O Pica-Pau é um daqueles casos raros de personagem que não faz sucesso no país de origem, mas acabou sendo abraçado pelo Brasil. A prova disso é que o canal oficial do Woody Woodpecker no Youtube tem pouco mais de 1 milhão de inscritos, enquanto o oficial do Pica-Pau está quase batendo 8 milhões na mesma plataforma. Nessa onda de valorizar o público que é declaradamente fã do personagem, os detentores dos direitos tentaram emplacar um filme live action dele em 2017. Na época, a divulgação foi toda voltada para o Brasil, chegando a escalar a brasileira Thaila Ayala no elenco. O problema é que o filme é tenebroso de ruim e acabou sendo um fracasso até mesmo no Brasil.
Mas assim como todo brasileiro, os executivos não desistem nunca. Dessa vez, em um projeto parecido, a Netflix aproveitou as críticas do outro filme e tentou melhorar a experiência para os fãs em Pica-Pau: As Férias no Acampamento, que chegou ao streaming nessa sexta-feira (12).
O filme mostra o Pica-Pau sendo expulso do parque florestal em que vive por atormentar a vida dos visitantes e dos outros animais que ali habitam. Se quiser voltar para sua casa, ele terá de aprender a trabalhar em equipe, o que parece ser meio impossível para um animal que se virou sozinho a vida inteira. Só que as coisas mudam de cena quando ele encontra um acampamento caindo aos pedaços que promete ensinar as crianças a trabalharem em equipe. Ele entra no lugar e descobre que vai ter mais trabalho do que pensava.
Isso porque o acampamento foi construído em uma terra dividida por uma antiga guerra de família que acabou sendo passada para os dois acampamentos que ali existem. Enquanto o que o Pica-Pau está é uma espelunca, o rival é todo ajeitadinho, mas é comandado por um grande babaca. Assim, o passarinho mais amado do Brasil vai ter que ensinar a molecada sobre como vencer provas em uma competição com as crianças psicóticas do terreno ao lado.
Sei que o primeiro pensamento da maioria ao ver esse filme é: “Nossa, mas você esperava o quê disso aí?”. É muito justo, já que o trailer não era lá essas coisas. Só que o Pica-Pau é um personagem bom demais em ser mau, o que sempre acende aquela chama de esperança de que vão acertar o tom na produção. O problema é que essa “aventura” repete o mesmo erro do longa anterior, que é transformar o Pica-Pau num coadjuvante de seu próprio filme.
Veja bem, o personagem se consagrou dentre as décadas de 1940 e 1960 sendo o grande protagonista de suas histórias. Ele é egoísta e mesquinho, que é o que faz dele um sucesso. As aventuras do Pica-Pau mostram sempre ele querendo levar vantagem sobre os outros, seja se recusando a trabalhar e roubando comida por conta do frio ou apenas infernizando seu vizinho porque derrubou uma moeda no encanamento. Ele não é um herói, é um trickster.
Nos filmes em live action, existe um desejo sobrenatural em transformá-lo em herói a todo custo, o que não dá certo. Até mesmo nos desenhos, ele só assume o papel de ‘herói’ quando confronta alguém que é pior que ele. E vale lembrar que só entra nessa por benefício próprio. Ele não ajudaria uma criança a tocar bateria ou perderia seu tempo com uma briga besta de acampamento só porque tem bom coração.
E isso é extremamente frustrante, porque os filmes tentam tratá-lo como um tipo de Mickey de Segunda Mão. E Férias No Acampamento faz algo ainda pior, que é tirá-lo da relevância da própria trama. O longa é uma clássica aventura chata de acampamento, ao melhor estilo de produção infantil do Luccas Neto, que usa como desculpa ter o Pica-Pau e outros personagens animados para bancar o lançamento dessa história genérica e com atuações bem fraquinhas. É tosco demais perceber como as presenças do Pica-Pau, do Zeca Urubu e do Leôncio não fazem a menor diferença. São coadjuvantes de luxo, por assim dizer.
E sabe o que é pior? Tem uma ou outra piada envolvendo o Zeca e o “protagonista” que funcionam bem, geralmente apelando para o humor físico. Mas é tudo jogado fora porque a direção achou que alguém se interessaria mais pela pirralhada aprendendo a ter confiança do que em duas aves animadas arrumando confusão. Sério, é frustrante demais. Falta a esse executivos a coragem de deixar fazerem um filme como o primeiro Space Jam, que ensina às crianças que a melhor forma de derrotar um trapaceiro num jogo de basquete é sequestrando um astro da NBA e apelando para técnicas de chantagem emocional e doping. “Ah, mas a mensagem não é positiva”. Não tem problema. Quem tem que educar os filhos são os pais, não os filmes. O foco é a diversão. E é isso que falta nesses longas… Serem divertidos.
Talvez a melhor solução para o Pica-Pau seja parar de tentar revivê-lo para os cinemas. Ele já teve sua época de ouro e seus novos curtas no YouTube fazem um relativo sucesso com a molecada. Mas como sabemos que o lucro vem em primeiro lugar, talvez fosse hora de começarem a deixar os humanos de lado e apostar em um filme animado. Talvez assim eles entendam que absolutamente ninguém está preocupado com o núcleo das pessoas e foquem numa história realmente estrelada e focada no próprio Pica-Pau fazendo suas molecagens. Afinal, ele é um diabo necessário.