Em 2021, Denis Villeneuve trouxe à vida a adaptação do romance sci-fi ‘Duna’, de Frank Herbert, apresentando o que podemos considerar como um dos melhores filmes daquele ano. A sequência, lançada este ano, ultrapassou todas as nossas expectativas ao se sagrar como uma obra-prima cinematográfica, expandindo ainda mais o cosmos arquitetado por Herbert em uma ópera espacial de tirar o fôlego. Agora, meses depois de ‘Duna: Parte II’, somos convidados a revisitar esse universo com a première do primeiro episódio da série ‘Duna: A Profecia’ – que está disponível no catálogo da Max.
A história é ambientada mais dez mil anos antes da ascensão de Paul Atreides (Timothée Chalamet) e é centrada em Valya Harkonnen (Emily Watson), líder da Irmandade (grupo de videntes que é conhecido como Bene Gesserit) – cujo principal objetivo é garantir que os membros dessa poderosa ordem matriarcal não apenas sirvam como conselheiras e guias de imperadores, mas tenham atuação imprescindível na manutenção e no controle do Imperium, ainda que às escondidas. Quando mais jovem, Valya foi requisitada pela Madre Superiora Raquella (Cathy Tyson) para garantir que esse propósito fosse alcançado – colocando-a, ao lado da irmã Tula (Olivia Williams), em uma missão de extrema importância e que pode ditar o futuro de tudo o que conhecem.
Diferente da saga de filmes comandada por Villeneuve, a ideia aqui é se afastar das construções-espetáculo levadas às telonas e focar em uma íntima trama que singra pelas engrenagens da fé e da política. É claro que o teor épico permanece, considerando o material original – mas as criadoras Diane Ademu-John e Alison Schapker têm plena consciência do que estão fazendo para não emularem o cineasta, e sim corroborar com sua visão quase metafísica dos escritos de Herbert. Nesse tocante, o drama que se desenrola através de uma hora é pincelado com inclinações ao suspense e à tragédia, tomando o tempo necessário para apresentar os múltiplos enredos e explicar aos espectadores as premissas de cada arco.
Percebemos que o capítulo de estreia do spin-off segue os lentos passos do longa de 2021, ao menos até encontrar seu ritmo. Como estamos lidando com uma produção seriada, os personagens são nutridos com uma independência própria que não os subjuga a forças da natureza, por exemplo, e sim a ambições desmedidas e individualistas que apresentam um novo lado desse memorável universo literário. Vanya é embebida em uma obediência cega que renega os valores inalienáveis das Bene Gesserit e que preza pela ascensão ao poder através da Princesa Ynez (Sarah-Sofie Boussnina), uma implacável e indomável mulher que passará pelo mesmo treinamento das Videntes; porém, ela tem um segundo intento – resgatar a glória da Casa Harkonnen após serem taxados de covardes durante a guerra contra as Máquinas Pensantes.
Esse individualismo estende-se para os outros personagens que povoam as telinhas. Ynez, por exemplo, sabe do papel que quer cumprir – mas deixa bem claro que carrega consigo habilidades de negociação que lhe darão mais liberdade que imagina; Desmond Hart (Travis Fimmel), um soldado carismático que sobrevive a uma tentativa de roubo de especiarias em Arrakis, posa como vítima das circunstâncias, porém, quer se aproximar do Imperador Corrino (Mark Strong) às custas da Irmandade; Irmã Jen (Faoileann Cunningham) demonstra uma superioridade frente outras acólitas e deixa bem claro que está lá em prol de seus desejos, e não de um conluio com outras aprendizas.
Não deixe de assistir:
Ademu-John faz um trabalho respeitável ao assinar o roteiro do primeiro episódio e, mesmo sabendo que é necessário seguir certas fórmulas de apresentação, lida com elas com sagacidade aplaudível. O prólogo é acompanhado de uma narração feita por Watson e como elemento didático de explicação; todavia, esses convencionalismos não duvidam da capacidade dos espectadores em compreender esse intrincado escopo, e sim apostam em uma releitura das grandes ficções fantásticas com respeito máximo – e com homenagens a clássicos sci-fi que garantem praticidade e dinamismo. Aliando-se à roteirista, a diretora Anna Foerster investe na dualidade conflitante entre a vibrante ostentação das Grandes Casas, a melancolia espectral da Irmandade e as intrigas palacianas que promovem uma divertida e apaixonante atemporalidade.
Se o teor “novelesco” da série pode incomodar os fãs inveterados dos filmes, o elenco rende-se a performances primorosas, com destaque à química explosiva de Watson e Williams como as Irmãs Harkonnen – esta temendo um futuro que pode se firmar pelos motivos errados, e aquela restrita a uma rigorosidade áspera que a transforma em uma persona admirável e temível, ao mesmo tempo. O restante dos atores também tem seu momento de brilhar e garante que a multiplicidade de temas, variando da subserviência diplomática ao hedonismo luxurioso, nos envolva do início ao fim.
O capítulo de estreia de ‘Duna: A Profecia’ é um lembrete de que esse emblemático cosmos da ficção científica ainda tem muito a ser explorado – e começa da melhor maneira possível ao garantir nossa atenção com ardis, artimanhas e conluios que devem ser explorados nas próximas semanas.