domingo , 24 novembro , 2024

Primeiras Impressões | ‘Cavaleiro da Lua’ peca na estrutura, mas entrega uma narrativa divertida e com muito potencial

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Como alguém que não tem muito contato ou conhecimento sobre super-heróis, escrever uma crítica sobre uma produção de tal gênero é um trabalho complexo. Entretanto, se há algo que aprendi nos anos que trabalho como redator da área de entretenimento, é que a obra original e sua adaptação, seja fílmica ou televisiva, deve ser analisada essencialmente dentro do escopo artístico em que está – e, em minha modesta opinião, essa deve ser a medida adotada para aqueles que estão ansiosos para a mais nova entrada da Marvel Studios, ‘Cavaleiro da Lua’.

A série, que continua a vibrante e ambiciosa Fase 4 do Universo Cinemático Marvel depois das conterrâneas, ‘WandaVision’, ‘Falcão e o Soldado Invernal’, ‘Loki’, ‘What If…?’ e ‘Gavião Arqueiro’, constrói em seus dois primeiros episódios uma história bastante diferente da que estamos acostumados dentro desse panteão recheado de icônicos personagens, apostando fichas em uma simples aventura que inicia com o pé direito, ainda que não ouse para além do óbvio dentro de uma narrativa familiar. Recheada de potencial e guiada por performances de um elenco de ponta, o show é um passo interessante para o MCU e rende-se a uma atmosfera bem costumeira por qualquer um que já tenha assistido a ‘Indiana Jones’ ou a ‘A Múmia’ – e não me refiro a inspirações artísticas, e sim ao teor dos longas-metragens que é emprestado a ‘Cavaleiro da Lua’.



Se você não se importa com investidas convencionais, o episódio piloto faz exatamente aquilo que deveria: apresentar o personagem principal e os obstáculos que ele enfrentará em sua instigante jornada de autodescoberta e aceitação do destino – um termo que pode parecer anacrônico, mas que faz sentido considerando o que nos foi mostrado até agora. O enredo nos introduz a Steven Grant (Oscar Isaac), um rapaz londrino que trabalha no estande de vendas de um museu e sofre para ter uma noite boa sequer – com flashes de acontecimentos que não consegue separar em realidade ou imaginação. Obrigado a se amarrar à cama com uma corrente e a fazer o possível para que não saia de casa, ele descobre que, na verdade, divide a mente Marc Spector, um mercenário impiedoso a serviço do temido e milenar deus egípcio Khonshu. É claro que, a princípio, ele acredita estar sofrendo de alucinações, mas logo seu transtorno dissociativo de imagem fala mais alto e ele se vê arrastado para um jogo de vida ou morte.

Não há nada novo a ser visto aqui, com exceção da mistura gritante de gêneros que varia da simbólica aventura museológica ao suspense dramático – talvez com mais força do que em produções similares da Marvel. O criador e showrunner Jeremy Slater, famoso por seu trabalho nas séries ‘The Exorcist’ e ‘The Umbrella Academy’, demonstra saber com o tipo de material com que lida e entrega um projeto sólido, por mais que deixe de lado aspectos que poderiam ser mais bem explorados nesses capítulos iniciais. A predileção pela mitologia egípcia é notável e nos chama a atenção por se inserir de forma tão fluida aos dias atuais – seja pela tradução imagética de Khonshu, seja pelas menções à entidade demoníaca Ammit ou à enéade dos deuses antigos, que terão papel essencial no desenrolar da trama.

Os maneirismos da Marvel aparecem, incluindo quebras de expectativas constantes, diálogos inesperados e uma desconstrução do famigerado maniqueísmo aventuresco. Os deslizes, dessa maneira, se aglutinam em uma bola de neve que se estende para cada aspecto do show, manchando, por exemplo, o roteiro, que é ofuscado brevemente por falas sem sentido e por uma despreocupação em fornecer qualquer explicação aos espectadores novatos (o que é problemático, considerando que a ideia é arquitetar uma narrativa que seja aferida pela totalidade do público); ou então a montagem, que mergulha num frenesi de ação ao mesmo tempo envolvente e exaurível – e aqui menciono a ótima sequência de perseguição, que consegue apresentar todos os lados da conturbada personalidade de Steven/Marc; além disso, lidamos com um problema de ritmo que concentra esse torpor em pequenos microcosmos borbulhantes, impedindo-o de se mostrar por completo.

Isaac entrega uma atuação aplaudível e divide os holofotes com a aparição amedrontadora de Ethan Hawke como Arthur Harrow, discípulo de Ammit e principal antagonista da minissérie. Steven não tem ideia do que Arthur quer e, ainda assim, se colocou em seu caminho ao roubar um pequeno escaravelho dourado que servirá para trazer a deusa de volta à vida e limpar o planeta de pessoas que tenham más intenções e cujo futuro termina na escuridão – uma causa “nobre” que nos remete aos vilões de ‘Aquaman’ e ‘Vingadores’. O mais intrigante é como Hawke e Isaac conversaram entre si para engendrar personalidades conflitantes entre os dois personagens, auxiliando na diferenciação dos dois e de que forma cada um se comporta dentro de seu mundo e de suas ideologias. May Calamawy, que interpreta Layla El-Faouly, também dá as caras, mas é esquecido em meio a um deus ex machina que finaliza a segunda iteração.

Entre altos e baixos, ‘Cavaleiro da Lua’ se mostra afável a mudar as coisas dentro do MCU – o que já era de se esperar, visto que o próprio diretor Mohamed Diab comentou que o personagem terá importância significativa dentro do panteão super-heroico pelos próximos dez anos. A desequilibrada estrutura não deve ser o bastante para afastar os fãs da produção, mas é inegável dizer que, para as próximas semanas, um pouco mais de ousadia e coesão não faz mal a ninguém.

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Thiago Nollahttps://www.editoraviseu.com.br/a-pedra-negra-prod.html
Em contato com as artes em geral desde muito cedo, Thiago Nolla é jornalista, escritor e drag queen nas horas vagas. Trabalha com cultura pop desde 2015 e é uma enciclopédia ambulante sobre divas pop (principalmente sobre suas musas, Lady Gaga e Beyoncé). Ele também é apaixonado por vinho, literatura e jogar conversa fora.

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A série, que continua a vibrante e ambiciosa Fase 4 do Universo Cinemático Marvel depois das conterrâneas, ‘WandaVision’, ‘Falcão e o Soldado Invernal’, ‘Loki’, ‘What If…?’ e ‘Gavião Arqueiro’, constrói em seus dois primeiros episódios uma história bastante diferente da que estamos acostumados dentro desse panteão recheado de icônicos personagens, apostando fichas em uma simples aventura que inicia com o pé direito, ainda que não ouse para além do óbvio dentro de uma narrativa familiar. Recheada de potencial e guiada por performances de um elenco de ponta, o show é um passo interessante para o MCU e rende-se a uma atmosfera bem costumeira por qualquer um que já tenha assistido a ‘Indiana Jones’ ou a ‘A Múmia’ – e não me refiro a inspirações artísticas, e sim ao teor dos longas-metragens que é emprestado a ‘Cavaleiro da Lua’.

Se você não se importa com investidas convencionais, o episódio piloto faz exatamente aquilo que deveria: apresentar o personagem principal e os obstáculos que ele enfrentará em sua instigante jornada de autodescoberta e aceitação do destino – um termo que pode parecer anacrônico, mas que faz sentido considerando o que nos foi mostrado até agora. O enredo nos introduz a Steven Grant (Oscar Isaac), um rapaz londrino que trabalha no estande de vendas de um museu e sofre para ter uma noite boa sequer – com flashes de acontecimentos que não consegue separar em realidade ou imaginação. Obrigado a se amarrar à cama com uma corrente e a fazer o possível para que não saia de casa, ele descobre que, na verdade, divide a mente Marc Spector, um mercenário impiedoso a serviço do temido e milenar deus egípcio Khonshu. É claro que, a princípio, ele acredita estar sofrendo de alucinações, mas logo seu transtorno dissociativo de imagem fala mais alto e ele se vê arrastado para um jogo de vida ou morte.

Não há nada novo a ser visto aqui, com exceção da mistura gritante de gêneros que varia da simbólica aventura museológica ao suspense dramático – talvez com mais força do que em produções similares da Marvel. O criador e showrunner Jeremy Slater, famoso por seu trabalho nas séries ‘The Exorcist’ e ‘The Umbrella Academy’, demonstra saber com o tipo de material com que lida e entrega um projeto sólido, por mais que deixe de lado aspectos que poderiam ser mais bem explorados nesses capítulos iniciais. A predileção pela mitologia egípcia é notável e nos chama a atenção por se inserir de forma tão fluida aos dias atuais – seja pela tradução imagética de Khonshu, seja pelas menções à entidade demoníaca Ammit ou à enéade dos deuses antigos, que terão papel essencial no desenrolar da trama.

Os maneirismos da Marvel aparecem, incluindo quebras de expectativas constantes, diálogos inesperados e uma desconstrução do famigerado maniqueísmo aventuresco. Os deslizes, dessa maneira, se aglutinam em uma bola de neve que se estende para cada aspecto do show, manchando, por exemplo, o roteiro, que é ofuscado brevemente por falas sem sentido e por uma despreocupação em fornecer qualquer explicação aos espectadores novatos (o que é problemático, considerando que a ideia é arquitetar uma narrativa que seja aferida pela totalidade do público); ou então a montagem, que mergulha num frenesi de ação ao mesmo tempo envolvente e exaurível – e aqui menciono a ótima sequência de perseguição, que consegue apresentar todos os lados da conturbada personalidade de Steven/Marc; além disso, lidamos com um problema de ritmo que concentra esse torpor em pequenos microcosmos borbulhantes, impedindo-o de se mostrar por completo.

Isaac entrega uma atuação aplaudível e divide os holofotes com a aparição amedrontadora de Ethan Hawke como Arthur Harrow, discípulo de Ammit e principal antagonista da minissérie. Steven não tem ideia do que Arthur quer e, ainda assim, se colocou em seu caminho ao roubar um pequeno escaravelho dourado que servirá para trazer a deusa de volta à vida e limpar o planeta de pessoas que tenham más intenções e cujo futuro termina na escuridão – uma causa “nobre” que nos remete aos vilões de ‘Aquaman’ e ‘Vingadores’. O mais intrigante é como Hawke e Isaac conversaram entre si para engendrar personalidades conflitantes entre os dois personagens, auxiliando na diferenciação dos dois e de que forma cada um se comporta dentro de seu mundo e de suas ideologias. May Calamawy, que interpreta Layla El-Faouly, também dá as caras, mas é esquecido em meio a um deus ex machina que finaliza a segunda iteração.

Entre altos e baixos, ‘Cavaleiro da Lua’ se mostra afável a mudar as coisas dentro do MCU – o que já era de se esperar, visto que o próprio diretor Mohamed Diab comentou que o personagem terá importância significativa dentro do panteão super-heroico pelos próximos dez anos. A desequilibrada estrutura não deve ser o bastante para afastar os fãs da produção, mas é inegável dizer que, para as próximas semanas, um pouco mais de ousadia e coesão não faz mal a ninguém.

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