quinta-feira, junho 20, 2024

Pato Donald | Os 90 anos do mal-humorado mais amado do mundo

Os apaixonados pela Disney dizem que tudo começou com um rato, mas a verdade é que tudo se popularizou com um pato. Com seu jeitinho simpático e porte de bom moço, o Mickey Mouse virou o principal símbolo do maior império do entretenimento do mundo. Porém, quem gosta das animações antigas sabe que a origem do Mickey é bem diferente do ratinho gente boa que todos conhecem hoje. O ‘marco zero’ das criações de Walt Disney é Oswald, o Coelhinho Sortudo. Criado em 1927, o coelho era praticamente um anti-herói, que descia a porrada nos outros e aprontava para se dar bem. Não demorou para que ele fizesse sucesso, mas após uma série de desentendimentos contratuais, Walt perdeu os direitos do personagem para a Universal Studios.

Revoltado com a humilhação de quem acabou de ser sacaneado, Disney decide criar um novo personagem para ser 100%. Assim, em 1928, nasce o Mickey Mouse. Inicialmente, ele era mais magrinho e tinha herdado muito da personalidade do Oswald. Ou seja, o Mickey tinha esse jeitão mais politicamente incorreto, fumava, bebia e dava umas pancadinhas aqui e ali, principalmente quando se irritava. Com a popularidade absurda que o ratinho atingiu nos cinemas e nas tiras de jornal, Walt resolveu fazer um retcon do personagem, fazendo dele modelo a ser seguido pela molecada. Então, após dois anos de traquinagens, o Mickey lançou um “foi mal, tava doidão” e virou esse ratinho simpático e adepto dos bons costumes a partir de 1930.

Desenho de Mickey Mouse e Oswald, o Coelho Sortudo.
Mickey Mouse e seu ‘primo’, Oswald, o Coelhinho Sortudo. Foto: Reprodução.

O problema é que ter esse personagem bom-moço limitava as ações do Mickey. E isso era terrível, porque as décadas seguintes ficariam marcadas por personagens com a personalidade clássica do Trickster, como o Pica-Pau, o Pernalonga e o próprio Oswald, que fez sucesso até os anos 1940. Como fazer um protagonista que havia se tornado referência de bom comportamento para a molecada se enfiar em aventuras para tirar vantagem sobre os outros? Não dava. Paralelamente a isso, Walt Disney lidava com uma série de pressões vindas de investidores para que o Mickey fosse morto ou aposentado, algo que jamais passou pela cabeça do empresário.

Então, para resolver essa questão, Disney inventa o Bad Boy mais amado do mundo: o Pato Donald. Criado oficialmente em 9 de junho de 1934, Donald surgiu para que o desenhista pudesse usar sua criatividade para contar histórias e expressar sentimentos que o Mickey não podia mais ostentar. Nascido com a missão de fazer o trabalho sujo, o Pato Donald completa 90 anos de pura diversão e estresse neste domingo.

Patinho agradecendo galinha com cesta de milho.
Donald fez sua estreia oficial no curta “A Galinha Esperta”, em 9 de junho de 1934. Divulgação/ D23.

Sua estreia aconteceu na animação A Galinha Esperta, que integrava a série de 75 curtas animados chamada Silly Symphonies. Ambientadas no mesmo universo do Mickey, essas animações contavam histórias por meio da música. E por terem saído entre 1929 e 1939, há muito do contexto da miséria da Crise de 29 inserida nas tramas. São sempre contos sobre algum personagem passando fome ou estressado por ter muito trabalho. E não há cenário mais propício para ter alguém querendo tirar vantagem sobre os outros do que nesse quadro de uma grave crise econômica. Ou seja, o Donald teve espaço para brilhar.

Em A Galinha Esperta, o público acompanha uma mamãe galinha e seus pintinhos que conseguem algumas espigas de milho e saem pela rua atrás de pessoas dispostas a ajudá-la a plantar o milho. Nisso, ela consulta um porquinho, que nega prontamente, e o Pato Donald, que estava dançando em seu barquinho e se recusa a ajudar alegando fome e cansaço. Percebendo que a ajuda não virá, a dona galinha bota a molecada para plantar o milho, até que nasce um pomposo milharal. Acreditando na boa vontade alheia, ela volta até o porquinho e o Pato Donald para pedir ajuda para colher o milho. Só que eles voltam a negar ajuda, alegando cansaço e fome. O detalhe é que a dupla aparece cantando e dançando o tempo todo, eles não ajudam por preguiça mesmo. Então, a galinha colhe o milho com seus pintinhos e vai para casa, onde prepara milho cozido, bolo e mais um monte de guloseimas. Então, o cheiro gostoso atrai a dupla preguiçosa, que é presenteada com um frasco do intragável óleo de rícino, o laxante da época.

Cena de desenho animado com porco e pato.
O Pato Donald populariza os personagens que tentam tirar vantagem, mas se dão mal. Reprodução/ Disney.

Apesar da estrela ser a galinha esperta, quem roubou a cena mesmo foi o patinho preguiçoso de voz rouca. Inclusive, sua criação passa muito pela voz icônica. Na época da rádio, Walt Disney ouviu o ator Clarence Nash recitar Mary Had A Little Lamb (algo como Mary tinha um cordeirinho) com uma voz rouca e irritada de carneiro. Disney achou aquilo simplesmente genial e foi atrás do ator. Ainda em 1930 surgiu a ideia de um pato com aquela sonoridade. O curioso é que ele pediu para Nash replicar a atuação, mas o ator insistiu que não estava interpretando um pato, mas um carneiro. Clarence cresceu em uma fazenda e começou sua carreira imitando animais para a rádio, então ele tinha essa vivência de como os bichos soavam. Ainda assim, Walt não quis saber e pegou aquela interpretação para criar um pato. Nash, por mais que contrariado, foi chamado para dar voz ao personagem de forma fixa e se eternizou como a primeira voz do Pato Donald.

O visual do Pato Donald veio da ideia de que patos podem nadar. Se ele pode flutuar na água, nada mais lógico do que usar roupa de marinheiro. Por fim, reza a lenda que seu nome foi inspirado em Donald Bradman, um jogador australiano de críquete, considerado uma lenda do esporte, que estava em todos os radiojornais da época por conta de sua demissão.

Em A Galinha Esperta, Donald ajudou a popularizar entre as crianças um segmento que viria a se tornar muito popular nos anos seguintes que é o ‘anti-herói’ que não se dá bem no fim. Por mais que suas ações fossem moralmente questionáveis e quase nunca dessem certo, o público gostava de ver ele se irritando, extravasando o estresse por meio das reclamações, e ainda assim era conquistado por seu carisma e personalidade turrona.

Desenho animado em preto e branco com personagens clássicos.
A icônica ‘pose de luta’ que o Pato Donald usa para extravasar a raiva também surgiu em 1934. Reprodução/ Disney.

Ainda em 1934, em 11 de agosto, Donald voltou a aparecer, mas agora em uma animação do Mickey Mouse. Em Orphan’s Benefit, Mickey está fazendo um show para os órfãos e tem o Pato Donald como um dos convidados para se apresentar no palco. E aí começa uma apresentação hilária e cheia de referências escondidas. A começar que seu ‘talento’ é tentar recitar ‘Mary Had a Little Lamb’, o poema que ajudou em sua criação, mas ele é constantemente interrompido por todos no local.

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Sabe o Festival da Boa Vizinhança do Chaves, em que o Kiko (Carlos Villagrán) tenta recitar ‘Mamãe Querida’, mas é interrompido pelas piadocas da plateia? É essencialmente a mesma proposta. Inclusive, sabendo da admiração que Roberto Bolaños tinha pelas animações de Walt Disney, não seria surpresa se ele tivesse se inspirado neste curta para escrever a cena. Pois bem, o mais importante de Orphan’s Benefit é que no palco daquele teatro nasce uma das ações mais icônicas da história da Disney: a ‘pose de luta’ que o Pato Donald faz toda vez que vai reclamar. O gesto fez tanto sucesso que virou marca registrada do personagem até os dias de hoje.

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O Pato Donald virou uma grande ‘porta de entrada’ para os novos personagens da Disney. Reprodução/ Disney.

Com o passar dos anos, o Pato Donald viu sua popularidade crescer de forma absurda. Junto ao Mickey e ao Pateta, ele formou a Santíssima Trindade da Disney. Mais do que isso, ele se tornou uma grande ferramenta de propaganda. Durante a Segunda Guerra Mundial, ele foi usado para criticar o nazismo e fazer campanha pela compra dos Bônus de Guerra. Com a chegada da chamada ‘Política da Boa Vizinhança’, Donald foi enviado em diversas viagens pela América Latina, apresentando ao mundo personagens como o Panchito e o queridíssimo Zé Carioca.

O sucesso dele foi tão grande que ganhou um universo próprio. Personagens como a Margarida, Huguinho, Zezinho e Luisinho, Tio Patinhas e muitos outros surgiram na franquia do Pato Donald, que era também um fenômeno mundial nas histórias em quadrinhos. Na Patópolis, Donald e seu núcleo viveram aventuras que iam desde releituras de clássicos da literatura, como a Viagem ao Centro da Terra, até situações do cotidiano, como tentar brincar com os sobrinhos. No Brasil, em especial, os gibis ligados ao Pato Donald sempre foram sucesso de vendas. Sua estreia foi em 1938, no Suplemento Juvenil de Adolfo Aizen. Anos mais tarde, em 1950, a revista O Pato Donald chegou com tudo junto a Editora Abril, sendo publicada ininterruptamente até julho de 2018, sendo o título de histórias em quadrinhos mais extenso da história brasileira.

Desenho do Pato Donald com uniforme do Botafogo.

É realmente interessante ver como um personagem 100% norte-americano caiu nas graças do povo brasileiro. Dois aspectos culturais muito fortes do Brasil, o samba e o futebol, trazem fortes ligações com o Pato Donald. A primeira é que os gibis do Pato Donald eram sucesso na juventude de alguns dos principais sambistas do país. Nomes como Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Alexandre Pires e Dudu Nobre já falaram publicamente sobre as boas memórias que têm das aventuras dos personagens de Patópolis.

É um prazer cantar sobre essa turma da Disney, porque eu, quando garoto, colecionava gibi do Tio Patinhas. Então ficou fácil cantar sobre esse universo que fez parte da minha infância. Esse samba tá arrumadinho, tá animado. Acho que vai dar pagode lá na Disney”, brincou Arlindo Cruz no lançamento da música ‘Pagode Na Disney’, do álbum Disney Adventures In Samba, em 2010.

A segunda referência nacional é que o Pato Donald foi o primeiro mascote da história do Botafogo. Na década de 1940, o cartunista argentino Lorenzo Molas, pai da charge esportiva no Brasil, foi contratado pelo Jornal dos Sports e criou mascotes para os clubes do Rio de Janeiro, que seriam usados nas charges do jornal para representar os jogos. Nisso, ele associou o temperamento irritadiço e brigão do Pato Donald aos dirigentes Alvinegros, que “agitavam os bastidores” do futebol da Cidade Maravilhosa atrás da igualdade de direitos esportivos para o clube. Não demorou para que Donald fosse abraçado pela torcida. O problema é que a Disney queria o valor referente aos direitos autorais, que era altíssimo. Por isso, a diretoria botafoguense jamais oficializou o Pato Donald como mascote, não que isso tenha impedido a torcida de adotá-lo como mascote extraoficial até hoje, estando presente em camisas de torcidas organizadas e bandeiras.

Em comemoração aos 90 anos, o Pato Donald caiu no carnaval da Bahia. Divulgação/ Equipe RG Produções

Sabendo do sucesso do personagem no Brasil, a Disney trouxe o Pato Donald para comemorar seus 90 anos nas sacadas dos sobrados da velha São Salvador. Sim, ele veio para o Carnaval da Bahia, onde dançou no Pelourinho, participou de festas e foi o grande astro do trio elétrico com Carlinhos Brown.

Ao longo desses 90 anos, o Pato Donald estrelou mais de 190 produções, dentre filmes e curtas, ganhou estrela na Calçada da Fama de Hollywood, apresentou o Oscar e conquistou milhões de fãs, atravessando gerações e se consagrando como um dos personagens mais amados de todos os tempos.

Evolução do Pato Donald de 1934 a 2019.
Ao longo de 90 anos, o Pato Donald teve vários visuais diferentes, mas sempre mantendo o ‘look’ icônico. Reprodução.

Em comemoração a essas nove décadas de histórias, o Disney+ lança neste domingo (9) um curta exclusivo chamado D.I.Y Duck. Dirigido por Mark Henn, o animador responsável por trazer à vida personagens como Ariel (A Pequena Sereia), Mulan (Mulan), Bela (A Bela e a Fera) e o jovem Simba (O Rei Leão), o curta mostra o Pato Donald tentando consertar sua casa, mas, como de costume, tudo sai errado e ele perde a paciência.

E aí, vão assistir?

 

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Pedro Sobreirohttp://cinepop.com.br/
Jornalista apaixonado por entretenimento, com passagens por sites, revistas e emissoras como repórter, crítico e produtor.

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