As refilmagens, ao contrário do conceito que muitos possuem sobre elas, podem ser um aspecto cinematográfico interessante. O que acontece é o seguinte: os filmes e o cinema são produtos de sua época, que dizem muito sobre o pensamento vigente da sociedade. Quando pensamentos e a forma como nos comportamos dentro desta mesma sociedade muda, é natural que uma obra que tenha sido criada dentro de parâmetros do passado comece a ser enxergada como algo ultrapassado; e muitas vezes algo até mesmo ofensivo. Mas antes de começarmos a “cancelar” filmes, “queimar livros” ou querer censurar a arte, é necessário um distanciamento menos apaixonado para percebermos unicamente como evoluímos e mudamos – ao ponto de certas narrativas não serem mais aceitas.
Essa introdução aponta justamente para o melhor aspecto de uma refilmagem: reimaginar uma obra para os tempos e padrões modernos. Veja, por exemplo, o que o cineasta Nate Parker (dono de seus próprios problemas pessoais) fez com O Nascimento de uma Nação (1915), um primor tecnológico estudado em diversas universidades de cinema pelo mundo, mas que contém um discurso torto, enaltecendo a instituição racista Ku Klux Klan. Parker pegou este conceito, e em sua reimaginação transformou a obra racista em uma produção altamente representativa, dando a visão dos escravos em uma revolta. Algo simplesmente brilhante.
O problema das constantes refilmagens de Hollywood é não possuírem nem de perto essa proposta reinterpretativa social. Não. Ali, a proposta é unicamente financeira. As inúmeras refilmagens e reimaginações visam manter uma marca de um produto na mente de seus consumidores. O que muitas vezes resulta num tiro pela culatra, já que reproduzir a mágica conquistada numa época específica se mostra uma tarefa mais que ingrata. Desta forma, o “ranço” geral instaurado em qualquer menção do termo remake (refilmagem). Pensando nisso, decidimos nessa nova matéria revisitar algumas refilmagens bem famosas de Hollywood (contendo grandes nomes na frente e atrás das câmeras) que completam 10 anos em 2021. E sim, temos bons remakes na lista. Confira abaixo e comente.
Os Homens que Não Amavam as Mulheres
Começamos com um remake de dez anos atrás que conquistou a façanha que poucas releituras conseguem: serem melhores e mais bem sucedidos do que uma obra cult já muito querida. Baseada na obra do autor Stieg Larsson que causou frisson entre os aficionados por literatura de suspense, a história foi adaptada ao cinema originalmente numa produção de mesma nacionalidade (dinamarquesa) de 2009 estrelada por Noomi Rapace – que viria a se tornar uma estrela de Hollywood. O filme gerou duas sequências lançadas no mesmo ano, que completam a trilogia de livros e receberia um tratamento norte-americano dois anos depois. Nesse momento muitos fãs poderiam ter torcido o nariz, porém, logo foi anunciado que quem estaria no comando da adaptação americana seria ninguém menos que o consagrado e multifacetado David Fincher, um dos cineastas mais interessantes da atualidade. Com quatro indicações ao Oscar, incluindo melhor atriz para Rooney Mara (numa entrega ainda mais impressionante que Rapace no papel) e uma vitória em edição, dói no coração até hoje pensar que a Sony não teve a coragem de bancar as continuações que todos queriam ver e os envolvidos realizar (desde o diretor, até o elenco).
A Hora do Espanto
Agora damos um salto abismal em qualidade. O lance é o seguinte, por mais que fossem produções cult queridas dos cinéfilos, os filmes suecos da trilogia Millenium não são tão conhecidos do grande público, e o filme de Fincher foi a entrada de muita gente neste universo. Aqui, o inverso acontece. Em especial os mais velhos guardam com muito carinho o sucesso que A Hora do Espanto (Fright Night, 1985) fez nos anos 80 – se tornando um inesperado acerto daquele verão nos EUA. Aqui também tínhamos um diretor de prestígio à frente da reimaginação: Craig Gillespie, que havia impressionado a cena indie com A Garota Ideal (2007) e depois seguiria para seu melhor filme, o ousado Eu, Tonya (2017). Hoje, o cineasta realiza blockbusters de qualidade, vide Cruella (2021); mas tal sucesso não foi obtido dez anos antes. As intenções do remake até são boas e criativas, ao trocar o clima fanfarrão típico dos anos 80, com direito a muito humor, por algo mais direto e soturno. O problema é que os personagens e suas dinâmicas são mal construídas, ao contrário do original, os diálogos são pouco inspirados, e as tentativas de humor e terror falham miseravelmente – novamente, ao contrário do original. o protótipo é bem melhor que o resultado.
Footloose
Creio estar sozinho numa ilha nesta, mas sou um dos defensores do remake deste clássico musical querido oitentista. Em minha opinião, sim a reimaginação de Footloose funciona. Bem, se formos seguir a cartilha do que fazer e do que não fazer numa refilmagem, podemos dizer que o novo filme não é muito ousado no sentido de divergir de ideias e conceitos do original. Assim como Millenium, a proposta aqui é seguir no molde do que foi feito antes, repetindo as mesmas batidas e mudando bem pouco. Ao contrário, digamos, do item acima, mais criativo em refazer muitas das estruturas do roteiro. O que esperamos, e o que o diretor Craig Brewer (que depois seguiu para dirigir os ótimos Meu Nome é Dolemite e Um Príncipe em Nova York 2) entrega é justamente o que diz o subtítulo deste filme: um ritmo contagiante. O cineasta imprime muita energia e musicalidade no longa. Tudo é mais rápido e vibrante, e era isso que precisava para uma nova versão de um filme cuja proposta é a explosão de uma música e dança reprimidas. Brewer faz a tela pegar fogo novamente, e tira de seu elenco muito carisma e química – em especial dos protagonistas Julianne Hough (uma dançarina na vida real) e Kenny Wormald. Se o filme de 1984 ficou datado e brega, essa é a solução à altura para mostrar que Footloose ainda pode ser legal.
A Coisa
Já deu para notar a lista é composta por altos e baixos. E aqui temos um caso curioso. Tecnicamente, este The Thing (no original) se declara não como um remake, mas sim como um prequel (uma pré-sequência) do filme de John Carpenter de 1982, intitulado O Enigma de Outro Mundo. Esse filme, por sua vez, é uma refilmagem muito criativa e ousada – que pega os conceitos do original e os leva a lugares inimagináveis – da ficção B conhecida como O Monstro do Ártico (1951). Acontece é que o diretor holandês Matthijs van Heijningen Jr. entrega basicamente uma refilmagem do inspirador filme de Carpenter, repetindo quase cena a cena, ideia a ideia, tudo o que havia sido criado anteriormente, sem acrescentar quase nada em troca. O clima, dinâmica de personagens, caracterizações, cenário, design das criaturas, tudo é muito “clonado” de seu antecessor, o que faz o longa recair no território de uma reimaginação não intencional (ou subconscientemente intencional). A diferença mais notável é a troca do protagonista durão Kurt Russell por uma mulher, a jovem Mary Elizabeth Winsted que, embora se saia bem no papel, não é tão marcante, ainda mais servida por um material pouco inspirado. O sentimento deixado após a exibição é o de querer revisitar… o filme de Carpenter.
Conan – O Bárbaro
Esse item recai ainda em outra categoria. O que são os reboots se nada mais do que uma refilmagem. Bem, os reboots podem ser consideradas as refilmagens mais criativas de Hollywood – pensando pelo aspecto de que nunca se repetem, pegam um conceito e criam algo diferente do zero a partir daquilo. Por exemplo, a versão feminina de Caça-Fantasmas (2016) pode ser chamada de tudo, mas ao menos soube levar o conceito para outro lugar. Já imaginou como seria se repetisse cena a cena cada momento do original? O mesmo pode ser dito dos novos filmes do Homem-Aranha, ou de qualquer super-herói como Batman e Superman. As novas investidas sempre resultam num produto diferenciado, para o bem ou para o mal. E por que não termos remakes assim de todos os filmes? Afinal, aquela história já foi contada no passado daquela maneira.
É a iniciativa tomada para este remake / reboot de Conan, baseado nos quadrinhos de Robert E. Howard. O filme original data de 1982, fez sucesso, colocou o nome de Arnold Schwarzenegger no mapa, e gerou uma continuação oficial (Conan – O Destruidor, 1984) e uma não declarada (Guerreiros de Fogo, 1985). Há dez anos, no auge da estreia de Game of Thrones, apenas um nome parecia o ideal para reviver Conan nas telonas: Jason Momoa. A questão, assim como no remake de A Hora do Espanto, é que o Conan 2011 parece resultar em muita “cobertura” e pouco “recheio”, dono de forte apelo visual, mas sem qualquer humanidade que o faça ressoar por mais de uma semana após o término de sua exibição – ou quem sabe mais que um dia.