quarta-feira , 18 dezembro , 2024

Psicopata Americano | Os 20 Anos da produção MAIS POLÊMICA e INCORRETA de Hollywood

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Você lembra daquele filme muito controverso estrelado pelo astro Leonardo DiCaprio, recém-saído do sucesso de Titanic (1997)? Bem, numa realidade alternativa isso provavelmente ocorreu, e nessa, na qual vivemos, chegou muito perto de acontecer. Pensando em termos de nossa sociedade atual, onde a ênfase é muito dada ao politicamente correto, e o resto é combatido e rechaçado ferozmente, o filme Psicopata Americano provavelmente jamais teria sido produzido hoje. O curioso é pensar que sua estreia nos cinemas não tem muito tempo assim, tendo sido lançado “apenas” vinte anos atrás. É claro que, mesmo para a época, a obra não passou longe das polêmicas, que a circundaram desde sua pré-produção. Hoje, o longa ressurge como cult, ganhando novos apreciadores devido à sua crítica ácida de uma parte da sociedade americana, mas igualmente com fortes detratores.

Pense só, os filmes de terror slasher, onde um assassino trucida uma grande quantidade de jovens das mais variadas formas – no estilo Sexta-Feira 13 e O Massacre da Serra Elétrica –, nunca foram conhecidos pelo bom gosto e, obviamente, sempre foram repelidos pelos críticos e adultos de forma geral, caindo mais no gosto dos adolescentes. Agora imagine a proposta de se trazer esta estrutura ao “mainstream”, a uma trama mirada ao público adulto, com atores famosos, onde os jovens não poderiam entrar devido à censura alta, ou encontrariam forte barreira na chatice da história sobre yuppies no mundo corporativo. Tudo bem, comparar Psicopata Americano com produções B slasher é bem injusto, e o filme possui muito mais a oferecer do que isto. São justamente os demais atrativos que os fãs abraçam. Porém, é da forma citada acima que muitos, ainda hoje, assimilam o longa, sem ter muito estômago para ingressar nas suas entrelinhas.



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Seja como for, Psicopata Americano completa vinte anos de seu lançamento nos cinemas em 2020 – tendo feito sua estreia oficial no Festival de Sundance em 21 de janeiro de 2000, lançado em grande circuito nos EUA no dia 14 de abril do mesmo ano, e chegado ao Brasil no dia 22 de dezembro (bem a tempo para o clima acolheador do Natal, tudo a ver com o teor do filme, só que não – e quem disse que brasileiro não sabe lançar de forma estratégica?). Como forma de homenagear este clássico moderno da sétima arte, vamos descortinar algumas curiosidades e relembrar esta visceral sátira incorreta.

O Livro e o Autor

Psicopata Americano é baseado na obra literária homônima do autor Bret Easton Ellis – que por si só despertou grande polêmica em seu lançamento ainda em 1991, se tornando alvo de inúmeros boicotes. Easton tinha apenas 21 anos quando lançou seu primeiro livro Less than Zero em 1985 – a obra viveu para se tornar um best seller. Mas nada igualaria o sucesso e a popularidade de seu terceiro livro, Psicopata Americano. Automaticamente muito condenado pela sociedade literária devido a seu teor violentíssimo e misógino, o texto sofreu diversas petições para o seu banimento, resultando na quebra contratual entre o autor e sua então editora, a Simon & Schuster. Ellis teve quatro de seus livros adaptados ao cinema: Abaixo de Zero (1987), Psicopata Americano (2000), Regras da Atração (2002) e Informers – Geração Perdida (2008). Após a publicação de sua obra mais famosa, Bret Easton Ellis recebeu diversas ameaças de morte, mostrando o quão fervorosa é a obra para muitas pessoas.

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A História

Até hoje entre especialistas é debatido o gênero ao qual pertenceria Psicopata Americano. Terror, suspense, drama e até mesmo comédia de humor negro são os mais anexados à produção. A verdade é que o longa pertence a todos estes e transita em cada um ao longo de sua projeção. Particularmente, gosto de vê-lo entre as mesclas do humor (a sátira fala mais alto para mim) e o drama. É claro, não podemos esquecer o grafismo, a sanguinolência e o horror – seria equivocado não apontá-los, e como citado, é o que continua a afastar muita gente.

O filme funciona em dois âmbitos: por um lado é uma crítica ao consumismo e ao estilo de vida yuppie (abreviação de Young urban professional / algo como jovens profissionais urbanos), jovens ambiciosos guiados por suas altas aspirações financeiras e alto nível de sucesso profissional em grandes empresas, nos anos 1980, época em que se passa a trama. A tal “ostentação”, que hoje se tornou rotineira, era vista com olhos receosos no passado. Esse estilo de vida era medido pelo carro que você dirigia, pela casa que você tinha, as roupas que você vestia, em quais restaurantes jantava e todas as suas posses. Hoje, esse tipo de sátira da jovem burguesia pode até passar despercebido, mas no filme ainda funciona, já que a competição interna entre um grupo de amigos, todos vice-presidentes de uma empresa, sobre quem consegue reserva no mais disputado restaurante de Nova York ou quem tem o melhor cartão de visita, é criada de forma humorística a fim de ridicularizar tal comportamento, que é a única preocupação no mundo destes tipos. E é nestes trechos, através de sua comicidade única e ácida (que pode passar batida para alguns), que Psicopata Americano mais sobressai.

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Mas aqui temos traçado o perfil do protagonista Patrick Bateman. Igual aos colegas, ele é um jovem de 27 anos bem sucedido profissionalmente, com gostos requintados, posses caras, que mantém a boa forma e cuja rotina fútil soa quase inumana para os padrões da normalidade. Ele é quase um robô em perfeição – tem concretizado o que muitos almejaram em algum momento da vida, mas terminaram optando pela humanidade de alguma forma. Bateman diz logo em um de seus discursos de abertura: “pareço um ser humano, tenho a aparência, mas nenhum dos sentimentos e qualidades. Sou vazio, simplesmente não estou aqui”. Isso nos traz para o segundo aspecto do filme. O estilo de vida, as aspirações e a ambição de Bateman por uma “vida perfeita” o deixaram doente. Ele é um homem de 27 anos que atingiu todas as suas metas, que tem tudo o que a maioria passa uma vida inteira perseguindo. Isso o faz ansiar por mais nada. Ou por algo que até agora não teve.

Seu estilo de vida é a perfeição para ele, é o certo. O resto “não presta”. Assim, Patrick Bateman não vê como iguais quem não está no mesmo patamar que ele. Vê como inferior. O protagonista está anestesiado. Ele tem melhores amigos que são rivais. Não consegue tolerar sua noiva Evelyn, e por isso possui uma amante, que por sua vez é casada. Tudo virou apenas cerimonias sociais, nada é real. Sua mente começou a desenvolver diversas patologias, como transtorno de personalidade narcisista, limítrofe, obsessiva compulsiva, antissocial e esquizofrênica. E o personagem inclusive toma medicamentos para tal.

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Agora adentramos o segundo ponto. Psicopata Americano é também um drama. Sobre um personagem principal com uma doença mental. Uma doença na alma, ou a falta de uma. E qual o próximo passo para uma pessoa que se afasta completamente de qualquer qualidade humana? A psicopatia. Patrick Bateman começa a buscar prazer em matar pessoas. E não apenas isso, mas o faz das formas mais brutais e “criativas” possível. Bateman quer ter contato com o submundo, é libertino, quer abraçar a luxúria. Se torna cliente de prostitutas e as machuca. Depois convida uma antiga colega, faz sexo a três com ela e uma prostituta, filma tudo e as mata. Aniquila a competição ao despachar um colega de trabalho que, devido às conquistas dele acima das suas próprias, se torna um desafeto. Bateman perde o controle e mata um homem sem teto, negro. Imagine o barril de pólvora que é esta cena: um playboy jovem e branco matando um homem pobre e negro, com direito a matar também o cachorro do homem. Eu sei, é nesse ponto que muitos estariam saindo dos cinemas, e que outros tantos estariam desligando o filme no streaming. É preciso lembrar, no entanto, que tudo terá um sentido maior após o desfecho, que esta é uma crítica e que ambos o filme e o livro de Ellis não são um atestado a este tipo de comportamento, pelo contrário, são obras de arte de repúdio. É preciso conhecer o mal para combate-lo.

Produção e elenco

O produtor do filme, Edward R. Pressman, comprou os direitos para a adaptação cinematográfica ainda em 1992, um ano após o lançamento do livro. Após a compra, o próprio autor (Ellis) iria escrever o roteiro para a direção de Stuart Gordon (especialista em terror visceral, vide Re-Animator e Do Além), com Johnny Depp (que estava muito interessado no projeto) na pele de Patrick Bateman. O cineasta queria um filme em preto e branco, e tão pesado quanto o livro original (que precisou ser muito “podado” para o que vemos em tela), o que garantiria a censura máxima ao longa. Com a saída de Gordon, entrava David Cronenberg na direção, trazendo consigo Brad Pitt a tiracolo para o papel de Bateman. Mas este projeto também não foi para frente. Já pensou?

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Porém, o nome mais associado ao projeto então era o do jovem ator Leonardo DiCaprio, que por muito pouco não estrelou como Bateman. Quando o estúdio Lionsgate adquiriu os direitos, foi contratada a diretora Mary Harron (Um Tiro para Andy Warhol), no que seria seu segundo filme, para o comando da obra, assim como roteirista também. Harron ofereceu a vaga de protagonista para Christian Bale, que estava ávido pelo papel. O estúdio, por outro lado, queria Edward Norton como Bateman, mas concordou com a decisão de Harron com a condição de que ela escalasse ao menos dois nomes famosos em papeis coadjuvantes. Assim, a cineasta contratou Willem Dafoe para viver o detetive Kimball, que investiga os crimes do psicopata, e Reese Witherspoon (saída dos sucessos de A Vida em Preto e Branco, Eleição e Segundas Intenções) no papel de Evelyn, a noiva do protagonista.

A história não acabou por aí, já que após contratados os dois “nomes famosos” que a Lionsgate queria, o estúdio disse à sua diretora que havia feito uma proposta para          que o astro Leonardo DiCaprio protagonizasse. Harron ameaçou deixar o projeto e o fez. Assim, o prestigiado Oliver Stone assumia as rédeas momentaneamente, com DiCaprio à frente protagonizando, James Woods como Kimball, Cameron Diaz como Evelyn, Elizabeth Berkley (Showgirls) como Courtney, a amante do protagonista (papel que ficaria com Samantha Mathis), e Jared Leto e Chloë Sevigny respectivamente como Paul Allen, o “desafeto” e a secretária do protagonista. Na versão final, somente Leto e Sevigny foram mantidos.

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Falando de Leonardo DiCaprio, alguns entraves cercavam a contratação do então maior astro do cinema. Saído do sucesso de Titanic (1997), DiCaprio buscava um próximo projeto e algo que o desassociasse da imagem de galã namoradinho da América. O Homem da Máscara de Ferro e Celebridades, ambos de 1998, já estavam prontos e lançados na esteira do sucesso de Titanic, não contaram muito como novos filmes do astro. Assim, ele havia sido fisgado por esta produção. O primeiro impasse veio da cobrança de organizações feministas, encabeçadas pela ativista Gloria Steinem, que fez uma campanha ferrenha para que o ator não aceitasse o papel. Segundo ela, a base de fãs do astro consistia predominantemente em meninas adolescentes, e DiCaprio poderia assim arruinar sua carreira. Steinem era uma das mais proeminentes críticas da obra literária, e extremamente contra qualquer produção audiovisual ou versão cinematográfica deste conteúdo. Mas o que definitivamente pesou para a saída de DiCaprio do projeto, como sempre, foi um desacordo salarial. Esta é uma produção modesta para os padrões de Hollywood, mas o astro exigia um cachê de US$21 milhões para protagonizar, o que aumentaria o orçamento do longa para US$40 milhões. Assim, DiCaprio saiu, optando por filmar A Praia (2000), lançado no mesmo ano e também cercado de certa polêmica.

Com a saída de DiCaprio, Bale e Harron puderam assumir de vez a produção, trazendo o orçamento de volta a seus US$7 milhões originais. Outros nomes cogitados para viver o protagonista foram Keanu Reeves e Ewan McGregor – que recusou devido às súplicas do colega Bale. No elenco feminino, ofertas foram feitas a atrizes como Drew Barrymore e Liv Tyler. No fim das contas o elenco de Psicopata Americano tomou forma com três futuros vencedores do Oscar (Christian Bale, Reese Witherspoon e Jared Leto) e dois indicados ao Oscar (Willem Dafoe e Chlöe Sevigny).

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Christian Bale acreditava tanto no projeto e estava tão eufórico com a possiblidade de conseguir a vaga no filme, que recusou ofertas de filmes e a fazer testes para outros papeis no período de 9 meses, até conseguir de fato o papel novamente. Mas assim como DiCaprio, Bale foi aconselhado por muitos de que interpretar o personagem num filme assim poderia significar o “suicídio de sua carreira”, o que deixava o ator com mais vontade ainda de participar. Felizmente, para Bale o filme teve o efeito oposto em sua carreira e este foi considerado o papel divisor de águas e sua revelação, elevando seu status de coadjuvante para participações como protagonista em filmes vindouros – carregando franquias de sucesso, vide Batman e O Exterminador do Futuro, e filmes com prestígio de prêmios, como o Oscar. Bale tem um Oscar e mais três indicações como ator no currículo.

Curiosamente, a citada Gloria Steinem, uma das maiores opositoras de ambos livro e filme, se tornaria madrasta de Bale – já que a ativista estava namorando o pai do ator quando ele aceitou o papel no filme. Logo surgiram boatos de que o astro (visto como problemático no passado) teria aceitado o papel para irritar Steinem. Boatos estes que Bale desmentiu.

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Para a composição de Patrick Bateman, cujo nome foi retirado na forma de homenagem ao protagonista de Psicose (1960), do mestre Alfred Hitchcock, Norman Bates, e o qual o autor Bret Easton Ellis alega ter baseado em traços da personalidade de seu próprio pai (que medo!), Christian Bale diz ter usado como fonte de inspiração o personagem Peter Loew, vivido por ninguém menos que Nicolas Cage no cult Um Estranho Vampiro (Vampire’s Kiss, 1988). Segundo Bale, os personagens são muito parecidos.

Fora isso, parte da inspiração, segundo a diretora Mary Harron, veio para Bale quando ele se deparou com uma entrevista que o astro Tom Cruise concedeu ao apresentador David Letterman em 1993. Ao assistir a entrevista, Bale teria percebido em Cruise “uma amistosidade muito intensa, mas com nada atrás de seus olhos, como se lhe faltasse alma”. Segundo a diretora, Bale teria baseado Bateman neste retrato de Cruise, que, curiosamente marca presença no livro (mas não no filme), já que o protagonista mora no mesmo prédio do astro, e inclusive o encontra no elevador num momento da obra literária.

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Censura, polêmicas e alterações

Como dito, Psicopata Americano não é uma obra para os fracos e sofreu muitos boicotes e todo tipo de acusação. Não é para menos. O debate do limite da arte segue vindo à tona, mas a censura e o boicote nunca podem ser uma opção. Por exemplo, durante as filmagens em Toronto, Canadá, onde é o destino para muitas produções querendo se passar por Nova York devido ao custo mais barato, instituições como a Canadenses Preocupados com a Violência no Entretenimento fez campanha protestando contra o apoio de seu governo ao filme.

Outro problema que a produção enfrentou foi em relação aos direitos das marcas apresentadas no filme, e das músicas usadas para a trilha sonora, já que Patrick Bateman é um entusiasta de canções pop. A saudosa Whitney Houston, por exemplo, citada no filme, se recusou a permitir que qualquer canção sua fosse utilizada no filme. De fato, o maior custo do filme foi adquirir os direitos das músicas usadas. Já as inúmeras marcas, sinônimo de qualidade para um homem como Bateman, também se mostraram uma epopeia para a produção. O designer italiano Nino Cerruti permitiu que Bale usasse as roupas de sua confecção, mas desde que na cena em questão não estivesse matando alguém. A Rolex permitiu que qualquer personagem do filme utilizasse seus relógios, exceto o protagonista. A Calvin Klein correu do projeto de última hora, fazendo com que as cuecas de Bateman fossem providas por Perry Ellis. E a Comme des Garçons proibiu a utilização de suas estilosas malas de noite para que um corpo fosse carregado dentro, assim a produção usou uma de Jean Paul Gaultier ao invés.

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No que diz respeito à censura, mesmo com as inúmeras polêmicas, era uma decisão dos produtores desde o início diminuir o grafismo das cenas de violência. Em comparação com o livro, muitas cenas foram completamente removidas devido ao extremismo dos assassinatos e cenas de tortura. O momento mais polêmico do livro, por exemplo, ficou de fora do filme, sequer cogitado de ser filmado. Neste trecho, Patrick Bateman mata um menino no zoológico, buscando um novo nível de satisfação. Outra mudança, embora haja certa implicação sobre isso no filme, é que Bateman é um canibal no livro, com momentos gráficos em que o protagonista devora suas vítimas, seja cruas ou cozidas. Um tópico ausente no longa e que é parte ativa da trama no livro, é a discussão sobre o vírus da AIDS e a sua epidemia, muito em voga na década de 1980.

Fora isso, no livro Patrick Bateman tinha características muito mais misóginas, racistas, sexistas, homofóbicas e xenofóbicas. Essas características foram fortemente diluídas no filme a fim de fazer o personagem mais tolerável, mesmo que algumas delas ainda estejam presentes no resultado final.

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Assim, com tantos “atrativos” a seu dispor, inicialmente o MPAA, o órgão responsável pela censura dos filmes nos EUA, tascou um belo NC-17 em Psicopata Americano. Esta classificação é considerada “o beijo da morte”, já que é a mais alta que um filme pode receber, ocasionando numa série de dificuldades na distribuição de um longa. E a Lionsgate já havia enfrentado problemas na classificação da censura de Dogma (1999), de Kevin Smith, lançado um ano antes, considerado blasfemo. A diretora Mary Harron lutou como pôde contra a classificação, mas no fim das contas foi forçada e cortar e aparar cenas de seu filme a fim de receber uma classificação R, igualmente restrita, porém, mais acessível. E se formos reparar, no filme muitas das mortes ocorrem fora de tela. A machadada em Paul Allen, a serra elétrica na prostituta, o chute no cachorro, nada é mostrado, apenas imaginado.

A reviravolta e o verdadeiro sentido (SPOILERS)

Caso não tenha assistindo ainda ao filme, pule este tópico, e passe diretamente ao último. Aqui iremos adereçar o grande segredo e a reviravolta do filme. Levando em conta que o filme já tem 20 anos, muitos provavelmente já assistiram. Então, estejam avisados.

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Com a insanidade de Patrick Bateman só aumentando, ao nível de suas ações se tornarem surreais, com direito a confronto de tiroteio com a polícia, explosões e fugas elaboradas, nunca conseguindo ser pego e preso, percebemos que nada disso está de fato ocorrendo. Ou melhor, tudo acontece apenas na mente do ‘psicopata’. Sim, o personagem tem fortes tendências homicidas, apenas não as concretizou ainda. Vontade ele tem. E podemos argumentar num terreno psicológico que um indivíduo com tais ideias e vontades não é normal, e que só lhe falta coragem ou um passo para realmente concretizar os pensamentos monstruosos. Em sua mente distorcida, Bateman verdadeiramente crê que cometeu tais crimes, mas logo é confrontado por um apartamento reformado (aonde escondia suas vítimas), novinho em folha para ser alugado, seu advogado que diz que Paul Allen (morto por ele) está vivo, e por aí vai. Seus desejos secretos eram expostos através dos desenhos, anotações e rabiscos que fazia em seus cadernos e blocos, encontrados pela secretária Jean, a única que descobre de fato sua real face e, claro, termina chocada. Ou seja, somos expostos a cenas extremamente violentas e horríveis que não ocorreram de fato. A pergunta é: isso diminui seu impacto em nossas mentes, uma vez que as tenhamos presenciado?

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Derivado e referências

O sucesso de certas obras as faz perdurar no consciente da cultura pop. E com Psicopata Americano ocorreu exatamente isso, sendo citado, homenageado, referenciado e até mesmo satirizado em diversas mídias. A certa altura, o projeto seria transformado numa série de TV antes de virar um filme. Este fato foi ironizado na série Entourage (2004), uma vez que o protagonista deste projeto cancelado seria Kevin Dillon, um dos protagonistas do programa citado. Fora isso, Psicopata Americano foi citado no seriado Dexter (2006), também sobre serial killers, e inclusive ganhou uma paródia no canal Funny or Die, com Huey Lewis e Weird Al Yankovic.

Existe até mesmo uma espécie de derivado de Psicopata Americano. Trata-se do filme Regras da Atração (2002), citado nos primeiros parágrafos. Aqui, temos como protagonista o irmão mais novo de Patrick Bateman, Sean Bateman – no filme vivido pelo sumido James Van Der Beek, o Dawson da série Dawson’s Creek. Sean Bateman é citado e faz aparição no livro Psicopata Americano, mas em sua versão cinematográfica foi deixado de fora. Regras da Atração é baseado no segundo livro escrito por Bret Easton Ellis, e traz no elenco atores como Jessica Biel, Ian Somerhalder, Kate Bosworth, Eric Stoltz, Fred Savage, Shannyn Sossamon, Jay Baruchel e a veterana Faye Dunaway.

Faça o que fizer, apenas passe longe da “continuação” lançada direto em vídeo, o ordinário Psicopata Americano 2 (2002), protagonizado por Mila Kunis.

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Recepção, crítica e bilheteria

Enquanto gravavam o filme, ambas Reese Witherspoon e a diretora Mary Harron estavam grávidas – o que pode ter trazido sorte ao projeto. Com um orçamento de US$7 milhões, Psicopata Americano arrecadou mundialmente US$34 milhões, fazendo dele um sucesso financeiro. Como dito, o filme viveu para se tornar cult, a cada ano sendo redescoberto por uma nova leva de fãs. Ele é o sétimo mais popular de seu respectivo ano de lançamento dentre o grande público no IMDB, desbancando em número de votos filmes queridos como Corpo Fechado, Missão: Impossível 2, O Tigre e o Dragão, Quase Famosos, Todo Mundo em Pânico e Premonição, por exemplo; e segue influente e em voga com os cinéfilos. Dado o contexto social dos EUA hoje, e a polarização mundial, o longa se encontra mais atual do que nunca.

Com a crítica atual existe uma divisão sobre seu apreço. O filme marca 69% de aprovação no Rotten Tomatoes, classificando o longa como “fica atrás da sátira mortal presente no livro de Bret Easton Ellis, mesmo assim o filme consegue encontrar sua própria marca de horror e humor, graças em partes a uma bem encaixada e assustadora performance de Christian Bale”. Com outros, como o lendário Roger Ebert, o filme recebeu avaliação melhor. Dando quase a nota máxima em seu site, Ebert conseguiu perceber a crítica feita por Harron a todos os homens que são Batemans em potencial, concordando com a afirmação da diretora de que sua obra é, na verdade, feminista. Alguns veículos especializados na época, inclusive, de forma jocosa descreveram Psicopata Americano como “a adaptação de livro escrito por um misógino e dirigido por uma feminista”.

E você, conhece Psicopata Americano? O filme está disponível no catálogo da Amazon Prime Vídeo. Esta é a oportunidade perfeita para conferir (ou rever) e dar seu parecer a toda esta polêmica. Assista e não esqueça de comentar abaixo.

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Psicopata Americano | Os 20 Anos da produção MAIS POLÊMICA e INCORRETA de Hollywood

Você lembra daquele filme muito controverso estrelado pelo astro Leonardo DiCaprio, recém-saído do sucesso de Titanic (1997)? Bem, numa realidade alternativa isso provavelmente ocorreu, e nessa, na qual vivemos, chegou muito perto de acontecer. Pensando em termos de nossa sociedade atual, onde a ênfase é muito dada ao politicamente correto, e o resto é combatido e rechaçado ferozmente, o filme Psicopata Americano provavelmente jamais teria sido produzido hoje. O curioso é pensar que sua estreia nos cinemas não tem muito tempo assim, tendo sido lançado “apenas” vinte anos atrás. É claro que, mesmo para a época, a obra não passou longe das polêmicas, que a circundaram desde sua pré-produção. Hoje, o longa ressurge como cult, ganhando novos apreciadores devido à sua crítica ácida de uma parte da sociedade americana, mas igualmente com fortes detratores.

Pense só, os filmes de terror slasher, onde um assassino trucida uma grande quantidade de jovens das mais variadas formas – no estilo Sexta-Feira 13 e O Massacre da Serra Elétrica –, nunca foram conhecidos pelo bom gosto e, obviamente, sempre foram repelidos pelos críticos e adultos de forma geral, caindo mais no gosto dos adolescentes. Agora imagine a proposta de se trazer esta estrutura ao “mainstream”, a uma trama mirada ao público adulto, com atores famosos, onde os jovens não poderiam entrar devido à censura alta, ou encontrariam forte barreira na chatice da história sobre yuppies no mundo corporativo. Tudo bem, comparar Psicopata Americano com produções B slasher é bem injusto, e o filme possui muito mais a oferecer do que isto. São justamente os demais atrativos que os fãs abraçam. Porém, é da forma citada acima que muitos, ainda hoje, assimilam o longa, sem ter muito estômago para ingressar nas suas entrelinhas.

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Seja como for, Psicopata Americano completa vinte anos de seu lançamento nos cinemas em 2020 – tendo feito sua estreia oficial no Festival de Sundance em 21 de janeiro de 2000, lançado em grande circuito nos EUA no dia 14 de abril do mesmo ano, e chegado ao Brasil no dia 22 de dezembro (bem a tempo para o clima acolheador do Natal, tudo a ver com o teor do filme, só que não – e quem disse que brasileiro não sabe lançar de forma estratégica?). Como forma de homenagear este clássico moderno da sétima arte, vamos descortinar algumas curiosidades e relembrar esta visceral sátira incorreta.

O Livro e o Autor

Psicopata Americano é baseado na obra literária homônima do autor Bret Easton Ellis – que por si só despertou grande polêmica em seu lançamento ainda em 1991, se tornando alvo de inúmeros boicotes. Easton tinha apenas 21 anos quando lançou seu primeiro livro Less than Zero em 1985 – a obra viveu para se tornar um best seller. Mas nada igualaria o sucesso e a popularidade de seu terceiro livro, Psicopata Americano. Automaticamente muito condenado pela sociedade literária devido a seu teor violentíssimo e misógino, o texto sofreu diversas petições para o seu banimento, resultando na quebra contratual entre o autor e sua então editora, a Simon & Schuster. Ellis teve quatro de seus livros adaptados ao cinema: Abaixo de Zero (1987), Psicopata Americano (2000), Regras da Atração (2002) e Informers – Geração Perdida (2008). Após a publicação de sua obra mais famosa, Bret Easton Ellis recebeu diversas ameaças de morte, mostrando o quão fervorosa é a obra para muitas pessoas.

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A História

Até hoje entre especialistas é debatido o gênero ao qual pertenceria Psicopata Americano. Terror, suspense, drama e até mesmo comédia de humor negro são os mais anexados à produção. A verdade é que o longa pertence a todos estes e transita em cada um ao longo de sua projeção. Particularmente, gosto de vê-lo entre as mesclas do humor (a sátira fala mais alto para mim) e o drama. É claro, não podemos esquecer o grafismo, a sanguinolência e o horror – seria equivocado não apontá-los, e como citado, é o que continua a afastar muita gente.

O filme funciona em dois âmbitos: por um lado é uma crítica ao consumismo e ao estilo de vida yuppie (abreviação de Young urban professional / algo como jovens profissionais urbanos), jovens ambiciosos guiados por suas altas aspirações financeiras e alto nível de sucesso profissional em grandes empresas, nos anos 1980, época em que se passa a trama. A tal “ostentação”, que hoje se tornou rotineira, era vista com olhos receosos no passado. Esse estilo de vida era medido pelo carro que você dirigia, pela casa que você tinha, as roupas que você vestia, em quais restaurantes jantava e todas as suas posses. Hoje, esse tipo de sátira da jovem burguesia pode até passar despercebido, mas no filme ainda funciona, já que a competição interna entre um grupo de amigos, todos vice-presidentes de uma empresa, sobre quem consegue reserva no mais disputado restaurante de Nova York ou quem tem o melhor cartão de visita, é criada de forma humorística a fim de ridicularizar tal comportamento, que é a única preocupação no mundo destes tipos. E é nestes trechos, através de sua comicidade única e ácida (que pode passar batida para alguns), que Psicopata Americano mais sobressai.

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Mas aqui temos traçado o perfil do protagonista Patrick Bateman. Igual aos colegas, ele é um jovem de 27 anos bem sucedido profissionalmente, com gostos requintados, posses caras, que mantém a boa forma e cuja rotina fútil soa quase inumana para os padrões da normalidade. Ele é quase um robô em perfeição – tem concretizado o que muitos almejaram em algum momento da vida, mas terminaram optando pela humanidade de alguma forma. Bateman diz logo em um de seus discursos de abertura: “pareço um ser humano, tenho a aparência, mas nenhum dos sentimentos e qualidades. Sou vazio, simplesmente não estou aqui”. Isso nos traz para o segundo aspecto do filme. O estilo de vida, as aspirações e a ambição de Bateman por uma “vida perfeita” o deixaram doente. Ele é um homem de 27 anos que atingiu todas as suas metas, que tem tudo o que a maioria passa uma vida inteira perseguindo. Isso o faz ansiar por mais nada. Ou por algo que até agora não teve.

Seu estilo de vida é a perfeição para ele, é o certo. O resto “não presta”. Assim, Patrick Bateman não vê como iguais quem não está no mesmo patamar que ele. Vê como inferior. O protagonista está anestesiado. Ele tem melhores amigos que são rivais. Não consegue tolerar sua noiva Evelyn, e por isso possui uma amante, que por sua vez é casada. Tudo virou apenas cerimonias sociais, nada é real. Sua mente começou a desenvolver diversas patologias, como transtorno de personalidade narcisista, limítrofe, obsessiva compulsiva, antissocial e esquizofrênica. E o personagem inclusive toma medicamentos para tal.

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Agora adentramos o segundo ponto. Psicopata Americano é também um drama. Sobre um personagem principal com uma doença mental. Uma doença na alma, ou a falta de uma. E qual o próximo passo para uma pessoa que se afasta completamente de qualquer qualidade humana? A psicopatia. Patrick Bateman começa a buscar prazer em matar pessoas. E não apenas isso, mas o faz das formas mais brutais e “criativas” possível. Bateman quer ter contato com o submundo, é libertino, quer abraçar a luxúria. Se torna cliente de prostitutas e as machuca. Depois convida uma antiga colega, faz sexo a três com ela e uma prostituta, filma tudo e as mata. Aniquila a competição ao despachar um colega de trabalho que, devido às conquistas dele acima das suas próprias, se torna um desafeto. Bateman perde o controle e mata um homem sem teto, negro. Imagine o barril de pólvora que é esta cena: um playboy jovem e branco matando um homem pobre e negro, com direito a matar também o cachorro do homem. Eu sei, é nesse ponto que muitos estariam saindo dos cinemas, e que outros tantos estariam desligando o filme no streaming. É preciso lembrar, no entanto, que tudo terá um sentido maior após o desfecho, que esta é uma crítica e que ambos o filme e o livro de Ellis não são um atestado a este tipo de comportamento, pelo contrário, são obras de arte de repúdio. É preciso conhecer o mal para combate-lo.

Produção e elenco

O produtor do filme, Edward R. Pressman, comprou os direitos para a adaptação cinematográfica ainda em 1992, um ano após o lançamento do livro. Após a compra, o próprio autor (Ellis) iria escrever o roteiro para a direção de Stuart Gordon (especialista em terror visceral, vide Re-Animator e Do Além), com Johnny Depp (que estava muito interessado no projeto) na pele de Patrick Bateman. O cineasta queria um filme em preto e branco, e tão pesado quanto o livro original (que precisou ser muito “podado” para o que vemos em tela), o que garantiria a censura máxima ao longa. Com a saída de Gordon, entrava David Cronenberg na direção, trazendo consigo Brad Pitt a tiracolo para o papel de Bateman. Mas este projeto também não foi para frente. Já pensou?

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Porém, o nome mais associado ao projeto então era o do jovem ator Leonardo DiCaprio, que por muito pouco não estrelou como Bateman. Quando o estúdio Lionsgate adquiriu os direitos, foi contratada a diretora Mary Harron (Um Tiro para Andy Warhol), no que seria seu segundo filme, para o comando da obra, assim como roteirista também. Harron ofereceu a vaga de protagonista para Christian Bale, que estava ávido pelo papel. O estúdio, por outro lado, queria Edward Norton como Bateman, mas concordou com a decisão de Harron com a condição de que ela escalasse ao menos dois nomes famosos em papeis coadjuvantes. Assim, a cineasta contratou Willem Dafoe para viver o detetive Kimball, que investiga os crimes do psicopata, e Reese Witherspoon (saída dos sucessos de A Vida em Preto e Branco, Eleição e Segundas Intenções) no papel de Evelyn, a noiva do protagonista.

A história não acabou por aí, já que após contratados os dois “nomes famosos” que a Lionsgate queria, o estúdio disse à sua diretora que havia feito uma proposta para          que o astro Leonardo DiCaprio protagonizasse. Harron ameaçou deixar o projeto e o fez. Assim, o prestigiado Oliver Stone assumia as rédeas momentaneamente, com DiCaprio à frente protagonizando, James Woods como Kimball, Cameron Diaz como Evelyn, Elizabeth Berkley (Showgirls) como Courtney, a amante do protagonista (papel que ficaria com Samantha Mathis), e Jared Leto e Chloë Sevigny respectivamente como Paul Allen, o “desafeto” e a secretária do protagonista. Na versão final, somente Leto e Sevigny foram mantidos.

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Falando de Leonardo DiCaprio, alguns entraves cercavam a contratação do então maior astro do cinema. Saído do sucesso de Titanic (1997), DiCaprio buscava um próximo projeto e algo que o desassociasse da imagem de galã namoradinho da América. O Homem da Máscara de Ferro e Celebridades, ambos de 1998, já estavam prontos e lançados na esteira do sucesso de Titanic, não contaram muito como novos filmes do astro. Assim, ele havia sido fisgado por esta produção. O primeiro impasse veio da cobrança de organizações feministas, encabeçadas pela ativista Gloria Steinem, que fez uma campanha ferrenha para que o ator não aceitasse o papel. Segundo ela, a base de fãs do astro consistia predominantemente em meninas adolescentes, e DiCaprio poderia assim arruinar sua carreira. Steinem era uma das mais proeminentes críticas da obra literária, e extremamente contra qualquer produção audiovisual ou versão cinematográfica deste conteúdo. Mas o que definitivamente pesou para a saída de DiCaprio do projeto, como sempre, foi um desacordo salarial. Esta é uma produção modesta para os padrões de Hollywood, mas o astro exigia um cachê de US$21 milhões para protagonizar, o que aumentaria o orçamento do longa para US$40 milhões. Assim, DiCaprio saiu, optando por filmar A Praia (2000), lançado no mesmo ano e também cercado de certa polêmica.

Com a saída de DiCaprio, Bale e Harron puderam assumir de vez a produção, trazendo o orçamento de volta a seus US$7 milhões originais. Outros nomes cogitados para viver o protagonista foram Keanu Reeves e Ewan McGregor – que recusou devido às súplicas do colega Bale. No elenco feminino, ofertas foram feitas a atrizes como Drew Barrymore e Liv Tyler. No fim das contas o elenco de Psicopata Americano tomou forma com três futuros vencedores do Oscar (Christian Bale, Reese Witherspoon e Jared Leto) e dois indicados ao Oscar (Willem Dafoe e Chlöe Sevigny).

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Christian Bale acreditava tanto no projeto e estava tão eufórico com a possiblidade de conseguir a vaga no filme, que recusou ofertas de filmes e a fazer testes para outros papeis no período de 9 meses, até conseguir de fato o papel novamente. Mas assim como DiCaprio, Bale foi aconselhado por muitos de que interpretar o personagem num filme assim poderia significar o “suicídio de sua carreira”, o que deixava o ator com mais vontade ainda de participar. Felizmente, para Bale o filme teve o efeito oposto em sua carreira e este foi considerado o papel divisor de águas e sua revelação, elevando seu status de coadjuvante para participações como protagonista em filmes vindouros – carregando franquias de sucesso, vide Batman e O Exterminador do Futuro, e filmes com prestígio de prêmios, como o Oscar. Bale tem um Oscar e mais três indicações como ator no currículo.

Curiosamente, a citada Gloria Steinem, uma das maiores opositoras de ambos livro e filme, se tornaria madrasta de Bale – já que a ativista estava namorando o pai do ator quando ele aceitou o papel no filme. Logo surgiram boatos de que o astro (visto como problemático no passado) teria aceitado o papel para irritar Steinem. Boatos estes que Bale desmentiu.

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Para a composição de Patrick Bateman, cujo nome foi retirado na forma de homenagem ao protagonista de Psicose (1960), do mestre Alfred Hitchcock, Norman Bates, e o qual o autor Bret Easton Ellis alega ter baseado em traços da personalidade de seu próprio pai (que medo!), Christian Bale diz ter usado como fonte de inspiração o personagem Peter Loew, vivido por ninguém menos que Nicolas Cage no cult Um Estranho Vampiro (Vampire’s Kiss, 1988). Segundo Bale, os personagens são muito parecidos.

Fora isso, parte da inspiração, segundo a diretora Mary Harron, veio para Bale quando ele se deparou com uma entrevista que o astro Tom Cruise concedeu ao apresentador David Letterman em 1993. Ao assistir a entrevista, Bale teria percebido em Cruise “uma amistosidade muito intensa, mas com nada atrás de seus olhos, como se lhe faltasse alma”. Segundo a diretora, Bale teria baseado Bateman neste retrato de Cruise, que, curiosamente marca presença no livro (mas não no filme), já que o protagonista mora no mesmo prédio do astro, e inclusive o encontra no elevador num momento da obra literária.

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Censura, polêmicas e alterações

Como dito, Psicopata Americano não é uma obra para os fracos e sofreu muitos boicotes e todo tipo de acusação. Não é para menos. O debate do limite da arte segue vindo à tona, mas a censura e o boicote nunca podem ser uma opção. Por exemplo, durante as filmagens em Toronto, Canadá, onde é o destino para muitas produções querendo se passar por Nova York devido ao custo mais barato, instituições como a Canadenses Preocupados com a Violência no Entretenimento fez campanha protestando contra o apoio de seu governo ao filme.

Outro problema que a produção enfrentou foi em relação aos direitos das marcas apresentadas no filme, e das músicas usadas para a trilha sonora, já que Patrick Bateman é um entusiasta de canções pop. A saudosa Whitney Houston, por exemplo, citada no filme, se recusou a permitir que qualquer canção sua fosse utilizada no filme. De fato, o maior custo do filme foi adquirir os direitos das músicas usadas. Já as inúmeras marcas, sinônimo de qualidade para um homem como Bateman, também se mostraram uma epopeia para a produção. O designer italiano Nino Cerruti permitiu que Bale usasse as roupas de sua confecção, mas desde que na cena em questão não estivesse matando alguém. A Rolex permitiu que qualquer personagem do filme utilizasse seus relógios, exceto o protagonista. A Calvin Klein correu do projeto de última hora, fazendo com que as cuecas de Bateman fossem providas por Perry Ellis. E a Comme des Garçons proibiu a utilização de suas estilosas malas de noite para que um corpo fosse carregado dentro, assim a produção usou uma de Jean Paul Gaultier ao invés.

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No que diz respeito à censura, mesmo com as inúmeras polêmicas, era uma decisão dos produtores desde o início diminuir o grafismo das cenas de violência. Em comparação com o livro, muitas cenas foram completamente removidas devido ao extremismo dos assassinatos e cenas de tortura. O momento mais polêmico do livro, por exemplo, ficou de fora do filme, sequer cogitado de ser filmado. Neste trecho, Patrick Bateman mata um menino no zoológico, buscando um novo nível de satisfação. Outra mudança, embora haja certa implicação sobre isso no filme, é que Bateman é um canibal no livro, com momentos gráficos em que o protagonista devora suas vítimas, seja cruas ou cozidas. Um tópico ausente no longa e que é parte ativa da trama no livro, é a discussão sobre o vírus da AIDS e a sua epidemia, muito em voga na década de 1980.

Fora isso, no livro Patrick Bateman tinha características muito mais misóginas, racistas, sexistas, homofóbicas e xenofóbicas. Essas características foram fortemente diluídas no filme a fim de fazer o personagem mais tolerável, mesmo que algumas delas ainda estejam presentes no resultado final.

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Assim, com tantos “atrativos” a seu dispor, inicialmente o MPAA, o órgão responsável pela censura dos filmes nos EUA, tascou um belo NC-17 em Psicopata Americano. Esta classificação é considerada “o beijo da morte”, já que é a mais alta que um filme pode receber, ocasionando numa série de dificuldades na distribuição de um longa. E a Lionsgate já havia enfrentado problemas na classificação da censura de Dogma (1999), de Kevin Smith, lançado um ano antes, considerado blasfemo. A diretora Mary Harron lutou como pôde contra a classificação, mas no fim das contas foi forçada e cortar e aparar cenas de seu filme a fim de receber uma classificação R, igualmente restrita, porém, mais acessível. E se formos reparar, no filme muitas das mortes ocorrem fora de tela. A machadada em Paul Allen, a serra elétrica na prostituta, o chute no cachorro, nada é mostrado, apenas imaginado.

A reviravolta e o verdadeiro sentido (SPOILERS)

Caso não tenha assistindo ainda ao filme, pule este tópico, e passe diretamente ao último. Aqui iremos adereçar o grande segredo e a reviravolta do filme. Levando em conta que o filme já tem 20 anos, muitos provavelmente já assistiram. Então, estejam avisados.

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Com a insanidade de Patrick Bateman só aumentando, ao nível de suas ações se tornarem surreais, com direito a confronto de tiroteio com a polícia, explosões e fugas elaboradas, nunca conseguindo ser pego e preso, percebemos que nada disso está de fato ocorrendo. Ou melhor, tudo acontece apenas na mente do ‘psicopata’. Sim, o personagem tem fortes tendências homicidas, apenas não as concretizou ainda. Vontade ele tem. E podemos argumentar num terreno psicológico que um indivíduo com tais ideias e vontades não é normal, e que só lhe falta coragem ou um passo para realmente concretizar os pensamentos monstruosos. Em sua mente distorcida, Bateman verdadeiramente crê que cometeu tais crimes, mas logo é confrontado por um apartamento reformado (aonde escondia suas vítimas), novinho em folha para ser alugado, seu advogado que diz que Paul Allen (morto por ele) está vivo, e por aí vai. Seus desejos secretos eram expostos através dos desenhos, anotações e rabiscos que fazia em seus cadernos e blocos, encontrados pela secretária Jean, a única que descobre de fato sua real face e, claro, termina chocada. Ou seja, somos expostos a cenas extremamente violentas e horríveis que não ocorreram de fato. A pergunta é: isso diminui seu impacto em nossas mentes, uma vez que as tenhamos presenciado?

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Derivado e referências

O sucesso de certas obras as faz perdurar no consciente da cultura pop. E com Psicopata Americano ocorreu exatamente isso, sendo citado, homenageado, referenciado e até mesmo satirizado em diversas mídias. A certa altura, o projeto seria transformado numa série de TV antes de virar um filme. Este fato foi ironizado na série Entourage (2004), uma vez que o protagonista deste projeto cancelado seria Kevin Dillon, um dos protagonistas do programa citado. Fora isso, Psicopata Americano foi citado no seriado Dexter (2006), também sobre serial killers, e inclusive ganhou uma paródia no canal Funny or Die, com Huey Lewis e Weird Al Yankovic.

Existe até mesmo uma espécie de derivado de Psicopata Americano. Trata-se do filme Regras da Atração (2002), citado nos primeiros parágrafos. Aqui, temos como protagonista o irmão mais novo de Patrick Bateman, Sean Bateman – no filme vivido pelo sumido James Van Der Beek, o Dawson da série Dawson’s Creek. Sean Bateman é citado e faz aparição no livro Psicopata Americano, mas em sua versão cinematográfica foi deixado de fora. Regras da Atração é baseado no segundo livro escrito por Bret Easton Ellis, e traz no elenco atores como Jessica Biel, Ian Somerhalder, Kate Bosworth, Eric Stoltz, Fred Savage, Shannyn Sossamon, Jay Baruchel e a veterana Faye Dunaway.

Faça o que fizer, apenas passe longe da “continuação” lançada direto em vídeo, o ordinário Psicopata Americano 2 (2002), protagonizado por Mila Kunis.

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Recepção, crítica e bilheteria

Enquanto gravavam o filme, ambas Reese Witherspoon e a diretora Mary Harron estavam grávidas – o que pode ter trazido sorte ao projeto. Com um orçamento de US$7 milhões, Psicopata Americano arrecadou mundialmente US$34 milhões, fazendo dele um sucesso financeiro. Como dito, o filme viveu para se tornar cult, a cada ano sendo redescoberto por uma nova leva de fãs. Ele é o sétimo mais popular de seu respectivo ano de lançamento dentre o grande público no IMDB, desbancando em número de votos filmes queridos como Corpo Fechado, Missão: Impossível 2, O Tigre e o Dragão, Quase Famosos, Todo Mundo em Pânico e Premonição, por exemplo; e segue influente e em voga com os cinéfilos. Dado o contexto social dos EUA hoje, e a polarização mundial, o longa se encontra mais atual do que nunca.

Com a crítica atual existe uma divisão sobre seu apreço. O filme marca 69% de aprovação no Rotten Tomatoes, classificando o longa como “fica atrás da sátira mortal presente no livro de Bret Easton Ellis, mesmo assim o filme consegue encontrar sua própria marca de horror e humor, graças em partes a uma bem encaixada e assustadora performance de Christian Bale”. Com outros, como o lendário Roger Ebert, o filme recebeu avaliação melhor. Dando quase a nota máxima em seu site, Ebert conseguiu perceber a crítica feita por Harron a todos os homens que são Batemans em potencial, concordando com a afirmação da diretora de que sua obra é, na verdade, feminista. Alguns veículos especializados na época, inclusive, de forma jocosa descreveram Psicopata Americano como “a adaptação de livro escrito por um misógino e dirigido por uma feminista”.

E você, conhece Psicopata Americano? O filme está disponível no catálogo da Amazon Prime Vídeo. Esta é a oportunidade perfeita para conferir (ou rever) e dar seu parecer a toda esta polêmica. Assista e não esqueça de comentar abaixo.

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