domingo , 22 dezembro , 2024

Primeiras Impressões | ‘Expresso do Amanhã’ vira drama policial e deixa de lado o que tem de melhor para oferecer

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Ao longo das últimas décadas, o gênero do pós-apocalipse distópico ganhou apreço descomunal ao se tornar um dos nichos preferidos dos realizadores da indústria do entretenimento, explorando de que maneira a sociedade se comporta (organizada ou barbaramente) frente à força mortal da natureza ou do próprio ser humano. Um dos expoentes mais famosos e aclamados desse nicho em questão foi a adaptação fílmica de ‘Le Transperceneige’, que ganhou nome de ‘Expresso do Amanhã’ em 2013 e conquistou o público por sua visceral narrativa que girava em torno de uma “arca de Noé” em forma de locomotiva que contém os últimos seres humanos vivos da Terra. O trem, intitulado Snowpiercer, é uma máquina composta por 1001 vagões e é imparável, rodando o mundo inteiro e impedindo que o inóspito e congelado planeta os mate.

Em desenvolvimento há três turbulentos anos, a TNT havia anunciado uma série baseada no longa-metragem comandado por Bong Joon-ho – e, depois de diversas complicações e um prospecto nada favorável, a Netflix adquiriu os direitos de exibição nacional e a obra finalmente estreou na plataforma de streaming. Trazendo os prolíficos nomes de Josh Friedman e Graeme Manson para a nova releitura, o resultado final é um tanto quanto insosso quando comparado à história das HQs ou à do filme original, transformando todas as críticas sociais em uma espécie de investida policial e dramática crua e que se vale demais de uma imagética espetacular em vez de canalizar esforços para o oscilante roteiro.



O show, condecorado com o mesmo nome de sua adaptação predecessora, é comandado por Daveed Diggs como o ex-detetive Andre Layton, um dos muitos forasteiros que ultrapassou a dura segurança do Snowpiercer e, há seis anos, mora com o restante dos refugiados na cauda do trem, comumente conhecida como o Fundo. Lá, Andre e seus companheiros são alimentados por minúsculas rações e obrigados a viver com aquilo que têm, racionando água, luz e convivendo em um amontoado de pessoas quase desistentes cuja única esperança é ultrapassar a segurança da maquinaria e conseguir chegar à parte da frente. A princípio, as coisas seguem uma linha imutável, perscrutada por uma bruta força que os obriga a um derradeiro status quo e pelo cataclísmico mundo que os assola lá de fora; entretanto, quase sete anos depois da partida, tudo irá mudar e o povo do Fundo irá tomar aquilo que lhe pertence por direito.

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Na outra extremidade, temos a presença da perfeccionista Melanie Cavill (Jennifer Connelly em um retorno aos holofotes mais que bem-vindo), comandante oficial dos funcionários do trem e, como é-nos revelado mais para frente, a dona do Snowpiercer que se mascara pelo pseudônimo de Sr. Wilford. Sua presença é assustadora e acalentadora ao mesmo tempo, tratando os passageiros da primeira classe com candura excessiva enquanto mostra seu firme e férreo pulso com os trabalhadores do trem – principalmente ao Fundo, dizendo e repetindo que eles não pertencem àquele lugar e que devem agradecer por não serem jogados do lado de fora.

Afastando-se da delineação protagonista das explorações antropológicas de luta de classes de Joon-ho, a dupla de criadores da série opta por uma versão mais dramatizada e mercadológica dos familiares thrillers de suspense ao colocar um serial killer como “união” entre os abastados e os marginalizados. É nesse pano de fundo que Andre e Melanie acabam cruzando caminho: ela pede ao líder dos fundistas (como intitula-se o grupo que habita a cauda da locomotiva) que analise os dois membros da terceira classe brutalmente assassinados – e ajude a trazer justiça para aqueles que foram julgados como culpados. Porém, as coisas não são tão simples assim e nutrem de uma colaboração mais vigente entre as duas mortes, eventualmente culminando em torturas inimagináveis e gráficas o suficiente para honrar a obra anterior.

O grande problema é quando o público percebe que as tramas principais se restringem a isso e não parecem dar possibilidades para construções além das convenções televisivas. De fato, é quase óbvio entender que a narrativa não se sustenta por conta própria, valendo-se de algumas incursões que não fazem sentido para a compreensão dos telespectadores e dos personagens que nos são apresentados: considerando que Friedman e Manson são conhecidos por inflexões sci-fi de grande calibre (este tendo escrito o roteiro do ousado Cubo e pela série Orphan Black, e aquele tendo assinado a história de Guerra dos Mundos e As Crônicas de Sarah Connor), esperávamos que a arquitetura procurasse revitalizar o clássico conto, ou ao menos recuperasse alguns de seus elementos; no final das contas, com exceção de uma direção de arte de tirar o fôlego e certos manejos técnicos aplaudíveis, toda a claustrofobia e as metáforas arquetípicas necessárias para ‘Expresso do Amanhã’ são jogadas no lixo e voltam-se para a zona de conforto das fórmulas.

Levando em conta que tivemos contato com apenas dois capítulos da primeira temporada, é bem provável que o ritmo e a personalidade dos personagens saia da crítica unilateralidade e ganhe outras camadas – talvez influenciando no seguimento do suspense e no jogo de gato-e-rato que se instaura desde os primeiros minutos. Mas, por enquanto, a série deixa de nos oferecer o que tem de melhor em prol de uma gritante conivência estética.

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Thiago Nollahttps://www.editoraviseu.com.br/a-pedra-negra-prod.html
Em contato com as artes em geral desde muito cedo, Thiago Nolla é jornalista, escritor e drag queen nas horas vagas. Trabalha com cultura pop desde 2015 e é uma enciclopédia ambulante sobre divas pop (principalmente sobre suas musas, Lady Gaga e Beyoncé). Ele também é apaixonado por vinho, literatura e jogar conversa fora.

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Em desenvolvimento há três turbulentos anos, a TNT havia anunciado uma série baseada no longa-metragem comandado por Bong Joon-ho – e, depois de diversas complicações e um prospecto nada favorável, a Netflix adquiriu os direitos de exibição nacional e a obra finalmente estreou na plataforma de streaming. Trazendo os prolíficos nomes de Josh Friedman e Graeme Manson para a nova releitura, o resultado final é um tanto quanto insosso quando comparado à história das HQs ou à do filme original, transformando todas as críticas sociais em uma espécie de investida policial e dramática crua e que se vale demais de uma imagética espetacular em vez de canalizar esforços para o oscilante roteiro.

O show, condecorado com o mesmo nome de sua adaptação predecessora, é comandado por Daveed Diggs como o ex-detetive Andre Layton, um dos muitos forasteiros que ultrapassou a dura segurança do Snowpiercer e, há seis anos, mora com o restante dos refugiados na cauda do trem, comumente conhecida como o Fundo. Lá, Andre e seus companheiros são alimentados por minúsculas rações e obrigados a viver com aquilo que têm, racionando água, luz e convivendo em um amontoado de pessoas quase desistentes cuja única esperança é ultrapassar a segurança da maquinaria e conseguir chegar à parte da frente. A princípio, as coisas seguem uma linha imutável, perscrutada por uma bruta força que os obriga a um derradeiro status quo e pelo cataclísmico mundo que os assola lá de fora; entretanto, quase sete anos depois da partida, tudo irá mudar e o povo do Fundo irá tomar aquilo que lhe pertence por direito.

Na outra extremidade, temos a presença da perfeccionista Melanie Cavill (Jennifer Connelly em um retorno aos holofotes mais que bem-vindo), comandante oficial dos funcionários do trem e, como é-nos revelado mais para frente, a dona do Snowpiercer que se mascara pelo pseudônimo de Sr. Wilford. Sua presença é assustadora e acalentadora ao mesmo tempo, tratando os passageiros da primeira classe com candura excessiva enquanto mostra seu firme e férreo pulso com os trabalhadores do trem – principalmente ao Fundo, dizendo e repetindo que eles não pertencem àquele lugar e que devem agradecer por não serem jogados do lado de fora.

Afastando-se da delineação protagonista das explorações antropológicas de luta de classes de Joon-ho, a dupla de criadores da série opta por uma versão mais dramatizada e mercadológica dos familiares thrillers de suspense ao colocar um serial killer como “união” entre os abastados e os marginalizados. É nesse pano de fundo que Andre e Melanie acabam cruzando caminho: ela pede ao líder dos fundistas (como intitula-se o grupo que habita a cauda da locomotiva) que analise os dois membros da terceira classe brutalmente assassinados – e ajude a trazer justiça para aqueles que foram julgados como culpados. Porém, as coisas não são tão simples assim e nutrem de uma colaboração mais vigente entre as duas mortes, eventualmente culminando em torturas inimagináveis e gráficas o suficiente para honrar a obra anterior.

O grande problema é quando o público percebe que as tramas principais se restringem a isso e não parecem dar possibilidades para construções além das convenções televisivas. De fato, é quase óbvio entender que a narrativa não se sustenta por conta própria, valendo-se de algumas incursões que não fazem sentido para a compreensão dos telespectadores e dos personagens que nos são apresentados: considerando que Friedman e Manson são conhecidos por inflexões sci-fi de grande calibre (este tendo escrito o roteiro do ousado Cubo e pela série Orphan Black, e aquele tendo assinado a história de Guerra dos Mundos e As Crônicas de Sarah Connor), esperávamos que a arquitetura procurasse revitalizar o clássico conto, ou ao menos recuperasse alguns de seus elementos; no final das contas, com exceção de uma direção de arte de tirar o fôlego e certos manejos técnicos aplaudíveis, toda a claustrofobia e as metáforas arquetípicas necessárias para ‘Expresso do Amanhã’ são jogadas no lixo e voltam-se para a zona de conforto das fórmulas.

Levando em conta que tivemos contato com apenas dois capítulos da primeira temporada, é bem provável que o ritmo e a personalidade dos personagens saia da crítica unilateralidade e ganhe outras camadas – talvez influenciando no seguimento do suspense e no jogo de gato-e-rato que se instaura desde os primeiros minutos. Mas, por enquanto, a série deixa de nos oferecer o que tem de melhor em prol de uma gritante conivência estética.

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