizes populares de séries: Emma Roberts e Betty Gilpin (Glow).