Em 2005, Angelina Jolie e Brad Pitt protagonizavam a divertida comédia de ação ‘Sr. & Sra. Smith’ – um casal que esconde segredos um do outro, visto que ambos são assassinos de aluguel de empresas rivais. As coisas mudam drasticamente quando seus respectivos chefes lhes dão novos alvos e eles descobrem que precisam matar um a outro. Apesar de ter conquistado 60% de aprovação da crítica, o filme caiu no gosto popular, transformando-se em um dos mais rentáveis do ano e fazendo um estrondo de bilheteria. Agora, seguindo a onda de reboots e remakes promovida por Hollywood, somos convidados a retornar para esse universo com a série do Prime Video.
Seguindo uma estética um tanto quanto diferente do longa-metragem original e das outras versões da história que ficaram marcadas no imaginário popular, a história é estrelada por Donald Glover e Maya Erskine e acompanha dois espiões que não são conhecem e que recebem a oferta de começar uma vida nova em prol de resolverem missões ultrassecretas. Adotando os alter-egos de John e Jane Smith, respectivamente, os dois se conhecem pela primeira vez como marido e mulher e mergulham em uma mandatória necessidade de apresentarem essa fachada ao mundo enquanto resolvem as tarefas que lhe são enviadas. Mas é claro que as coisas não permanecem assim por muito tempo e, logo, eles percebem que algo a mais está em jogo.
Como poderíamos esperar, Glover e Erskine são os elementos de maior sucesso dentro do longa-metragem – e navegam através de uma apresentação didática para reiterar suas personalidades tão distintas. De um lado, temos John posando como um comunicativo e competidor homem que tenta, de todas as maneiras, nutrir um pouco de confiança para com sua “esposa de mentirinha” para conhecê-la melhor, ainda que entenda a dinâmica do casal; de outro, Jane mostra que não tem nada o que deixar para trás de sua vida antiga, permanecendo focada nas missões que deve cumprir e fria em relação a quaisquer sentimentos que possa vir a desenvolver por John. Eventualmente, o embate “yin-yang” transforma-se em algo que todos poderíamos prever, com seus altos e baixos, mas é a perfeita atuação de Glover e Erskine que fornece originalidade ao clichê lovers-to-enemies que já foi utilizado inúmeras vezes no cenário do entretenimento.
Além de estrelar, Glover fica responsável pela criação da série ao lado de Francesca Sloane, recrutando uma equipe bastante talentosa para ficar à frente e atrás das câmeras. É certo que, considerando o nível de tantos outros pilotos de produções semelhantes, o capítulo de estreia de ‘Sr. e Sra Smith’ fica um tanto quanto apagado, não se decidindo em que caminho seguir e nos envolvendo apenas no terceiro ato, quando a primeira reviravolta dita o tom que será apresentado nas próximas iterações. Todavia, os dois episódios seguintes esbarram na perfeição dramática, emergindo como peças antológicas de algo muito maior e que convida o público a entender o que o futuro reserva a John e a Jane.
Enquanto o humor do filme de 2005 era muito mais escancarado e pautado na química de Jolie e Pitt, aqui o roteiro escolhe voltar-se para uma acidez satírica que funciona na maior parte das vezes: temos, por exemplo, a presença de John Turturro como um bilionário excêntrico cujos ganhos ilegais o transformaram em um alvo para os espiões e que arranca sorrisos sinceros do público conforme mescla suspense, angústia e comédia em um mesmo lugar; Sharon Horgan e Billy Campbell, por sua vez, aparecem brevemente no terceiro capítulo em uma clássica aventura de espionagem que entra como reflexo do crescente relacionamento entre John e Jane – e que consagra-se como um dos ápices da temporada, ao menos até agora; e é esse comprometimento inegável que nos ajuda a entender os personagens e a comprar a ideia que nos é vendida.
É claro que há alguns erros a serem apontados, como o descompensado ritmo do primeiro episódio e algumas jogadas de direção e de roteiro que partem de convencionalismos cansativos. Entretanto, nenhum deles é forte o suficiente para apagar o melancólico e aprazível brilho da obra, que consegue criar uma mixórdia bastante envolvente do começo ao fim e que nos deixa ansiosos por mais, fazendo com que cada iteração deslize em um piscar de olhos e nos deixe impedidos de fazer nada além de apertar o play para a próxima narrativa.
‘Sr. e Sra. Smith’ parte de uma premissa modesta e que bebe livremente do material original, mas que caminha por conta própria em uma celebração do talento inegável de seus protagonistas. Ainda que faça menção ao longa-metragem com Jolie e Pitt, a primeira coisa que percebemos é que a série é um reboot completo da narrativa – e essa é a melhor coisa que poderia ter sido feita.