sábado , 21 dezembro , 2024

Por que a 2ª temporada de ‘The Good Place’ é uma das MELHORES recentes

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Em 2016, o público fanático por comédias escrachadas e programas originais deliciou-se com a chegada de The Good Place, uma das séries mais inocentes que poderíamos imaginar como produto audiovisual e que, em meio a sutis e ácidas críticas, nos forneceu uma nova visão do além-vida ao misturar o cômico com o trágico de forma perfeitamente equilibrada. Logo, não foi nenhuma surpresa quando a NBC, responsável primária pelo show, em parceria com a Netflix, conseguiu a tão esperada renovação e teve a brilhante de ideia de expandir uma mitologia que, por nós, era conhecida apenas na superficialidade.

Partindo exatamente de onde paramos na primeira temporada, Eleanor (Kristen Bell) voltou para os primórdios de sua não-existência no afterlife após descobrir que o arquiteto do “Lugar Bom” – o qual na verdade era o “Lugar Ruim” mascarado por ideais paradisíacos – era na verdade um demônio chamado Michael (Ted Danson) que criara uma nova forma de tortura ao colocar indivíduos mortais com personalidades opostas entre si e que, eventualmente, se transformariam em “infernos pessoais” uns para os outros. Para ajustar e corrigir essa incrível capacidada dedutiva da nossa protagonista, a Michael foi concedida uma segunda chance para continuar com seu projeto – e foi assim que voltamos para o início. Mais um início.



Ao contrário da iteração predecessora, o showrunner Michael Schur resolveu nos fornecer uma outra perspectiva, desta vez a partir dos esforços do demônio-arquiteto, e aquilo que o transformou em um ser mais humano do que parece. Apesar de movido pela maldade pura, cuja característica também faz parte de todos os invólucros que fazem parte da comunidade em questão, ele insiste em ultrapassar os obstáculos através de uma força de não-desistência e de resiliência contínuas que é bastante familiar a qualquer pessoa que já tenha passado por alguma dificuldade. No caso, essa “dificuldade” é fazer com que o plano funcione e impedir a junção dos nossos quatro heróis e heroínas no mesmo time que os permitiu desvendar os segredos por trás do Lugar Ruim.

É muito interessante analisar que a relação que antes mantínhamos com os protagonistas permanece, mas a recíproca não é verdade nem para conosco nem entre eles. Eleanor e Chidi (William Jackson Harper) continuam se esbarrando até mesmo em círculos familiares e íntimos diferenciados, construindo laços de ternura e de aprendizagem que servem de base para a descoberta final. Tahani (Jameela Jamil), em sua excessiva egolatria disfarçada de preocupação social, também marca presença em ápices muito mais divertidos que a temporada anterior, respaldando o exato oposto no qual se constrói Jason (Manny Jacinto), escondendo-se em sua persona do monge tibetano que fez um voto eterno de silêncio.

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É só depois de oitocentas e trinta tentativas (literalmente) que Michael é confrontado pelos outros demônios que resolveram ajudá-lo e percebe que, se não pode lutar contra seus inimigos, deve aliar-se a eles. Em uma brecha muito bem colocada em meados do terceiro episódio, o arquiteto cria um subplano e até mesmo uma resolução aguardada: a de levar os quatro experimentos humanos para o verdadeiro Lugar Bom em troca da ajuda para ser promovido. Esse pensamento a priori individualista não é simplesmente jogado, mas carregado fluidamente por cada um dos capítulos e das subtramas delineadas até alcançar um ápice nos dois últimos episódios.

Como supracitado, a série permite sua autoexpansão de modo tão natural quanto os temas sobre os quais trata. Até mesmo o que poderíamos considerar tabu – sejam questões religiosas ou ideológicas – é tratado com despojamento; uma perspectiva universalmente jocosa que abre margens para um relaxamento narrativo e uma humildade tão agradável quanto os próprios personagens a que somos apresentados. Todos, sem qualquer exceção, são dotados de qualidades negativas e positivas quantificadas em um número que não deveria existir, mas existe propositalmente. Parece um paradoxo, mas The Good Place se move através dessas contradições ao mesmo tempo em que nos leva a refletir sobre nossas ações e sobre o que existe após a morte. Inclusive, talvez esta seja a única série que endossa a premissa clichê de que “a morte é apenas o princípio”.

Mas mais do que sua natural originalidade é a sua inteligência. Um humor bem pensado parece ser o que falta nas comédias contemporâneas e que é quase monopolizado por Schur e pelas performances desses atores e atrizes – e isso também é visto em seus momentos de maior canastrice, partindo da ideia de que, por vezes, caímos no exagero sentimental e emocional. São esses pequenos detalhes que, certamente, a tornam bastante especial.

Dois dos ápices mais bem-vindos dessa temporada são a volta de D’Arcy Carden como a computador-universal Janet e a adição de Maya Rudolph  como a juíza Gen, principal responsável por decidir que vai para o Lugar Ruim e quem vai para o Lugar Bom. Janet retorna com suas irreverências explícitas e autoexplicativas e também traz alguns problemas em seu sistema que a transformam no próprio significado da comédia; Rudolph, por sua vez, encarna a completa oposição de um ser solene – como poderíamos esperar de alguém com um cargo tão importante – e parece tão inofensiva quanto qualquer um dos protagonistas, apesar de trilhar um caminho duvidoso. As coisas ficam ainda mais interessante quando Gen resolve mostrar àqueles que buscam a salvação eterna que mergulhar na constância da errática humana é quase certeiro.

A segunda temporada de The Good Place consegue magicamente ser superior à original. Buscando referências que vão desde Nietzsche até Hall, passando pela filosofia ocidental e mergulhando no pensamento oriental do além-vida, cada um dos temas traz uma importância imprescindível para a compreensão do que ser passado ao público e até mesmo aos próprios personagens – culminando em um season finale nada menos que aplaudível.

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Thiago Nollahttps://www.editoraviseu.com.br/a-pedra-negra-prod.html
Em contato com as artes em geral desde muito cedo, Thiago Nolla é jornalista, escritor e drag queen nas horas vagas. Trabalha com cultura pop desde 2015 e é uma enciclopédia ambulante sobre divas pop (principalmente sobre suas musas, Lady Gaga e Beyoncé). Ele também é apaixonado por vinho, literatura e jogar conversa fora.

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Em 2016, o público fanático por comédias escrachadas e programas originais deliciou-se com a chegada de The Good Place, uma das séries mais inocentes que poderíamos imaginar como produto audiovisual e que, em meio a sutis e ácidas críticas, nos forneceu uma nova visão do além-vida ao misturar o cômico com o trágico de forma perfeitamente equilibrada. Logo, não foi nenhuma surpresa quando a NBC, responsável primária pelo show, em parceria com a Netflix, conseguiu a tão esperada renovação e teve a brilhante de ideia de expandir uma mitologia que, por nós, era conhecida apenas na superficialidade.

Partindo exatamente de onde paramos na primeira temporada, Eleanor (Kristen Bell) voltou para os primórdios de sua não-existência no afterlife após descobrir que o arquiteto do “Lugar Bom” – o qual na verdade era o “Lugar Ruim” mascarado por ideais paradisíacos – era na verdade um demônio chamado Michael (Ted Danson) que criara uma nova forma de tortura ao colocar indivíduos mortais com personalidades opostas entre si e que, eventualmente, se transformariam em “infernos pessoais” uns para os outros. Para ajustar e corrigir essa incrível capacidada dedutiva da nossa protagonista, a Michael foi concedida uma segunda chance para continuar com seu projeto – e foi assim que voltamos para o início. Mais um início.

Ao contrário da iteração predecessora, o showrunner Michael Schur resolveu nos fornecer uma outra perspectiva, desta vez a partir dos esforços do demônio-arquiteto, e aquilo que o transformou em um ser mais humano do que parece. Apesar de movido pela maldade pura, cuja característica também faz parte de todos os invólucros que fazem parte da comunidade em questão, ele insiste em ultrapassar os obstáculos através de uma força de não-desistência e de resiliência contínuas que é bastante familiar a qualquer pessoa que já tenha passado por alguma dificuldade. No caso, essa “dificuldade” é fazer com que o plano funcione e impedir a junção dos nossos quatro heróis e heroínas no mesmo time que os permitiu desvendar os segredos por trás do Lugar Ruim.

É muito interessante analisar que a relação que antes mantínhamos com os protagonistas permanece, mas a recíproca não é verdade nem para conosco nem entre eles. Eleanor e Chidi (William Jackson Harper) continuam se esbarrando até mesmo em círculos familiares e íntimos diferenciados, construindo laços de ternura e de aprendizagem que servem de base para a descoberta final. Tahani (Jameela Jamil), em sua excessiva egolatria disfarçada de preocupação social, também marca presença em ápices muito mais divertidos que a temporada anterior, respaldando o exato oposto no qual se constrói Jason (Manny Jacinto), escondendo-se em sua persona do monge tibetano que fez um voto eterno de silêncio.

É só depois de oitocentas e trinta tentativas (literalmente) que Michael é confrontado pelos outros demônios que resolveram ajudá-lo e percebe que, se não pode lutar contra seus inimigos, deve aliar-se a eles. Em uma brecha muito bem colocada em meados do terceiro episódio, o arquiteto cria um subplano e até mesmo uma resolução aguardada: a de levar os quatro experimentos humanos para o verdadeiro Lugar Bom em troca da ajuda para ser promovido. Esse pensamento a priori individualista não é simplesmente jogado, mas carregado fluidamente por cada um dos capítulos e das subtramas delineadas até alcançar um ápice nos dois últimos episódios.

Como supracitado, a série permite sua autoexpansão de modo tão natural quanto os temas sobre os quais trata. Até mesmo o que poderíamos considerar tabu – sejam questões religiosas ou ideológicas – é tratado com despojamento; uma perspectiva universalmente jocosa que abre margens para um relaxamento narrativo e uma humildade tão agradável quanto os próprios personagens a que somos apresentados. Todos, sem qualquer exceção, são dotados de qualidades negativas e positivas quantificadas em um número que não deveria existir, mas existe propositalmente. Parece um paradoxo, mas The Good Place se move através dessas contradições ao mesmo tempo em que nos leva a refletir sobre nossas ações e sobre o que existe após a morte. Inclusive, talvez esta seja a única série que endossa a premissa clichê de que “a morte é apenas o princípio”.

Mas mais do que sua natural originalidade é a sua inteligência. Um humor bem pensado parece ser o que falta nas comédias contemporâneas e que é quase monopolizado por Schur e pelas performances desses atores e atrizes – e isso também é visto em seus momentos de maior canastrice, partindo da ideia de que, por vezes, caímos no exagero sentimental e emocional. São esses pequenos detalhes que, certamente, a tornam bastante especial.

Dois dos ápices mais bem-vindos dessa temporada são a volta de D’Arcy Carden como a computador-universal Janet e a adição de Maya Rudolph  como a juíza Gen, principal responsável por decidir que vai para o Lugar Ruim e quem vai para o Lugar Bom. Janet retorna com suas irreverências explícitas e autoexplicativas e também traz alguns problemas em seu sistema que a transformam no próprio significado da comédia; Rudolph, por sua vez, encarna a completa oposição de um ser solene – como poderíamos esperar de alguém com um cargo tão importante – e parece tão inofensiva quanto qualquer um dos protagonistas, apesar de trilhar um caminho duvidoso. As coisas ficam ainda mais interessante quando Gen resolve mostrar àqueles que buscam a salvação eterna que mergulhar na constância da errática humana é quase certeiro.

A segunda temporada de The Good Place consegue magicamente ser superior à original. Buscando referências que vão desde Nietzsche até Hall, passando pela filosofia ocidental e mergulhando no pensamento oriental do além-vida, cada um dos temas traz uma importância imprescindível para a compreensão do que ser passado ao público e até mesmo aos próprios personagens – culminando em um season finale nada menos que aplaudível.

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